A Mão Que Afaga, O Chicote Que Açoita ("O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você troca por ela." — Henry David Thoreau)

Tenho pensado naquilo que se move em silêncio — nas avaliações que não aparecem em relatórios, pareceres ou formulários, mas que acontecem na relação entre quem detém o poder e quem dele depende. Penso no olhar do cavalo sobre o carroceiro. Imagino o que se passa sob o pelo quente: a pele coçando, as moscas zumbindo, o sol queimando a nuca. Mas o que realmente marca é o chicote. Ele assobia no ar antes de cortar a carne. Às vezes, o carroceiro tem a fala arrastada pela bebida, e a dor vem com fúria. Outras vezes, o golpe é seco, automático, fruto apenas do cansaço. Mas a dor está sempre ali.

"Conheço cada ondulação dessa estrada", pensa o cavalo, com a sabedoria muda de quem carrega o fardo. "Sei quando puxar com força e quando poupar energia. Eu te levo onde você precisa ir. Mereço mais que o medo. Mereço respeito." Essa é a avaliação do cavalo: um julgamento silencioso sobre justiça — o peso da carga em contraste com a forma como a mão que guia também pode ferir.

Dessa imagem, minha mente salta para outros espaços em que a dependência se entrelaça com a avaliação. Penso nas salas de aula. Ali, uma inversão silenciosa tem ocorrido. Os alunos — ou suas famílias — passaram de aprendizes a avaliadores do mestre. Em conselhos de classe, vídeos e redes sociais, professores são julgados não por seu esforço ou conteúdo, mas por falas isoladas, gestos mal interpretados ou, simplesmente, por ousarem confrontar comportamentos inadequados.

E assim, o que deveria ser um espaço de formação transforma-se em tribunal. O professor, que deveria guiar, torna-se o acusado — muitas vezes de forma anônima, sem defesa, condenado pelo tribunal da percepção. Como se um recorte de fala fosse suficiente para invalidar todo um projeto pedagógico. “Chamou de vagabundo”, “não ensina inglês”, “fala da vida pessoal”, “pergunta demais”. Mas será que, por trás dessas críticas, não há também uma negação do papel de quem ensina e uma recusa em assumir o esforço de quem aprende?

A escola, que deveria ser território de esforço e superação, torna-se refém de expectativas rasas e interesses distorcidos. E, quando isso se soma à ingerência de forças externas — sobretudo políticas —, o cenário se agrava. Lembro-me de um provérbio amargo, porém preciso: “a mão que afaga é a mesma que apedreja.”

Vejo essa máxima se cumprir quando instituições fundamentais — a escola, a família, a igreja — abandonam seus princípios em troca de favores, verbas ou influência. A política, com sua essência volúvel, infiltra-se nesses espaços com promessas de afago: um apoio aqui, uma nomeação ali. Mas cada concessão cobra um preço alto. Vende-se a autonomia. Perde-se a coerência. Troca-se o propósito pela conveniência.

A escola, que deveria ensinar a pensar, curva-se para doutrinar. A família, que deveria sustentar o caráter, negocia princípios em busca de aceitação. A igreja, que deveria elevar o espírito, transforma-se em palanque. É a alma sendo vendida aos poucos.

Nesse jogo de conveniências, a confiança desaparece. A mão que antes guiava com firmeza torna-se suspeita. O aluno já não vê o professor como exemplo, mas como ameaça. O fiel já não reconhece no pastor a palavra divina, mas o discurso eleitoral. O filho já não escuta os pais como bússola, mas como vozes corrompidas. E assim, o chicote da desilusão nos marca a todos.

Porque, quando a mão que deveria proteger se transforma em instrumento de interesse, a base da convivência se desfaz. A avaliação — silenciosa, persistente, implacável — revela que algo se quebrou. E talvez não haja mais como remendar.

Que aprendamos, enquanto é tempo, a preservar a integridade das instituições que formam o espírito humano. Que a escola não se perca no espetáculo. Que o professor não seja calado por boatos. Que a família não negocie o que é inegociável. Que a mão que guia não se torne a que açoita. E que a alma não se venda — nem por poder, nem por medo.

Minha crônica é uma reflexão poderosa e um convite a pensar sociologicamente sobre as relações de poder, a confiança nas instituições e os custos invisíveis das escolhas coletivas e individuais. Como seu professor de Sociologia, vejo nela muitos ganchos para discussões essenciais. Com base nas minhas ideias, preparei 5 questões discursivas simples:

1. O texto inicia com a imagem do cavalo avaliando o carroceiro e depois salta para alunos/famílias avaliando professores. Como a Sociologia analisa as dinâmicas de poder e as formas de avaliação (formais e informais) que ocorrem nas relações assimétricas dentro de diferentes instituições sociais, como a escola ou o local de trabalho?

2. A crônica critica a forma como instituições como escola, família e igreja se envolvem na política, perdendo autonomia e coerência. Como a Sociologia estuda o papel e as funções das instituições sociais na sociedade contemporânea e de que forma a interferência excessiva de forças externas, como a política, pode afetar sua capacidade de cumprir seus propósitos originais?

3. O texto usa o provérbio "a mão que afaga é a mesma que apedreja" para descrever a natureza da política e a experiência de instituições que buscam sua influência. Do ponto de vista sociológico, quais são os riscos e as consequências para a confiança pública e para a própria integridade de instituições não-políticas (como escolas ou igrejas) quando elas se tornam instrumentos de agendas políticas?

4. A crônica descreve a inversão de papéis na escola, onde alunos avaliam o mestre, e a erosão da autoridade do professor. Como a Sociologia compreende as mudanças nas relações de autoridade dentro das instituições de ensino e quais fatores sociais e culturais podem contribuir para essa reconfiguração e para a crise de confiança na figura do educador?

5. O texto conclui que vender a alma das instituições por influência política tem "juros morais altíssimos" e quebra a confiança. Como a Sociologia analisa o valor da integridade e da autonomia para a legitimidade e a coesão das instituições sociais, e quais as implicações para a sociedade quando a confiança nessas bases é abalada?