No trânsito

O trânsito é um lugar interessante, lugar não, é uma situação interessante de se observar. Moro em uma cidadezinha dos EUA há vinte anos, mas sou daqui de São Paulo. Venho para cá duas vezes por ano para visitar meu irmão e minha mãe. Toda vez que chego aqui esqueço da superlotação das pistas. São muitos, muitos carros mesmo. Na minha cidadezinha do Texas não tem nada disso.

Enfim, choradeiras a parte vamos para os fatos. Era uma quinta feira na grande São Paulo, ainda era de tarde e mamãe precisava ir ao médico. Meu irmão não poderia levá-la, pois estaria trabalhando. Então eu, como bom filho, prontamente me dispus a dirigir o carro dela e levá-la. O trânsito era pesado (claro, para mim qualquer trânsito do Brasil é pesado), mas ainda não estava atolado.

Chegamos lá, era em um hospital que o jovem médico atendia. Lá fomos pegos de surpresa pela notícia que ela deveria passar a noite internada devido ao exame. Coisa complexa. Então eu deveria deixá-la e voltar em casa para buscar seus pertences. Eu prontamente paguei o estacionamento de dez reais e dei partida no carro.

Faltavam apenas meia hora para chegar em casa quando uma das avenidas engarrafou. Agora foi que o bicho pegou, pensei eu. Absolutamente tudo parado! Não estava simplesmente engarrafado, estava parado mesmo. Nenhum carro andava. Eram 18:30 agora e tudo que se podia ver era o vermelho do farol traseiro dos carros. Eu me recostei um pouco no banco, abri os vidros e acendi um cigarro.

Comecei então a observar as pessoas à minha volta. O que estariam elas fazendo nesse engarrafamento? Algumas conversavam (quando havia mais de uma pessoa no carro), como faziam três senhoras ao meu lado direito com o vidro fechado. Daria tudo para saber qual era o assunto, pois as risadas não paravam.

Ao meu lado esquerdo estava um cara sozinho, em um carro popular. Ele ouvia em volume máximo Chico Buarque. Ah que maravilha. Fazia tempos que eu não ouvia Chico. No momento tocava “O Malandro”. Fiquei bem atento ao seu som. O carro andou uns dois metros. Eu ainda ouvia o som do cara. Até que um determinado momento ele olhou para mim e gritou:

“Ei, posso te pedir um cigarro?”

“Claro” – Respondi só porque ele estava ouvindo Chico. Joguei um cigarro que caiu no banco do carona dele. Ele pegou. Notei que mascava um chiclete.

“Agora posso te pedir um chiclete?” – Perguntei sem timidez.

“Claro que sim!” – Respondeu ele bastante simpático e me jogou um.

“Pode também aumentar o som? Adoro Chico, e faz tempo que não escuto!” – Ele então aumentou um pouquinho e começou a gritar de lá sobre um show que ele tinha ido. E tinha conhecido Chico. Contou-me também sobre os filhos, a esposa, o trabalho (era arquiteto) e muitas coisas da sua vida. Também compartilhei algumas coisas da minha vida.

Os carros andavam vinte metros a cada dez minutos, mas teve um momento, oito horas da noite, que o fluxo melhorou e começou a andar. A conversa estava tão boa que ele me fez um convite. Ir a um bar tomar uma. E assim estendemos o engarrafamento na mesa de um bar. Continuamos nossa conversa até que ele disse ir ao banheiro. Mas foi safado e foi embora, me deixando toda a conta.

Mas não liguei, ao menos foi um dia diferente. Cheguei em casa quase meia noite. Tomei um banho, botei uma roupa e sentei no computador para escrever essa crônica.

Ih esqueci da velha!

Ah, mas foi o trânsito!

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 14/05/2008
Código do texto: T989411
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