Palmas para a gentileza

Hoje, na minha habitual volta noturna do trabalho, estava caminhando na calçada, em vigília permanente, vendo em cada passante, um possível assaltante ou assassino que poderia furtivamente me atacar, quando algo inusitado aconteceu e fez com que eu esquecesse a violência que está freqüentando mesmo as cidades interioranas e nos preocupando cada vez mais.

Um papeleiro estava atravessando uma avenida movimentada com seu carrinho alto de papelão. Provavelmente estava retornando para a cooperativa, ou usina de reciclagem, para vender o fruto do seu suado trabalho de fuçar lixeiras atrás de material reciclável. Na ânsia de atravessar a rua, algumas caixas tombaram do carrinho, bem no meio da rua, o papeleiro chegou ao outro lado da avenida e olhou desanimado para trás, talvez pensando no quanto teve de andar para juntar aquele papelão. Mas sua surpresa foi grande quando ele viu os carros, gentilmente parados para que ele pegasse a parte do seu sustento que estava caída na avenida.

Minha vontade imediata era só uma ao ver aquela cena: dar uma salva de palmas aos motoristas parados. Minha segunda e mais mirabolante e imaginativa vontade, foi que todos os que estavam naquele local, naquela hora, parassem o que estivessem fazendo e dessem uma salva de palmas para os motoristas, que seriam iluminados por holofotes teatrais que sairiam sei lá de onde, desceriam dos carros e fariam desajeitados agradecimentos. Talvez sejam vontades com um tom meio publicitário, mas seriam honras merecidas à gentileza dos motoristas.

Em meio aos tiroteios figurativos e literais nos quais vivemos, a gentileza e outras atitudes nobres como essa, sem dúvida merecem apreciação, admiração e talvez até mesmo, divulgação. Divulgação, porque a violência ao menos, é divulgada e está aí como guia para quem quiser segui-la.

Os crimes violentos nos dão “Bom-dia”, no jornal matutino, chacinas televisivas nos acompanham no almoço, massacres nos visitam quando entramos em páginas na Internet e acidentes nos embalam o sono. Sem falar na capacidade de lazer que a violência tem proporcionado, através de filmes que são mais parecidos com documentários de medicina do que com películas artísticas. Como manter o equilíbrio e a tranqüilidade nesse tempo de violência em que se tornou nossa rotina, que mais parece com um roteiro de Quentin Tarantino?

Eu não sei a resposta. Mas sei que quando vejo que existem pessoas com capacidade de fazer gentilezas. Pessoas que ainda têm a grandeza de pedir desculpas. Pessoas que superaram seu egocentrismo e dividem suas preocupações com o próximo, sinto que o equilíbrio está mais próximo do que parece e depende diretamente de nossas atitudes cotidianas.