No Compasso da Vontade

Eu estava perdendo um bom tempo da minha vida fazendo uma dessas coisas que jovens da minha idade fazem — que é ficar rolando o feed infinito do Instagram no celular — quando apareceu um post informando sobre uma festa junina. A festa em questão prometia ser muito típica e aconteceria em um ambiente que eu já conheço, porque o frequento.

Fiquei animadíssima! Imediatamente, já me imaginei usando um vestido de quadrilha depois de anos, já que a última vez que fiz isso foi no ano seguinte ao que terminei o ensino médio, quando fui ao São João do colégio em que estudei para rever o pessoal. E, além disso, também fiz uma anotação mental de que experimentaria uma caipirinha de paçoca. Seria uma noite memorável!

Aproveitei que já estava com o celular na mão mesmo e mandei uma mensagem para um amigo, perguntando se ele gostaria de ir comigo. E foi aí que meu sorriso xadrez foi se desmanchando. Ele até queria, mas não estava na cidade. Disse para eu ir sozinha e pediu que eu dançasse muito por nós dois, curtisse a festa e depois contasse tudo para ele.

Um frio conhecido meu de outras ocasiões — subiu pela espinha. Ir sozinha? Como? Quer dizer, como eu até sei: bastaria me arrumar e chamar um carro de aplicativo. O pessoal da minha idade faz muito isso. Porém, o X dessa equação é que eu não enxergo. E, como diz uma amiga minha, ser cega inviabiliza muita coisa da nossa vida.

Fiquei mais uns bons minutos com o celular na mão, pensando em quem convidar para me acompanhar. Não consegui encontrar ninguém. Fechei o WhatsApp, respirei fundo e pensei: mais uma vez em que eu deixo de viver por ser quem sou. E, em vez de me divertir com a cobra e a onça imaginária no caminho da roça, durante uma quadrilha, passei minha noite de sábado lutando com os leões da minha existência.

Não é frescura, não é insegurança. É a estrutura. É solidão forçada. É o cansaço de ter que planejar o dobro pra viver a metade. E, no fim, o que sobra não é só a ausência da interação, do rotineiro, de colocar um vestido, beber uma caipirinha de paçoca e aproveitar meus anos de juventude. É, também — de maneira nítida — uma situação que não parece nos incomodar enquanto sociedade: a ausência de um país que me enxergue.

Juliana Santhele
Enviado por Juliana Santhele em 10/06/2025
Código do texto: T8354363
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