O Último Disparo, era só mais um trabalho.
O homem, de rosto endurecido pelo tempo e de passos silenciosos, já não tremia ao segurar um revólver. Para ele, cada tiro era apenas uma transação, um contrato frio assinado no silêncio da madrugada. O nome da vítima, dessa vez, não importava. A mulher que o contratou foi clara: "Ela é linda demais. Onde chega, todos param para olhar. No trabalho, ninguém enxerga mais ninguém. Eu cansei de ser invisível. Quero que ela desapareça.”
Ele ouviu. E como sempre, não questionou.
Ficou de tocaia por dois dias. Observou a rotina da jovem. Ela sorria com facilidade, caminhava com graça, e cumprimentava até as árvores da calçada. Tinha algo nela que parecia... familiar. Mas ele afastou a ideia com um cigarro e a firmeza dos velhos hábitos.
Na manhã do terceiro dia, o vento estava calmo.
Ela saiu cedo, como de costume, com a bolsa leve no ombro e os olhos carregando uma esperança sem nome.
Ele a seguiu, atravessando a rua com a arma fria no bolso do casaco.
O disparo veio pelas costas, rápido, preciso.
Ela cambaleou, e ao cair, virou-se de lado, os olhos procurando alguma explicação no vazio. E foi ali, no breve segundo entre o espanto e o suspiro final, que ele viu.
Os olhos eram os mesmos.
O brilho, o formato, a cor.
Ele se ajoelhou, como quem desce para pedir perdão a um Deus que não respondeu.
Jogou o revólver ao chão e, com a voz presa na garganta, sussurrou:
— Minha filha...
Era tarde.
Muito tarde.
Mas antes que o mundo parasse, ela ainda o reconheceu, com os olhos já se apagando, e murmurou, quase em paz:
— Papai...
Ele não fugiu.
Ficou ali, ao lado do corpo. Não pela culpa — essa já o acompanhava havia anos.
Ficou porque naquele instante, pela primeira vez, ele entendeu o peso do que se perde quando se vive sem amor.
Na rua, ninguém entendeu o que havia acontecido.
A notícia dizia: “Assassinato por inveja, um crime encomendado por vaidade.”
Mas ninguém imaginava o que se esconde por trás do último disparo.
Nem o que pode viver por trás de um olhar — mesmo que seja o último.