O primeiro amor ninguém esquece? (Série "ditados na berlinda")*

A primeira lembrança que tenho dele data de 1978.

Foi quando ele mudou no meu bairro.

Loiro, cabelos esvoaçados, sardas...

Paixão à primeira vista.

Minha e de todas as meninas do bairro.

Mas ele escolheu a mim.

Acabei por me tornar a paixão dele também.

Nós nos olhávamos, trocávamos sorrisos tímidos e ficávamos na rodinha de amigos todas as noites, embaixo do pé de mamão. Era o ponto de encontro da turma do bairro: o pé de mamão que ficava encostado no muro da casa da esquina. Não me lembro mais quem morava nesta casa, porém nós passávamos horas agradáveis ali, conversando, brincando, descobrindo as coisas da vida...

Meses depois ele começou a trabalhar numa gráfica.

Passava sempre em frente ao colégio Santa Cruz, no horário de almoço, que era também o horário que eu saia da aula para casa.

Às vezes, descia da bicicleta e me acompanhava. Levava minha bolsa. Outras vezes apenas mexia comigo. Acho que tudo dependia da pressa ou do número de testemunhas na rua...

Lembro um domingo à tarde, Cine Pedutti.

Ele usava camisa preta, com as mangas dobradas, uma correntinha no pescoço que eu podia ver pelos botões abertos. Os cabelos sempre revoltos, mais clarinhos nas pontas.

Sentamos lado a lado e a centena de amigos que nos acompanhava, esparramada.

Quando, no escuro do cinema, nossas mãos se tocaram, o coração acelerou de tal maneira que pulsava na testa. Assistimos ao filme todo de mãos dadas.

Não passou disso.

E isso já bastava.

Nosso primeiro beijo foi no muro da minha casa, num dia 08 de março, aniversário de minha mãe. Eu usava uma saia cor de rosa. Ele comeu bolo, conversamos um pouco e nos despedimos com nosso primeiro beijo. Foi o beijo mais sonhado, esperado e desejado da minha vida. Também o mais doce. Não só pelo bolo...

Numa festa de aniversário da minha prima, dançamos a noite toda, de rostinho colado. Pudemos aproveitar toda a vontade de beijos que não fora saciada até então. Neste dia, ele vestia azul.

Tempos depois, tive algumas crises absurdas de ciúmes. A primeira foi num sábado à noite em que fiquei no portão de casa para vê-lo e conversar. Quando o vi e fui ao seu encontro, ele estava indo para Mandaguaçu, numa danceteria. Eu jamais poderia ir, pois meus pais não deixariam. Pensei em pedir-lhe que ficasse comigo, mas não o fiz. Talvez, se o tivesse feito, nossa história teria sido diferente.

Outra crise foi o beijo que ele deu em minha amiga e que me chegou aos ouvidos, descrito em detalhes por ela própria, num arroubo de peso na consciência. Chegou a me confidenciar que se ele a pedisse para namorar ela aceitaria.

Bastou para que eu saísse de cena.

E parei de conversar com ele e até de cumprimentar. Besteira!

Os anos se passaram, nós crescemos, nossas vidas tomaram rumos diferentes até o dia que ele foi embora de meu bairro, se casou e nunca mais tive notícias.

Todos os anos, quando o dia quatro de dezembro era mencionado, meu subconsciente me alertava que era o dia do aniversário dele. Engraçado como que esta data nunca se apagou de minha mente! Não era algo que me lembrasse durante a vida toda ou que marcasse na agenda, mas todo quatro de dezembro eu sabia que este era o dia em que ele completava anos. E nós nunca tivemos algo que marcasse uma espécie de comemoração de aniversário. Nem dele, nem meu.

Eis que agora, 21 anos depois de ele ter se mudado, nos reencontramos através do orkut. E através de conversas pelo msn, decidimos nos encontrar pessoalmente.

Cheguei a sentir medo de não reconhecê-lo, mas as fotografias do orkut me ajudaram. Tive mais medo ainda de que acabássemos por ser uma desilusão para ambos; uma tentativa sem sucesso de volta ao passado; um conjunto de confusões e mal entendidos. Vejo este medo como que natural.

Hoje ele está usando barba, grisalho, seu cabelo está curto e uma calva se pronuncia. Está mais lindo do que minha memória era capaz de acusar.

Quando cheguei ao bar onde marcamos o encontro, ele já me aguardava. Nos abraçamos como velhos amigos que somos, sentamos e começamos a nos (re)conhecer.

Tantas informações trocadas, fatos que desconhecíamos um da vida do outro, uma necessidade de ficar a par de tudo o que aconteceu, das pessoas da família!

Tanta conversa, que o tempo era pouco.

Tantas lembranças a serem (re)vividas.

Tantos desejos represados que (re)surgem agora.

Começamos a pagar os beijos devidos em mais de 20 anos de ausência.

Terminei a noite recostada em seu peito sentindo seu coração batendo, sentindo seu cheiro bom...

Mas acho que isso foi um (re)começo.

Decididamente, o primeiro amor jamais se esquece. Pelo menos o meu.

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* Título usado com autorização da Vany Grizante

Margot Jung
Enviado por Margot Jung em 13/02/2008
Reeditado em 13/02/2008
Código do texto: T857811