O Dono do Mundo

O mundo assistiu, parado e atônito, às eleições para a presidência dos Estados Unidos da América. Todos estavam antenados. A indústria do petróleo, a indústria bélica, a bolsa de valores, o Mundo Árabe, e até um violonista clássico da pacata cidade de Niterói, RJ. De um lado, o democrata John Kerry, que venceu com folga a prévia do partido que representou. Kerry, veterano da guerra do Vietnã, condecorado com medalhas de bronze e prata, apresentou um tom inicial de ataque direto à política de guerras e barbáries da atual gestão americana. O mundo, então, passou a torcer abertamente para o (três vezes) senador, vendo nele uma forma de reestabelecer uma ordem como a de Clinton, onde a soberania ianque era apenas cultural (o que os ingleses chamariam de soft power norte-americano). Mas, em um país governado por ventos de marketing, e em uma época onde a transferência do poder aos iraquianos, o primeiro presidente legítimo do Afeganistão desde a revolução talebã, a prisão de Saddam Russein e o crescimento convincente da economia americana fizeram a aprovação da política externa de Bush ficar acima dos 50%, Kerry recuou, e passou a assumir uma postura de certa conivência com a perspectiva de manter as tropas estado-unidenses no Oriente Médio, o que levou-o a ser tachado de "farinha do mesmo saco". Se bem que, em um país onde as forças políticas principais são "direita" e "menos direita", isso não é nada surpreendente.

De outro lado, o orelha de abano, xerife do Texas, filho do cão, QI de rinoceronte, e outros mimos pelos quais é chamado, George Walker Bush. Republicano, atual presidente dos EUA, eleito numa controversa situação onde, além de ter a minoria dos votos (e só ter sido eleito por causa do complexo e bicentenário sistema americano de preito, cujo verdadeiro voto não é da população, mas do colegiado que a representa), dependeu da contagem, recontagem e re-recontagem (talvez até re-re-recontagem) dos votos na Flórida, até o candidato democrata Al Gore dar um basta e reconhecer oficialmente sua derrota. Discípulo da corrente ideológica conhecida como neoconservadorismo, cujos "papas" são Donald Rumsfeld, Colin Powell e Condoleezza Rice (aqueles secretários de Estado e Defesa, esta Conselheira de Segurança Nacional), George prega a imposição, pelo meio que seja, da superioridade dos Estados Unidos da América sobre o mundo. O resultado: um orçamento bélico que responde por metade de todo o dinheiro gasto no mundo com armas, dois países invadidos e com a "democracia reestabelecida", um sonoro não ao protocolo de Kyoto, uma crise política sem precedentes na ONU, a influência descarada nas eleições da América Latina. E a tragédia tende a se intensificar, com a reeleição de Bush, e a manutenção não só da sua arrogância, mas, o que é mais preocupante, do poder concentrado nas mãos da cúpula neoconservadora.

Osama Bin Laden deu seu recado: a ira de Alá com os demônios da América não é de agora. Logo, não importa qual pessoa vai sentar-se na cadeira da presidência e proclamar-se imperador da Terra; a única coisa capaz de conter novos ataques como os de 11 de setembro é uma mudança radical na configuração político-econômica do mundo como, por exemplo, a imediata redução da produção de armamentos. Bem, se os americanos sentem-se seguros com a reeleição de Bush, eu não me sentiria. Ontem, ao sabor do anúncio do resultado, as ações da indústria bélica... dispararam.

Thiago Salinas
Enviado por Thiago Salinas em 02/07/2005
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