Quando tudo vira céu

Decerto era da vida esse amor que ela trazia aninhado nos braços cruzados protegendo o corpo do frio. Amava a vida como quem ama um filho, e era tanta proteção que não preparava esse amor para o mundo, o mundo que a deixava tonta nas rotações, translações, marés, vertigens. Tinha medo do mar, as ondas bravas, conhecia bem o gosto salgado dos caldos, o gosto da areia. Prá proteger esse amor, passou a olhar o mar e o mar olhava prá ela... os olhos do mar são os olhos do mundo... pensava. Nunca se fecham, nunca dormem. Quando é noite tudo vira céu, oceano e céu, uma só coisa no céu acordado.

Ela preferia pensar que tudo era céu, porque dele não tinha medo. E o amor? Tinha medo que ele caísse dos seus braços e se machucasse, ou mergulhasse no desconhecido, o mar... ele puxa, passa rasteira na areia, leva – prá onde? - na correnteza... bate. O mar dói, castiga, não quer saber, abre sua boca e sai lambendo suas crias, arrastando, jogando marés de vida. Seu amor nos braços aninhado em proteção e as pernas fincadas na areia. O mundo que espere, daqui eu não saio... porque gostava de olhar pro oceano-céu, procurando, procurando porque pensava que alguma coisa dali surgiria... e era tanta beleza que doía. Sentia até vontade de chorar, mas não chorava porque ainda não era a hora, ainda não, depois sim, ia chorar o seu mar e chorar tanto até ficar bonita, e poria seu amor no chão, e com os braços leves sorriria ao vê-lo solto, interagindo, agindo, preparado para o mundo. Então iria enfeitar a casa com flores do campo, bem coloridas, a janela aberta prá olhar pro céu, cortinas no vento, ele estaria sempre ao seu lado retornando em cada lágrima, em cada pensamento fugidio... abstrato.

Senti que fora além do oceano quando ele esbarrou seus pés na minha perna, não disse nada, mas olhava prá mim e o seu olhar penetrou na minha alma, era como se lesse os meus pensamentos. E ele, em que estaria pensando?... talvez, se perguntasse, ele dissesse alguma coisa sobre o filme, sobre o tempo, sobre a vida e sorriria daquele jeito com os olhos e eu saberia que ele ria era dos meus pensamentos.

Não perguntei nada. Ficamos assim calados repletos de céu. Inclinou sobre o meu colo, carente como um menino, e aninhei nos meus braços o amor da minha vida, um amor que também é feito de silêncios... ele dormiu e eu não tinha medo.

Quanto a ela, voltou a olhar pro céu, procurando, procurando, procurando...