Outra vez o Jair Portela


PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE ESPINHOS
Por João Helio e Isabella

Pais amam seus filhos e têm como dogma de fé que filhos enterram pais, nunca o contrário. Esta é a lei natural da vida e afetivamente correta. Igual aos normais, tenho tanto amor pelos meus que vivo em sobressaltos, seja por seus futuros, como por suas dores ou por meros resfriados. Espirro em suas gripes, contorço-me em suas cólicas e sou a lágrima mais sentida em suas frustrações..

Quando morreu João Hélio (lembram dele?) aos cinco anos, da forma violenta e estúpida, arrastado por bandidos em fuga, a TV, a cada noticioso tratava de me arrastar por alguns quilômetros grudado ao cinto de segurança. Mórbidos, especializaram-se em tripudiar com os horrores nossos de cada dia, fiéis à cartilha jornalística que ensina ser noticia o avião que cai nunca o que decola. Ou o carteiro que morde cachorro ao invés do naturalmente aposto. Imaginem que manchete fantástica: pneu de carro mija no vira-lata!

João Hélio morreu. Seus algozes viverão o tempo de vida dos que matam, entre prisões, fugas e outras mortes, e se esfumarão na bruma cruel das cidades. No fim, todos serão mera estatística. Não para os pais que amarão suas lembranças, se puderem terão outros filhos, criarão alguma ONG. Não tirarão, entretanto, jamais de suas memórias o que foram os poucos e inocentes anos vividos com seus pequenos. Não sei o que é e como pode ser. Não sobreviveria a isso e talvez ficasse de mal com o Criador caso soubesse.

Já Isabella teve morte ainda mais trágica. Morreu na casa que confiava e talvez em braços e por mãos que amava.

A TV tem me atirado diariamente do sexto andar e eu me espatifo no chão a cada final de noticioso. Mas da depressão que causam os telejornais e suas permanentemente trágicas edições retiro algo de útil. É preciso massacrar, sim, o telespectador. É preciso que todos vejam, se enojem e reprimam atos hostis contra seres indefesos. Pode ser que desta tortura visual as bestas feras criadas nos nossos subconscientes sejam domesticadas. Mas não culpemos os dias atuais pela selvageria humana. A violência não é moderna, é do homem. A exposição maciça sim é moderna. Pouco sabemos do que somos em virtual perigo. O velho Portella tinha uma frase emblemática sobre a reação dos tido como frágeis: “nunca encurrala um covarde. Tu não sabes como ele vai reagir”. O ser humano encurralado virá grande, forte, corajoso na sua covardia e mau. Mesmo que em risco apenas de sua área de conforto.

Tudo indica que a menina Isabella tenha sido assassinada pelo próprio pai a fim de livrar-se do pequeno corpo agredido pela mulher. Nada pode ser mais cruel. Mãos que um dia acarinharam transformadas em mãos que esganaram até a morte, crispadas de mesquinharia, covardia e ódio.

Daqui a pouco falaremos sobre pena de morte, mas neste caso eu pergunto: o que pode ser pior? Viver com esta marca até os cem anos sendo judiados minuto a minuto pela vida, pelo remorso, arrependimento e os olhos inquisidores da sociedade, ou apaga-la imediatamente com uma injeção letal? Pena de vida sim, para monstros com esta capacidade, embora eu viva dizendo sim para pena de morte às reincidências hediondas que vão e voltam das cadeias sacrificando vidas, patrimônios e dignidades, sendo custeadas pelas vítimas.