À MINHA PROFESSORA, D. MARIA JOSÉ

A PROFESSORA DO BRASIL E A DO IRÃ

Nelson Marzullo Tangerini

Na 2a. série do antigo Primário, na Escola Municipal Félix Pacheco, em Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, fui aluno da Professora D. Maria José.

D. Maria José, que nunca se casou e se dedicava, também, de corpo e alma, ao magistério de Catecismo – era Católica Apostólica Romana -, morava na Rua Pernambuco, no Engenho de Dentro. Muitas vezes fui visitá-la. E acho até que eu era o único ex-aluno que a procurava e paparicava.

Lembro-me que, certa vez, meu pai escreveu uma trovinha para ela. Era Dia dos Mestres e eu deveria declamar esses versinhos, na hora em que eu fosse lhe entregar um presente, de que não me lembro mais.

Enfim, apresentei-me e li a tal trova:

“À querida professora,

D. Maria José,

coração de educadora,

cheio de amor e de fé.”

Entreguei-lhe a minha lembrança. E beijei-a.

Escrevo esta crônica pensando no presidente do Irã, Mahoud Ahmadinejad (*), que há pouco, homenageou, em uma solenidade, a sua ex-professora; beijou sua mão e abraçou-a, e foi duramente criticado pelos aiatolás e radicais islâmicos de seu país.

Sou um ocidental e não compreendo isto: como aquele país, a antiga Pérsia, uma nação tão rica, em termos de Histórias, heróis e cultura, parou no tempo e no espaço; como um presidente não pode beijar a mão de uma senhora que, um dia, encaminhou-o na vida. Porque nós, professores, burilamos seres humanos e os preparamos para viverem em sociedade, respeitando o semelhante e as diferenças.

O Irã, todos sabem, abandonou o Zoroastrismo, muito mais interessante, para abraçar o Islamismo. Arabeizou-se. Rendeu-se ao colonialismo árabe. Não pensem vocês que só existem colonialismo americano, francês, português, enfim, europeu.

E não me julguem islamofóbico. Até porque os islâmicos também são cristofóbicos. Seria natural do homem ser etnocêntrico e não aceitar o outro, a cultura do outro, a religião do outro?

Como vivem os cristãos, os judeus, os armênios e os homossexuais dentro da antiga Pérsia? Vivem em liberdade? São perseguidos? Não faz muito tempo, li no Jornal do Brasil que os homossexuais são condenados à morte no Irã.

Simplesmente, não me identifico com o Islamismo e quero ter a liberdade de dizer isto. Porque sou feminista e libertário.

Pensei, ainda, em outra trova de meu falecido pai:

“No Lar, a Mãe nos conduz

para a Fé e para o Amor;

na Escola, berço da Luz,

quem nos guia é o Professor”.

D. Maria José faleceu em 2005, pouco depois de minha mãe, Dinah Marzullo Tangerini, que foi minha primeira professora. Gostaria de homenageá-la em público, beijar sua mão e abraçá-la. Outra vez. Justamente neste momento em que o mestre nada vale no Brasil e no Irã.

Sou um ocidental, respiro liberdade, e jamais seria incomodado por aiatolás preconceituosos e doentes.

Nós, professores, queremos um mundo livre. Não queremos um mundo autoritário. Queremos um mundo onde a mulher possa competir livremente com o homem e um homem possa homenagear uma mulher que, um dia, lhe ensinou as primeiras letras e mostrou-lhe um caminho a seguir.

Infeliz da sociedade que nega o professor e a mulher. É um mundo decadente, hipócrita, pobre e podre.

Algo precisa mudar no Irã – e no Brasil.

(*) O presidente Mahmoud Ahmadinejad é amigo do ditador Hugo Chávez.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é professor de Língua Portuguesa e Literatura, escritor, poeta, compositor, jornalista e fotógrafo. É membro do Clube de Escritores Piracicaba.

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 07/02/2008
Código do texto: T848960