REPENSANDO O CONCEITO DE PLÁGIO

Usei uma frase que nem recordo mais, em um de meus poemas, que surtiu bom efeito. mesmo assim, uma frase comum, que é de domínio público natural. Não precisei criá-la. Simplesmente acondicioná-la de um modo inusitado, para garantir tal efeito.

Uma ex-recantista muito ética, bastante afeita ao respeito pelo que é do outro perguntou, dias depois, se poderia usar tal frase em um de seus escritos, aspeando-a devidamente. Não precisava pedir... Nem é necessário aspear um clichê, porque os clichês não têm donos. Ela só não poderia (e jamais faria isso) utilizá-lo da mesma forma que eu. Aí sim, a disposição de seu texto seria um plágio.

Nestes tempos em que todo o mundo já disse tudo sobre todas as coisas, o conceito de plágio também mudou. A originalidade hoje está no dizer as mesmas coisas de formas totalmente inéditas; em dispor o que já foi dito com propriedades inquestionáveis, estilos próprios, construções inusitadas, que em nada lembrem o outro. Não não há mais como continuarmos dizendo que já dissemos "eu te amo" (ou "eu ti amo") e ninguém mais poderá fazê-lo, justo como fizemos, que foi dizer o que o mundo inteiro diz, em texto ou discurso oral.

Vejo muita gente choramingando porque foi plagiada, quando na verdade não foi. Se até o fato de usar uma palavra dita por outro fosse plágio, como esses chorões fazem entender, os filólogos não escreveriam dicionários, para que ninguém os plagiasse, ou mais ainda, os reproduzisse fielmente. Cobrariam direitos a cada palavra usada, e cada indivíduo teria de criar suas próprias palavras para se comunicar, o que tornaria o ser humano incomunicável entre si. Aprendemos nas regras gramaticais, nos cálculos matemáticos, nas fórmulas químicas etc, o que alguém criou. Usamos essas regras, fazemos esses cálculos e fórmulas sem que seus criadores nos cobrem por esse uso.

Existe o plágio. Não afirmo que não. Nem o defendo. É nojento quem plagia. Quem recorre à criação do outro e a apresenta como própria. Quem disfarça um texto, uma música, uma obra de arte ou seja lá o que for, expondo como criação sua é simplesmente um indivíduo desprezível. Não cria. Vive da criação alheia. Copia do outro uma forma de olhar as coisas, um prisma da vida, uma visão pessoal do mundo. Repete fios de condução, estilos e novidades de composição de outros. Recorre aos avessos, às trocas de ordens, às singularidades do que vê, ouve ou lê, e lança como produto seu. Isso é vezeiro na atualidade, e passível de ação judicial.

Seja como for, o conceito de plágio, propriamente, deve ser repensado por nós, autores, para não vivermos essa eterna agonia de afirmar que somos plagiados, a cada texto que utilize simplesmente frases que usamos, que são comuns; do dia-a-dia. O plágio atua nas sutilezas, nas particularidades, na identidade textual do verdadeiro autor. Na assinatura que já é, por si só, o seu texto. Quem plagia faz aplicações na essência alheia, tornando-a vestimenta sua, e depois impõe sua assinatura, sendo muitas vezes aceito pelas editoras e outros órgãos de mídia.

O que não podemos, em nenhuma hipótese, é nos arrogarmos donos do que é público, folclórico, do mundo e da eternidade. O que veio de não se sabe quem nem onde, e está generosamente à disposição de toda a sociedade mundial, como ingrediente das letras, das artes, da arquitetura, da medicina e tudo o mais.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 19/03/2008
Código do texto: T907909
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