MEMÓRIAS DE INTERNAÇÃO - 27/28 - DIA DE SÃO JOÃO

DIÁRIO DE INTERNAÇÃO - 27/28 (24 de junho de 2025) – DIA DE SÃO JOÃO

Hoje é dia de São João, aniversário do meu neto Eduardo. Também do meu avô João, já falecido. O dia amanheceu frio, e dormi um pouco mais pela manhã, depois do café, sem coragem de ir ao banheiro e tomar banho. Os funcionários, porém, fizeram um bingo, com prendas, e adiantaram minha medicação. Foi gostoso cochilar um pouco, e depois o sol brilhou até o final da tarde — embora ainda carregado de frio.

No bingo, todos ganharam um presentinho. Uma interação necessária neste penúltimo dia de internação.

Nunca me senti tão bem. Sem dor, sem ansiedade. Ou talvez com um leve resquício de ansiedade. Minha relação com o mundo lá fora certamente será diferente. Não quero brigar com ninguém. Não tenho qualquer pretensão de mudar o mundo, senão apenas aquilo que reside dentro de mim. Esta é a verdadeira revolução.

Quero fazer tantas coisas — e nem sei se terei tempo. Gosto do frio, de sentir essa brisa gelada na face. Mas não sinto vontade de beber vinho, nem de me entorpecer. Só queria estar diante de uma fogueira agora. Gosto dessa sensação de espiritualidade, embora a fé nunca tenha sido parte consistente da minha vida.

Preciso abraçar mais pessoas. Não quero julgar ninguém. Todos têm suas próprias razões, e não quero ser juiz. Não conheço as pessoas — e, por isso, não quero ter preconceitos. Há muita gente boa neste mundo que julgamos sem saber. Ressentimentos, eu não tenho. Essa fase, consegui superar. Quase sessenta anos, e o que me resta é não estar vencido.

Tenho ainda um pouquinho de força. E quero que esse pouquinho seja o bastante — para mim e para quem estiver comigo.

Talvez haja outras batalhas pela frente, mais difíceis até do que esta que enfrentei, que ainda estou enfrentando. Recebi muito apoio — e reconheço o valor da fé das pessoas, das boas energias, das orações, das intenções, da presença. O ser humano não pode viver sozinho. Precisamos uns dos outros.

Aqui, fiz reflexões importantes. Importantes para mim. Para que eu consiga me olhar como se estivesse diante de um espelho. E tudo foi bom.

Amanhã será, realmente, um lindo dia — seja como for. Por isso, agradeço e olho para frente. Não sou otimista como Cândido, mas tampouco sou mais como Martinho, para quem a vida oscilava entre as convulsões da inquietude e a letargia do tédio.

Talvez eu seja mais Sartre, para quem a vida, objetiva e subjetiva, perde seus segredos nas relações interpessoais. Um pouco Nietzsche, pois aquilo que não me mata, me fortalece.

Minha vida será mais gentileza.

Minha vida será mais amor e perdão.

Minha vida será mais vigilante — porque somos imperfeitos, sujeitos a recaídas.

Minha vida será menos exposição.

Mais introspecção.

E assim, quem sabe, quando me procure — quem sabe — a morte, eu possa fechar os olhos, rever minha vida, e saber que valeu a pena.