Desidolatrando

Eu tenho meus ídolos. Você, leitor amigo, deve ter os seus. Talvez as pessoas que mais admiro não signifiquem absolutamente nada para você. E vice versa. Mas o fato é que nós dois temos ídolos. O fato é que, pelo menos uma vez na vida, a gente se espelha em alguém, quer imitar alguém (no bom sentido), deseja ardentemente estar na presença daquela pessoa que é nossa inspiração, nossa referência, o modelo do que almejamos ser, ou ter para nós. Alguns levam essa adoração muito a sério, a exemplo dos loucos que gritam em shows de música, de fãs que escrevem cartas quilométricas, etc, etc.

Nunca cheguei a tanto, porque nunca achei que nenhuma dessas atitudes pudesse atingir o artista de maneira especial. Pelo contrário, considero meio que auto-afirmação, ou auto-flagelação, ainda. Gritar “lindooooo” num show é ser uma gota no oceano. Se o objetivo é chamar atenção do artista, a técnica não poderia ser mais ineficiente. Depois de perceber que essas pequenas demonstrações que estão ao nosso alcance não alcançam o artista de maneira pessoal, veio-me a triste constatação: o artista não pode ser alcançado de maneira pessoal. Ele está cercado de milhões de pessoas como eu, todos prontos a lhe dizer, em uníssono, que amam seu trabalho, que o acham maravilhoso... Cada um com uma história pessoal, mas todos com a mesma tara pelo artista que Deus criou para mim, e achou por bem me obrigar a dividir com a torcida do flamengo. A existência de tantos admiradores semelhantes a mim torna meu sentimento comum, torna-me um nada.

Ter ídolos é um porre. É estar condenado ao anonimato mesmo que cheguemos, num dia de sorte, a trocar algumas palavras com o admirado. (Palavras que ele, por certo, esquecerá sem demora). É agonizar em sua presença, tentando prolongar ao máximo cada segundo em que os olhos daquele ser quase superior detém-se sobre nós. É ter certeza de que ele(a) seria nosso amigão se tivesse oportunidade de nos conhecer por dentro, mas saber que isso é muito improvável e quase impossível.

Pior ainda é quando quem admiramos está bem perto de nós, fisicamente, mas a anos-luz de distância no emocional. Quando ele(a) é um(a) professora que não está cercado(a) de refletores, mas que nos inspira admiração tanto quanto qualquer estrela de Hollywood. E infelizmente, não nos dá a mínima. Ou quando é um familiar que idolatramos.E não nos dá a mínima. Ou quando é o menino(a) por quem estamos loucamente apaixonados(as). E não nos dá a mínima.

Enfim, sempre existirão admirados e admiradores. Todo mundo entra em uma dessas categorias ao longo da vida: cedo ou tarde, receberemos um elogio por alguma coisa decente que fizemos no mundo. Cedo ou tarde, elogiaremos alguém, ou nos apaixonaremos por sua competência, ou por sua beleza, ou por sua arte, ou pelo que quer que seja que ele(a) possui, que o(a) torna magnético(a), irresistível. Estar na categoria de admirador não é nada, nada confortável. É ser meio escravo.

Por isso, a partir de hoje, quero minha carta de alforria. Não mais terei ídolos. Até porque, veja só: “ídolo sm 1. figura de uma falsa divindade a que se presta adoração. 2 Pessoa ou coisa excessivamente amada.”. Aurélio está certíssimo. Eu não quero amar excessivamente quem sequer tem idéia da minha existência. Quero é ser amada excessivamente, isso sim. Chega de adorar falsas divindades que não estão nem aí para mim.

Das duas uma: ou desisto completamente de todos os meus heróis, ou trabalho para ser a heroína de alguém. Atingindo tal intento, cuidarei em ser uma admirada pé no chão, ciente de que estou responsável por aquilo que cativei (o pequeno príncipe não sai de moda nunca. Aliás, ele é foda). Se tivesse quem me admirasse como admiro meus ídolos, abraçá-los-ia com fervor e, sinceramente, amá-los-ia por me amarem tanto. Sei o que eles passaram. Até para se ter um ídolo de verdade é preciso muita coragem: o negócio é meio platônico, e, a meu ver... Não vale a pena.

Jéssica Callou
Enviado por Jéssica Callou em 16/12/2005
Código do texto: T86770