QUANDO O SALÃO SE CALA

Durante décadas, um prédio simples na paisagem urbana de Natal abrigou um mundo inteiro feito de música, risos e sonhos juvenis. Agora, seus muros cedem às máquinas, seus alicerces tombam sob o peso do tempo e do progresso. Lá esteve o clube da Assen, o refúgio de uma geração que dançava de olhos fechados, como quem sabia que vivia um tempo raro, talvez irrepetível.

Ali não se ia apenas para dançar. Ia-se para viver. Os salões da Assen eram mais do que um espaço físico — eram palcos de histórias que se escreviam em passos de bolero, de forró, e principalmente, de rock potiguar. Bandas como Os Terríveis e Impacto Cinco aqueciam os corações e deslizavam acordes que se misturavam aos primeiros olhares cruzados, às mãos que se encontravam com timidez.

O fim de semana era um ritual. Os jovens se preparavam como quem se arma para uma batalha — não de dor, mas de esperança. A roupa mais bonita, o perfume escolhido a dedo, a ansiedade antes da primeira música. Não havia aplicativos, não havia filtros. O encontro era real, a paquera era um jogo de sutilezas, e o coração batia mais forte a cada dança.

Cada canto do clube carrega uma lembrança. A escadaria por onde muitos desciam, nervosos, à espera de ver “ela” ou “ele”. O bar, onde os refrigerantes e sucos faziam as vezes de drinques sofisticados. As mesas em que casais trocavam confidências sob a música que ecoava como trilha sonora de um filme vivido em tempo real.

E havia os bailes. Ah, os bailes… De casamento, de debutante, de fim de ano. Todos envoltos numa aura quase mágica. Os vestidos rodavam como flores em movimento. Os rapazes de terno tentavam parecer mais velhos, mais seguros. Mas bastava um tropeço, uma risada, e a juventude se revelava novamente, em sua essência mais pura.

Quantas histórias começaram ali? Quantos namoros iniciados com um convite tímido: “Você dança comigo?” E quantos desses encontros evoluíram para alianças, filhos, vidas entrelaçadas? O clube da Assen foi mais do que testemunha — foi o próprio cenário do florescer de tantos amores.

Agora, enquanto a poeira sobe das paredes sendo derrubadas, é como se uma parte de nós também fosse soterrada. Não apenas a estrutura física está sendo desfeita, mas também um tempo, um espírito que não volta. O som das bandas se cala. As luzes dos salões se apagam. E resta o silêncio.

É um silêncio carregado de memórias. De uma juventude que sabia se divertir com o que tinha. Que não precisava de excessos, que fazia da música e da companhia os únicos combustíveis da alegria. Éramos felizes, mesmo sem saber o quanto.

Ver o prédio ruir é como dizer adeus a um velho amigo. Um amigo que sempre esteve lá, fiel, pronto para acolher nossa alegria. E mesmo quando a juventude passou, mesmo quando as rugas chegaram, bastava passar em frente ao clube para sentir um calor no peito, uma saudade boa.

Agora, nos resta a lembrança. E ela, ainda que não possa ser visitada com os pés, pode ser acessada com o coração. Basta fechar os olhos e lembrar do som da guitarra, do brilho das luzes, do sorriso das meninas ao aceitar o convite para dançar.

O prédio da Assen pode cair, mas a história que ali se viveu resiste. Resiste em cada memória, em cada fotografia guardada, em cada reencontro entre velhos amigos que dançaram juntos naquele salão. Porque há coisas que o tempo leva — e outras que ele eterniza.

E quando o último tijolo tocar o chão, o eco do passado ainda vai dançar no ar. Porque um salão como aquele nunca se cala por completo. Ele apenas muda de endereço passando a viver dentro de nós.