ANTOLOGIA E COLETÂNEA: USO E SIGNIFICADO

Parece-me incorreto denominar de “antologia” uma obra que contém poemas inéditos. A esse tipo de obra literária chamamos “coletânea”, visto ser uma coleta de textos ou poemas dispersos, e, normalmente, inéditos; entenda-se: ainda não obtiveram publicação impressa.

Quando se traz ao público textos não inéditos, ou seja, publicados anteriormente em livro individual (solo) ou até em coletâneas, isto é, obras avulsas já expostas ao público leitor, resta definida a concretude: já houve a publicização do conteúdo. Entendo que somente neste caso é que se poderá classificar a obra como “Antologia”, com absoluta correção vocabular designativa.

Discute-se hoje, nos plenários acadêmicos, nos colegiados de editores, e preponderantemente nas comissões organizadoras de concursos literários, se a publicação de textos em espaços virtuais em sites ou plataformas ou até mesmo nas redes sociais, teria o condão de, através destas inserções à disposição do público, acabar com o ineditismo, isto é, encarar-se a peça autoral como dada a ela a devida publicização, vale dizer, com similaridade de tratamento como se tivesse havido a histórica e tradicional impressão em papel, nas suas variadas utilizações, formas e/ou formatos.

No atual momento do séc. 21, centenas de concursos de literatura e afins, devido ao crescente predomínio das publicações virtuais (as quais atingem incontável número de acessos) deste proceder depreende-se que ocorreu o ato de leitura, cumprindo-se a pública forma do letramento literário, cumprida a sua destinação: funcionar como instrumento de leitura, beneficiando o ledor.

No Brasil, país que possui razoável tradição na realização de concursos literários promovidos por entidades públicas ou privadas, a maioria destas exige que composições escolares, poemas, prosas poéticas, contos, crônicas, ensaios e outras modalidades, para lograr participação em cada evento competitivo, sejam apresentados com absoluto ineditismo em publicação impressa. A virgindade de publicação e circulação é impositiva. Esta é regra predominante, especialmente em festivais de poesia de cunho universal ou regionalista. Privilegia-se a descoberta de talentos, enfim, a expressão poética do autor e o desempenho de seu eventual intérprete, propiciando a divulgação das obras premiadas em CD, livro, podcasts, vídeos, lives, etc., incluindo a título de premiação, a publicação em plataformas que divulgam as obras classificadas acompanhadas de áudio com acompanhamento musical, o que torna o poema muito mais aprazível, contando cada vez mais com um público aficionado, cativo de novidades propostas pela internet e a rede mundial de computadores.

Pelo que venho acompanhando, a regra do ineditismo em publicação impressa vale para a maioria dos concursos. No entanto, é crescente a tendência de que a publicização de obras na internet seja identicamente elemento identificador da quebra do ineditismo para os efeitos de submissão a concurso literário.

Tratam-se de tarefas realmente difíceis de serem cumpridas pelas comissões organizadoras dos certames literários e que acabam sendo atribuídas aos membros de comissões avaliadoras, os quais, especialmente os julgadores mais experimentados, em regra, não dominam bem os meandros das publicações internéticas.

Digo isto porque já vivi uma dessas experiências. Ao examinar, em 2017, na qualidade de presidente do júri de Poesia, dois poemas premiados em primeiro e segundo lugares não resistiram à pesquisa no Google e tive de aplicar a normativa prevista no regulamento do concurso: foram desclassificados. Eram, nada mais nada menos do que uma bela e criteriosa tradução de poemas ucranianos para o idioma de Camões. A beleza intrínseca das peças poéticas fugia aos costumeiros padrões dos textos submetidos a concursos, fato que de imediato chamou a minha atenção.

Imaginem a confusão e o descrédito a que ficaria exposta a Academia de Letras que promovia o certame. E a maledicência do desonesto participante faria sucesso na net, todavia quem mais arcaria com o ônus da não apreciação preliminar pela comissão organizadora do concurso, seriam os avaliadores dos trabalhos. Essas tarefas de avaliação do ineditismo das obras sub judice devem competir à comissão organizadora do concurso e não aos jurados. Por essas e outras é que o critério referente ao ineditismo de obras, nos concursos literários, deve se estender e obedecer às publicações impressas, avulsas ou em livros. A não ser que se tenha uma competente equipe técnica com capacidade para vasculhar os escaninhos das publicações na grande rede. E estes cuidados representam gastos que as entidades promotoras dos certames não têm, em regra, como suportar.

Diga-se de passagem, porém no intuito de se fazer justiça, visto que o assunto foi expendido "en passand" em parágrafo anterior e para deixar registrada a nossa posição sobre o tema: não há razão para classificar o poema pela temática abordada ou pela linguagem utilizada. Poesia é a mais intimista e rica expressão do ser humano, não comportando menoscabo ao regional ou localista. Fico com o conceito generalizante de que a Poesia é "lucidez enternecida", com todas as suas vertentes de espaços, atores e linguagem, como bem afirma textualmente o sábio professor Armindo Trevisan, talento gaúcho na arte poética, hoje quase nonagenário, eis que nascido em 1933.

Para ilustrar, seguem mais alguns elementos hauridos pelo decorrer dos tempos, aliás, elementos histórico-literários que constam no Google e em vários sites específicos sobre a temática e que não me parecem apenas uma questão de retórica ou preciosismo de linguística. Vejamos a abordagem.

A palavra antologia é sinonímia de “florilégio”, e designa “seleção de coisas notáveis”, portanto observáveis na vida cotidiana com anterioridade assentada em juízos estéticos. A estranha palavra, nascida no séc. XVII, hoje é considerada de uso arcaico. Significava metaforicamente, a mais linda flor do jardim. Portanto, "antologia" é flor já anteriormente exposta, segundo a genuína metáfora contida no vocábulo "florilégio".

Contudo, há editores e organizadores de obras mal informados, que tratam como se antologia e coletânea tenham o mesmo significado e designem a mesma coisa, produto ou ação humana, no âmbito editorial. Talvez porque não sejam profissionais, e, sim, apenas amadores querendo ganhar algum dinheiro do autor participante, iniciando-se como editor eventual. Há muitos que, em pouco tempo, adquiriram prestígio a significativo poder econômico no difícil e disputado mercado editorial, assentes no poder de convencimento e destaque que as “antologias em verso ou prosa” inspiram.

É bem verdade, que ANTOLOGIA é uma palavra mais bonita, mais pomposa, porém, ela e COLETÂNEA designam coisas diversas, apesar de similares quanto ao uso e destinação.

É o que cumpria informar, especialmente aos novatos empolgados com a magia da criação literária e quase sempre dispostos a gastar o seu precioso dinheirinho com publicações, visando demonstrar a sua última e modesta “obra prima”.

Destarte, parece-me, repito, que tudo começa com as tímidas e singelas publicações nas bem-aventuradas coletas de dispersos textos, as famigeradas “COLETÂNEAS”, que evitam que o verso ou a prosa se percam em alguma gaveta de escrivaninha ou nos “arquivos textuais” que hoje avultam no território virtual, inibindo a permanência apenas nos escaninhos da memória (autoral) ou em algum recanto do universo da informática e da globalização da palavra no universo idiomático. Hosanas!

Em verdade, o que faz a criatura humana tornar-se, frente aos olhos do público um “escritor” são as suas publicações, impressas em papel, ou, atendendo aos processos tecnológicos da contemporaneidade, utilizando-se do utilíssimo, conveniente e oportuno ferramental da virtualidade.

Bem haja o espiritual da palavra, que é a “casa do ser”, como afirmava o reitor, professor e filósofo alemão Martin Heidegger, morto aos 86 anos, em 1976.

Moncks, Joaquim. A FABRICAÇÃO DO REAL. Obra inédita, 2013:2020.

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4458236