DE REPENTE, 1964
Era uma tarde como tantas outras.
Os bondes ainda tilintavam seus sinos nas ladeiras do Rio, e o cheiro de café fresco escapava das janelas coloniais do centro.
Nas praças, senhores liam jornais dobrados ao meio, atentos ao movimento das manchetes, como se pudessem ouvir o ranger dos acontecimentos antes que eles, de fato, passassem pela história.
O Brasil vivia de esperanças tortas e promessas exageradas.
As rádios tocavam bossa nova entre uma notícia política e outra, e as famílias jantavam diante de televisores com imagens que tremiam mais do que os ânimos da nação.
Era um país jovem, confuso e dividido, que ainda acreditava que o futuro morava logo ali, na próxima esquina.
E então, de repente, 1964.
Veio sem avisar com palavras claras, mas deixou pistas suficientes para os atentos.
O sussurro dos quartéis aumentava em volume.
Os discursos ficavam mais ásperos, os olhares mais duros.
O Congresso tremia, mas não se partia.
As instituições, frágeis como porcelana antiga, batiam umas contra as outras sem saber como se equilibrar.
No fim de março, a história se dobrou em si mesma.
Sem fanfarra, sem tiros nos primeiros instantes.
Apenas uma marcha, a dos tanques sobre o asfalto das cidades.
Os jornais, no dia seguinte, estamparam palavras frias, "Revolução", "Movimento", "Estabilização” como se nomear o ocorrido fosse suficiente para compreendê-lo.
Mas o que se iniciava ali era algo que nem todos sabiam como nomear, um silêncio espesso, imposto a ferro e decreto.
De repente, 1964 não foi apenas um ano.
Foi um divisor de águas, um marco cravado na memória coletiva.
Alguns o chamaram de alívio, outros de tragédia.
O certo é que depois dele, o país não voltou mais a ser o mesmo.
As ruas, antes agitadas por passeatas, tornaram-se vigilantes de si mesmas.
As palavras, antes livres, aprenderam a andar escondidas, camufladas em metáforas e meias verdades.
Hoje, ao folhear jornais amarelados daquele tempo, o leitor atento encontra não apenas notícias, mas entrelinhas.
Um Brasil que escorregou para a sombra quando o relógio marcava a hora exata de um golpe.
Porque assim é a história, ela não avisa quando muda de rota. Apenas acontece.
De repente, 1964.
E o país mergulhou num silêncio que duraria vinte e um longos anos.