Ela não estava mais
Parei na porta. Ele estava agachado, lixando o rodapé. Cueca à mostra, metade da bunda também. Deprimente. Ia se mudar para o quarto minúsculo. Mal cabia uma cama de solteiro ali dentro. Perguntei:
-Mas, sua anta, o quarto maior é aqui do lado, por que escolheu esse? Onde você vai enfiar suas coisas?
Nem se virou, só levantou o dedo do meio.
-Você que sabe então, caralho. - respondi.
Fui pra sala, meio puta. Encontrei ela, encolhida no sofá. Frágil, cabelo inteiro branco, opaca. Capenga de tudo, mas o cigarro firme entre os dedos.
-O idiotão vai ficar ali mesmo. Tá bem ocupado. Posso começar?
Ela assentiu me entregando o isqueiro. Peguei da mão dela e saí decidida.
Lá fora, o chão todo alagado. Fui empurrando os passos dentro da água até chegar mais perto. Acendi o isqueiro e encostei no topo do guarda-roupa.
O fogo desceu bonito pelas arestas. Vermelho, laranja, azul. A fumaça subia ondulando bem devagar. Passei bom tempo hipnotizada, ouvindo o estalo da madeira queimando, distante.
Quando dei por mim, o fogo já atravessava o telhado. Parte do teto despencava com força e mergulhava barulhento na água. Me trouxe de volta à realidade.
Voltei depressa pra buscá-la. Não estava mais. Corri, gritei, chamei duas, três vezes. Cada passo ecoava longe demais. O corredor se alongava depressa, sem controle. O ambiente estendia sem pausa, ficava cada vez mais vasto e deserto. Ajoelhei, pequenininha e cansada procurado o horizonte. Inatingível, escuro. Estava sozinha.