Ford, a escandalosa

De repente, pego-me folheando um livro, com total indiferença e dois pensamentos furtivos, mas insistentes: "Por que Robert Prevost escolheu chamar-se 'Leão XIV'? Por que alguém, tendo a chance de escolher um nome, escolhe justamente esse — Leão, e ainda por cima o décimo quarto?"

Pascal já dizia que "O homem é apenas um junco, o mais fraco da natureza, mas um junco pensante". Penso que, por trás de Leão XIV, talvez exista um simbolismo maior que o número alto.

Penso, mas isso não significa que... essa chaleira, ali, a três passos de mim, a todo vapor, com seu assobio agudo, insistente, meio desesperado, ardendo no fogão, como quem diz "Tire-me daqui, estou fervendo!"... que essa chaleira vá... calar-se de repente, sem que haja de minha parte ação deliberada.

Penso que seja preciso mais que apenas um pensamento meu no sentido de "Cala-te, chaleira!" para que se interrompa o estampido exagerado. Penso, enquanto a chaleira borbulha, o livro em minhas mãos continua aberto, como que esperando que finalmente me lembre dele, e eu, a mordiscar a tampa da caneta, pensando com os dentes, pensando em um nome para a essa chaleira.

Uma chaleira tão chamativa, tão sonora, com tamanha personalidade não pode nem deve permanecer anônima na história dos meus utensílios domésticos. Merece, e recebe, um nome de impacto, sonoro, de personalidade e família atemporal: "Ford, a escandalosa".

Levanto-me como quem vai encerrar uma revolta. Desligo Ford, a escandalosa, que suspira fundo e cala-se. Volto ao sofá. O livro continua aberto. O nome “Leão XIV”, agora, não me parece tão enigmático, mas, por via das dúvidas, continuo a mordiscar a tampa da caneta.

Volto a folhear o livro. Leão XIV já não me acompanha na leitura. Ford, calada, já não protesta. A caneta perdeu o gosto. E o livro, agora que pode ser lido em paz, revela-se medíocre. Nem o nome do autor me interessa mais.

Remissionem, Pascal.