As Ursas Comem o Lixo na Calçada ("Deus não se deixa escarnecer." — Gálatas 6:7)

Ontem, enquanto folheava um velho livro empoeirado na estante de casa, deparei-me com aquela passagem sobre Eliseu — você sabe, aquela em que os jovens zombam de sua calvície e acabam devorados por ursos. Sempre me incomodou a aparente desproporção entre a ofensa e o castigo. Por que um homem de Deus reagiria com tamanha severidade a uma provocação tão juvenil? Essa inquietação me acompanhou durante todo o dia, como uma pedra no sapato que não conseguimos remover.

Saí para caminhar, como faço todas as tardes, tentando organizar os pensamentos. Ignorei o céu — particularmente cinzento, com nuvens pesadas que ameaçavam desabar a qualquer momento —, pois minha atenção se prendeu ao lixo que a vizinha insiste em colocar na minha calçada. Pensei em Eliseu, percorrendo a estrada de Jericó a Betel, sob o sol causticante da Judeia. Quantos passos terá dado em silêncio antes da interrupção abrupta? "Ô seu careca, fora daqui!" — ecoava em minha mente a zombaria daqueles rapazes. Relacionei o episódio à Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê punições para quem causa poluição, desassossego ou atenta contra a saúde. Imagino o olhar do profeta — não de ódio, talvez, mas de uma tristeza profunda ao perceber que enfrentava, não apenas uma ofensa pessoal, mas o escárnio ao sagrado que ele representava. E eu? Não represento nada?

Na pequena praça do bairro, observei um grupo de adolescentes com seus celulares, alheios ao mundo ao redor. Quantos deles, pensei, também zombam do que não compreendem? Não com gritos de "careca", mas com memes e comentários ácidos nas redes sociais. A irreverência juvenil transposta para os tempos modernos — sem a punição imediata das ursas, mas talvez com consequências igualmente devastadoras a longo prazo.

"Submetam-se a Deus. Resistam ao Diabo, e ele fugirá de vocês." Esta frase me veio à mente enquanto observava uma mãe tentando controlar o filho pequeno, que se recusava a sair do balanço. Há uma sabedoria antiga nesse paradoxo: a submissão como caminho para a verdadeira resistência. Aceitamos limites em uma esfera para podermos ser indomáveis em outra.

Continuei meu percurso até o pequeno Lago Boa Vista, onde um senhor alimentava patos com pedaços de pão. Lembrei-me então de outra passagem: "Não tenhais medo do povo daquela terra, pois os devoraremos como um bocado de pão." Há algo de perturbador e, ao mesmo tempo, reconfortante nessa confiança absoluta. O medo paralisa; a fé mobiliza. Os israelitas temiam gigantes, mas foram prometidos a devorar seus inimigos "como um bocado de pão" — metáfora poderosa sobre como a perspectiva transforma montanhas em migalhas.

A chuva começou a cair — fina, mas persistente. Abri uma sacola plástica que encontrei na calçada de alguém e me abriguei sob uma árvore. Foi ali, protegido da chuva, que refleti sobre proteção e aliança. "Não temos aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever segui-los..." A frase, atribuída a Lord Palmerston sobre política internacional, encontra ressonância surpreendente no contexto espiritual que estou vivendo agora. As alianças humanas são circunstanciais, mas os princípios permanecem.

No caminho de volta para casa, já completamente molhado, apesar do saco plástico sobre a cabeça, percebi que a história de Eliseu não é sobre vingança, mas sobre consequências. Os jovens zombadores não foram punidos por ferirem uma vaidade, mas por desrespeitarem o que era sagrado. Como diz o texto antigo: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará." Quem semeia lixo na calçada dos outros e nas ruas da cidade colherá o quê?

Cheguei em casa encharcado e pensativo. Enquanto trocava as roupas molhadas, entendi, por fim, que não se trata de temer ursos saindo do mato, mas de compreender que nossas escolhas geram consequências — às vezes imediatas, às vezes demoradas, mas sempre inevitáveis. Talvez seja essa a verdadeira linha que une as passagens aparentemente desconexas aqui: a certeza de que existe uma ordem nas coisas, que podemos ignorar por algum tempo, mas nunca indefinidamente. Assim me confortei.

Agora, sentado à janela da varanda, vendo a chuva intensificar-se lá fora, penso em quantas vezes fui como aqueles jovens, zombando do que não entendia, e quantas outras fui como os israelitas temerosos, enxergando gigantes onde havia apenas homens. Em tempos de desumanização extrema, em que as pessoas se sentem animais, alegra-nos a certeza que assim como não temos aliados eternos, também os nossos inimigos não são perpétuos, talvez precisemos resgatar a sabedoria do equilíbrio: submeter-nos ao que é maior que nós, resistir ao que nos diminui e seguir nosso caminho sem medo — atentos às ursas, e confiantes na proteção que nos acompanha.

Afinal, todos somos, de alguma forma, carecas caminhando por estradas poeirentas — vulneráveis às zombarias, aos desrespeitos alheios e às feras escondidas no mato, que não devem dormir. A diferença está apenas em saber a quem nos submetemos e contra o que resistimos. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Não ando com Deus por medo dos ursos — ando com Deus porque o mundo está cheio de rapazes zombeteiros que esqueceram o que significa respeitar. E, se hoje me chamam de careca, amanhã podem cuspir no altar. É só questão de tempo.

O que me sustenta não é a promessa de que os maus serão punidos, mas a esperança de que os bons persistam. Porque Deus não se deixa escarnecer. E, mesmo que o mundo trate tudo como piada, a colheita virá — e será proporcional à semente lançada. Quem planta lixo colhe lixo.

Aqui estão as questões:

1. A crônica parte da história de Eliseu e a punição severa pela zombaria, contrastando-a com formas contemporâneas de desrespeito (redes sociais, poluição). Como a Sociologia analisa a relação entre normas sociais, desvio (como a zombaria e o desrespeito) e as diferentes formas de sanção social (históricas e atuais) utilizadas para manter a ordem?

2. O texto questiona a reação à ofensa a Eliseu, um representante do sagrado, e reflete sobre o respeito no mundo atual. Do ponto de vista sociológico, como se constrói e se mantém a autoridade (religiosa, moral, institucional) em diferentes sociedades, e quais fatores podem levar à sua erosão e ao aumento do desrespeito?

3. A crônica traz a ideia de que "Deus não se deixa escarnecer" e que "tudo o que o homem semear, isso também ceifará", ligando ações a consequências inevitáveis. Como a Sociologia aborda a relação entre a agência individual (as escolhas e ações das pessoas) e as estruturas sociais mais amplas que moldam os resultados e as consequências dessas ações na vida coletiva?

4. O texto contrapõe a sabedoria da submissão (a Deus) e resistência (ao Diabo) com a ideia política de seguir apenas os "interesses eternos e perpétuos". Como a Sociologia analisa a tensão entre os princípios morais/religiosos que regem o comportamento individual e coletivo e o pragmatismo baseado em interesses materiais ou políticos na condução das relações sociais e institucionais?

5. A crônica reflete sobre a polarização atual e a divisão entre "aliados eternos e inimigos perpétuos". Como a Sociologia estuda a formação de grupos e identidades sociais, a construção da ideia de "nós" contra "eles", e as consequências sociais e para o convívio em uma sociedade marcada pela polarização extrema?