O fim já esperado
Modernidade é isto: nada foi feito para durar.
São quase cinco anos de convívio. Muita coisa aconteceu ao longo desse tempo e não é fácil aceitar que o fim está próximo. Mas, num mundo líquido, como dizia o falecido filósofo, as coisas são feitas para não durarem mesmo. E, no nosso caso, até que tem durado bastante, embora eu saiba que está prestes a acabar. Não sei exatamente quando, mas sei que não tardará.
No começo, era tudo perfeito, funcionava sem dificuldade alguma. Até mesmo a imagem que se produzia era de suposto alto nível. Com o tempo, as coisas foram se deteriorando e essa suposta bela imagem foi se mostrando insuficiente, fraca, destorcida e muito inferior à imagem que as novidades passaram a proporcionar.
Talvez seja esta a base de toda relação moderna: inicia-se sabendo que não será duradoura; começa-se já sabendo que o fim está próximo. Engraçado que antes não era assim. Certamente, o leitor, caso seja mais moço que eu, ou não, ouviu do pai ou da avó que as coisas eram feitas para durar. E duravam. Investia-se muito para se alcançar tal conquista, de modo que ela acabava ocupando lugar de destaque.
A relação era central na vida da família. Acabava ocupando lugar de destaque na sala, para que todos os visitantes pudessem ver o esplendor e a importância que se dava a ela. Os dias já eram corridos, mas sempre sobrava um tempinho para que todos pudessem, juntos, contemplá-la.
Não era fácil de se conseguir algo assim, mas quando era adquirido, sabia-se que durante um bom tempo seria esse o objeto da atenção e cuidado de todos. Às vezes, gerava até briga, porque todos a valorizavam, já que era única. Não era como hoje em dia, em que se tem várias, ou que se troca por um novo a qualquer momento, como quem troca de cueca.
E para piorar, se descobrem que você tem uma relação um pouquinho mais longa, as risadas logo surgem. Chegam a especular se você não poderia ter algo melhor, já que ganha tantos mil de salário. Ou ainda, se você não tem vergonha por deixar à mostra algo tão antigo, quase obsoleto, em que se pode ver as marcas do tempo.
Porém, sou assim mesmo e julgo-me até corajoso por isso. Sempre busquei por um usufruto mais prolongado, estabelecendo relações mais duradouras. Os motivos são vários: o primeiro, é não dispor sempre de recursos que uma eventual troca exige; segundo, dá uma trabalheira danada iniciar uma nova relação; terceiro, ter que mudar as coisas de lugar, abandonar os velhos hábitos, aprender outros novos, acostumar-se a uma nova forma de tocar, de ouvir, de aproximar a boca… não tenho mais idade para isso. Até gosto de modernidade e me sinto tentado a aderir à moda. Mas sei lá, não sei se quero isso toda hora.
Mas enfim, parece que não tem mais jeito. Quase cinco anos de convívio não é para qualquer um. Até mesmo para mim tem começado a ser difícil. A coisa já não funciona bem, trava toda hora, não há espaço para tudo o que preciso e a aparência já não é das melhores. De vez em quando, sinto uma pontinha de vergonha por ainda manter isso. Mas depois, paro e penso: por que me sinto assim? E então, sinto vergonha por ter sentido vergonha de nós. Não é do meu feitio agir desse modo. Sou um homem estável, equilibrado (ou pelo menos gostaria de ser), que não se deixa influenciar pelo julgamento alheio.
No entanto, a obsolescência programada está aí. Dizem que é esse o nome que se dá. Meu velho aparelho celular está perto das últimas. Pretendo levar o seu esforço até o fim e extrair-lhe as últimas gotas de tecnologia que for possível. Faltam cinco meses para completarmos cinco anos de relação e espero que ele resista, porque não gosto de número quebrado e não disponho de recursos agora. Modernidade é isto: nada foi feito para durar. Mas que prevaleçam os versos do poetinha:
“Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure”.