Renascimento, Renascença ou Renascentismo

Estes são os termos usados para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII. Os estudiosos, contudo, não chegaram a um consenso sobre essa cronologia, havendo variações consideráveis nas datas conforme o autor.[1] Seja como for, o período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências.[2]

Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas a noção de Renascimento como hoje o entendemos surgiu a partir da publicação do livro de Jacob Burckhardt A cultura do Renascimento na Itália (1867), onde ele definia o período como uma época de "descoberta do mundo e do homem".[3]

O Renascimento cultural manifestou-se primeiro na região italiana da Toscana, tendo como principais centros as cidades de Florença e Siena, de onde se difundiu para o resto da península Itálica e depois para praticamente todos os países da Europa Ocidental, impulsionado pelo desenvolvimento da imprensa por Johannes Gutenberg. A Itália permaneceu sempre como o local onde o movimento apresentou maior expressão, porém manifestações renascentistas de grande importância também ocorreram na Inglaterra, Alemanha, Países Baixos e, menos intensamente, em Portugal e Espanha, e em suas colônias americanas. Alguns críticos, porém, consideram, por várias razões, que o termo "Renascimento" deve ficar circunscrito à cultura italiana desse período, e que a difusão européia dos ideais clássicos italianos pertence com mais propriedade à esfera do Maneirismo. Além disso, estudos realizados nas últimas décadas têm revisado uma quantidade de opiniões historicamente consagradas a respeito deste período, considerando-as insubstanciais ou estereotipadas, e vendo o Renascimento como uma fase muito mais complexa, contraditória e imprevisível do que se supôs ao longo de gerações.[4]

Índice [esconder]

1 Ideias principais

2 Fases do Renascimento e seu contexto

2.1 Trecento

2.2 Quattrocento

2.3 Alta Renascença

2.4 O Cinquecento e o Maneirismo italiano

3 As artes no Renascimento

3.1 Pintura

3.2 Escultura

3.3 Música

3.4 Arquitetura

4 A italianização da Europa

4.1 França

4.2 Países Baixos e Alemanha

4.3 Portugal

4.4 Espanha

4.5 Inglaterra

5 Críticas

6 Legado

7 Ver também

7.1 História, filosofia e estética

7.2 Escolas nacionais

7.3 Artes e ciências

8 Ligações externas

9 Referências

Ideias principais

Ver artigo principal: Filosofia do Renascimento

O Humanismo pode ser apontado como o principal valor cultivado no Renascimento. Baseia-se em diversos conceitos associados: Neoplatonismo, Antropocentrismo, Hedonismo, Racionalismo, Otimismo e Individualismo. O Humanismo, antes que um corpo filosófico, é um método de aprendizado que faz uso da razão individual e da evidência empírica para chegar às suas conclusões, paralelamente à consulta aos textos originais, ao contrário da escolástica medieval, que se limitava ao debate das diferenças entre os autores e comentaristas. O Humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o investigador por excelência da natureza. Na perspectiva do Renascimento, isso envolveu a revalorização da cultura clássica antiga e sua filosofia, com uma compreensão fortemente antropocentrista e racionalista do mundo, tendo o homem e seu raciocínio lógico e sua ciência como árbitros da vida manifesta.[5] Seu precursor foi Petrarca, e o conceito se consolidou no século XV principalmente através dos escritos de Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, Pico della Mirandola e Thomas More.

Pico della Mirandola.

O brilhante florescimento cultural e científico renascentista deu origem a sentimentos de otimismo, abrindo positivamente o homem para o novo e incentivando seu espírito de pesquisa. O desenvolvimento de uma nova atitude perante a vida deixava para trás a espiritualidade excessiva do gótico e via o mundo material com suas belezas naturais e culturais como um local a ser desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes do homem. Além disso, os experimentos democráticos italianos, o crescente prestígio do artista como um erudito e não como um simples artesão, e um novo conceito de educação que valorizava os talentos individuais de cada um e buscava desenvolver o homem num ser completo e integrado, com a plena expressão de suas faculdades espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de liberdade social e individual.[6]

Reunindo esse corpus eclético de idéias, os homens do Renascimento cunharam ou adaptaram à sua moda alguns outros conceitos, dos quais se destacam as teorias da perfectibilidade e do progresso , que na prática impulsionaram positivamente a ciência de modo a tornar o período em foco como o marco inicial da ciência moderna. Mas como que para contrapô-los surgiu uma percepção de que a história é cíclica e tem fases de declínio inevitável, e de que o homem natural é um ser sujeito a forças além de seu poder e não tem domínio completo sobre seus pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a duração de sua própria vida. O resultado foi um grande e rico debate teórico entre os eruditos, recheado por fatos novos que apareciam a cada momento, que só teve uma resolução prática no século XVII, com a afirmação irresistível e definitiva da importância da ciência. Por um lado, alguns daqueles homens se viam como herdeiros de uma tradição que havia desaparecido por mil anos, crendo reviver de fato uma grande cultura antiga, e sentindo-se até um pouco como contemporâneos dos romanos. Mas havia outros que viam sua própria época como distinta tanto da Idade Média como da Antiguidade, com um estilo de vida até então inédito sobre a face da Terra, sentimento que era baseado exatamente no óbvio progresso da ciência. A história confirma que nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos, e foram descobertas diversas leis naturais e objetos físicos antes desconhecidos; a própria face do planeta se modificou nos mapas depois dos descobrimentos das grandes navegações, levando consigo a física, a matemática, a medicina, a astronomia, a filosofia, a engenharia, a filologia e vários outros ramos do saber a um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, cada qual contribuindo para um crescimento exponencial do conhecimento total, o que levou a se conceber a história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.[7] Talvez seja esse espírito de confiança na vida e no homem o que mais liga o Renascimento à antiguidade clássica e o que melhor define sua essência e seu legado. O seguinte trecho de Pantagruel (1532), de François Rabelais, costuma ser citado para ilustrar o espírito do Renascimento:

Todas as disciplinas são agora ressuscitadas, as línguas estabelecidas: Grego, sem o conhecimento do qual é uma vergonha alguém chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu, Latim (…) O mundo inteiro está cheio de acadêmicos, pedagogos altamente cultivados, bibliotecas muito ricas, de tal modo que me parece que nem nos tempos de Platão, de Cícero ou Papiniano, o estudo era tão confortável como o que se vê a nossa volta. (…) Eu vejo que os ladrões de rua, os carrascos, os empregados do estábulo hoje em dia são mais eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo.

Retrato de Erasmo, 1523, por Hans Holbein, o Jovem (Frick Collection).

O preparo que os humanistas preconizavam para a formação do homem ideal, são de corpo e espírito, ao mesmo tempo um filósofo, um cientista e um artista, se desenvolveu a partir da estrutura de ensino medieval do Trivium e do Quadrivium, que sistematizavam o conhecimento da época. A novidade renascentista não foi tanto a ressurreição da sabedoria antiga, mas sua ampliação e aprofundamento com a criação de novas ciências e disciplinas, de uma nova visão de mundo e do homem e de um novo conceito de ensino e educação.[7] O resultado foi um grande e frutífero programa disciplinador e desenvolvedor do intelecto e das habilidades gerais do homem, que tinha origem na cultura greco-romana e que de fato em parte se perdera para o ocidente durante a Idade Média. Mas é preciso lembrar que apesar da idéia que os renascentistas pudessem ter de si mesmos, o movimento jamais poderia ser uma imitação literal da cultura antiga, por acontecer todo sob o manto do Catolicismo, cujos valores e cosmogonia eram bem diversos dos do antigo paganismo. Assim, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do oculto não estavam ausentes.[8]

O pensamento medieval tendia a ver o homem como uma criatura vil, uma "massa de podridão, pó e cinza", como se lê em De laude flagellorum de Pedro Damião, no século XI. Mas quando se eleva a voz de Pico della Mirandola no século XV o homem já representava o centro do universo, um ser mutante, essencialmente imortal, autônomo, livre, criativo e poderoso, o que ecoava as vozes mais antigas de Hermes Trismegisto ("Grande milagre é o homem") e do árabe Abdala[desambiguação necessária]("Não há nada mais maravilhoso do que o homem"). Esse otimismo se perderia novamente no século XVI, com a reaparição do ceticismo, do pessimismo, da ironia e do pragmatismo em Erasmo, Maquiavel, Rabelais e Montaigne, que veneravam a beleza dos ideais do classicismo mas tristemente constatavam a impossibilidade de sua aplicação prática universal e testemunhavam o deplorável jogo político, a pobreza e opressão das populações e outros problemas sociais e morais do homem real de seu tempo. Cabe notar que muitos pesquisadores consideram esta fase final não como uma etapa no grande ciclo do Renascimento, e a estabeleceram como um movimento distinto e autônomo, dando-lhe o nome de Maneirismo.[8]

Fases do Renascimento e seu contexto

Ver artigo principal: Política do Renascimento, Economia do Renascimento

Costuma-se dividir o Renascimento em três grandes fases, Trecento, Quattrocento e Cinquecento, correspondentes aos séculos XIV, XV e XVI, com um breve interlúdio entre as duas últimas chamado de Alta Renascença.

Trecento

O Trecento representa a preparação para o Renascimento e é um fenômeno basicamente italiano, mais especificamente da cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da região, embora outros centros também tenham participado do processo, como Pisa e Siena, tornando-os a vanguarda da Europa em termos de economia, cultura e organização social, conduzindo a transfomação do modelo medieval para o moderno.

Ambrogio Lorenzetti: Alegoria do Bom Governo, c. 1328. Palazzo Pubblico, Siena

Simone Martini: Guidoriccio da Fogliano no assédio de Montemassi, 1328. Palazzo Pubblico, Siena

A economia era dinamizada pela fundação de grandes casas bancárias, pelo surgimento da noção de livre concorrência e pela forte ênfase no comércio, e cada vez mais se estruturava em moldes capitalistas e bastante materialistas, onde a tradição era sacrificada diante do racionalismo, da especulação financeira e do utilitarismo. O sistema de produção desenvolvia novos métodos, com uma nova divisão de trabalho organizada pelas guildas e uma progressiva mecanização, mas levando a uma despersonalização da atividade artesanal. A Itália nesta época era um mosaico de pequenos países e cidades independentes. O regime republicano com base no racionalismo fora adotado por vários daqueles Estados, e a sociedade via crescer uma classe média emancipada intelectual e financeiramente que se tornaria um dos principais pilares do poder e um dos sustentáculos de um novo mercado de arte e cultura.[9]

O início do século viveu intensas lutas de classes, com prejuízo para os trabalhadores não vinculados às guildas, e como conseqüência instalou-se grave crise econômica, que teve um ponto culminante na bancarrota das famílias Bardi e Peruzzi em torno de 1328-38, gerando uma fase de estagnação que não obstante levaria a pequena burguesia pela primeira vez ao poder. Esta situação foi comentada depreciativamente pelos poetas célebres da época - Boccaccio e Villani - mas constituiu a primeira experiência democrática em Florença, durando cerca de quarenta anos. Tumultos políticos e militares, além de duas devastadoras epidemias de peste bubônica, provocaram períodos de fome e desalento, com revoltas populares que tentaram modificar o equilíbrio político e social, mas só conseguiram assegurar a permanência dos burgueses à testa do governo. Os Médici, banqueiros plebeus, assumiram a liderança da classe mas logo se revestiram da dignidade da nobreza, e um sistema oligárquico voltou a dominar a cena política, muitas vezes se valendo da corrupção para atingir seus fins, mas também iniciando um costume de mecenato das artes que seria fundamental para a evolução do classicismo no século seguinte.[10][11]

Na religião a mudança foi assinalada pela busca, amparada pela ciência, de explicações racionais para os fenômenos da natureza; por uma nova forma de ver as relações entre Deus e o homem, e pela idéia de que o mundo não deveria ser renegado, mas vivenciado plenamente, e que a salvação poderia ser conquistada também através do serviço público e do embelezamento das cidades e igrejas com obras de arte, além da prática de outras ações virtuosas. Deve-se frisar que mesmo com a crescente influência clássica, que era toda pagã na origem, o cristianismo jamais foi posto em xeque e permaneceu como um pano de fundo ao longo de todo o período, criando-se a síntese original que conhecemos hoje.[12]

Quattrocento

Retrato de Luca Pacioli com um aluno, por Jacopo de' Barbari

Jorge de Trebizonda: página do seu Comentário sobre o Almagesto

O chamado Quattrocento (século XV) viu o Renascimento atingir sua era dourada. O Humanismo amadurecia e se espalhava pela Europa através de Ficino, Rodolphus Agricola, Erasmo de Roterdão, Mirandola e Thomas More. Leonardo Bruni inaugurava a historiografia moderna e a ciência e a filosofia progrediam com Luca Pacioli, János Vitéz, Nicolas Chuquet, Regiomontanus, Nicolau de Cusa e Georg von Peuerbach, entre muitos outros.

Ao mesmo tempo, um novo interesse pela história antiga levou humanistas como Niccolò de' Niccoli e Poggio Bracciolini a vasculharem as bibliotecas da Europa em busca de livros perdidos de autores como Platão, Cícero, Plínio, o Velho, e Vitrúvio. O mesmo interesse fez com que se fundassem grandes bibliotecas na Itália, e se procurasse restaurar o latim, que havia se transformado em um dialeto multiforme, para sua pureza clássica, tornando-o a nova língua franca da Europa. A restauração do latim derivou da necessidade prática de se gerir intelectualmente essa nova biblioteca renascentista. Paralelamente, teve o efeito de revolucionar a pedagogia, além de fornecer um substancial corpus de estruturas sintáticas e vocabulário para uso dos humanistas e dos homens de letras, que assim revestiam seus próprios escritos com a autoridade dos antigos.[13] Também foi importante a febre de colecionismo de arte antiga que se verificou entre os poderosos, que acompanhavam de perto escavações a fim de enriquecer seus acervos privados com obras de escultura e outras relíquias que vinham à luz, impulsionando o desenvolvimento da arqueologia.[14] A reconquista da Península Ibérica aos mouros também disponibilizou para os eruditos europeus um grande acervo de textos de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu e Plotino, preservados em traduções árabes e desconhecidos na Europa, e de obras muçulmanas de Avicena, Geber e Averróis, contribuindo de modo marcante para um novo florescimento na filosofia, matemática, medicina e outras especialidades científicas. Para acrescentar, o aperfeiçoamento da imprensa por Johannes Gutenberg em meados do século facilitou e barateou imenso a divulgação do conhecimento para um público maior.

Um novo vigor nesse processo foi injetado pelo erudito grego Manuel Chrysoloras, que entre 1397 e 1415 introduziu na Itália o estudo da língua grega, e com o fim do Império Bizantino em 1453 muitos outros intelectuais, como Demetrius Chalcondyles, Jorge de Trebizonda, Johannes Argyropoulos, Theodorus Gaza e Barlaam de Seminara, emigraram para a península Itálica e outras partes da Europa divulgando muitos textos clássicos de filosofia e instruindo os humanistas na arte da exegese. Grande proporção do que hoje se conhece de literatura e legislação greco-romanas nos foi preservado por Bizâncio, e esse novo conhecimento dos textos clássicos originais, bem como de suas traduções, foi, no entender de Luiz Marques, "uma das maiores operações de apropriação de uma cultura por outra, comparável em certa medida à da Grécia pela Roma dos Cipiões no século II a.C. Ela reflete, além disso, a passagem, crucial para a história do Quattrocento, da hegemonia intelectual de Aristóteles para a de Platão e de Plotino. Nesse grande influxo de idéias foi reintroduzida na Itália toda a estrutura da antiga Paideia, um corpo de princípios éticos, sociais, culturais e pedagógicos concebido pelos gregos e destinado a formar um cidadão modelar.[13][15][16] As novas informações e conhecimentos e a concomitante transformação em todas as áreas da cultura levaram os intelectuais a perceberem que se achavam em meio a uma fase de renovação comparável às fases brilhantes das civilizações antigas, em oposição à Idade Média anterior, que passou a ser considerada uma era de obscuridade e ignorância.[6][17]

Ao longo do Quattrocento Florença se manteve como o maior centro cultural do Renascimento, atravessando um momento de grande prosperidade econômica e conquistando também a primazia política em toda a região, apesar de Milão e Nápoles serem rivais perigosos e constantes. A opulência da sua oligarquia burguesa, que então monopolizava todo o sistema bancário europeu e adquiria um brilho aristocrático e grande cultura, e se entregava à "bela vida", gerou na classe média uma resistência retrógrada que buscou no gótico idealista um ponto de apoio contra o que via como indolência da classe dominante. Estas duas tendências opostas deram o tom para a primeira metade deste século, até que a pequena burguesia enfim abandonou o idealismo antigo e passou a entrar na corrente geral racionalista. Foi o século dos Medici, destacando-se principalmente Lorenzo de' Medici, grande mecenas, e o interesse pela arte se difundia para círculos cada vez maiores.[11][18]

Alta Renascença

A Alta Renascença cronologicamente engloba os anos finais do Quattrocento e as primeiras décadas do Cinquecento, sendo delimitada aproximadamente pelas obras de maturidade de Leonardo da Vinci (a partir de c. 1480) e o Saque de Roma em 1527. Foi a fase de culminação do Renascimento, que se dissipou mal foi atingida, mas seu reconhecimento é importante porque ali se cristalizaram ideais que caracterizam todo o movimento renascentista: o Humanismo, a noção de autonomia da arte, a emancipação do artista de sua condição de artesão e equiparação ao cientista e ao erudito, a busca pela fidelidade à natureza, e o conceito de gênio, tão perfeitamente encarnado em Da Vinci, Rafael e Michelangelo. Se a passagem da Idade Média para a Idade Moderna não estava ainda completa, pelo menos estava assegurada sem retorno possível.[14][19] Eventos como a descoberta da América e a Reforma Protestante, e técnicas como a imprensa de tipos móveis, transformaram a cultura e a visão de mundo dos europeus, ao mesmo tempo em que a atenção de toda a Europa se voltava para a Itália e seus progressos, com as grandes potências da França, Espanha e Alemanha desejando sua partilha e fazendo dela um campo de batalhas e pilhagens. Com as invasões que se seguiram a arte italiana espalhou sua influência por uma vasta região do continente.[20][21]

Michelangelo: David, 1504. Galleria dell’Accademia

Rafael: Madonna Cowper, 1504/1505. National Gallery of Art, Washington

Leonardo da Vinci: A Virgem das Rochas, versão de Londres, 1503-1506. National Gallery

Bramante: O Tempietto na igreja de San Pietro in Montorio, 1502. Roma

Foi na Alta Renascença que a arte atingiu a perfeição e o equilíbrio classicistas perseguidos durante todo o processo anterior, especialmente no que diz respeito à pintura e à escultura. Pela primeira vez a Antiguidade era compreendida como um todo unificado e não como uma sequência de eventos isolados, levando a arte a descartar a simples imitação decorativa do antigo e troca de uma emulação mais completa, mais essencial e também muito mais erudita.[14] Porém esse classicismo, embora maduro e rico, conseguindo plasmar obras de grande pujança, comparáveis à arte antiga, tinha forte carga formalista, espelhando o código de ética artificial, cosmopolita e abstrato que se impunha entre os círculos ilustrados e que prescrevia a moderação, autocontrole, dignidade e polidez em tudo, e que teve na pintura de Rafael e na música de Palestrina seus mais perfeitos representantes artísticos, e no livro O Cortesão de Baldassare Castiglione sua súmula teórica.[22] O idealismo que foi intensamente cultivado na antigüidade clássica encontrava uma atualização e, segundo Hauser,

Giovanni Bellini: Sacra conversazione, 1505-1510. Chiesa di San Zaccaria, Veneza

"De acordo com os pressupostos desta arte, pareceria inconcebível, por exemplo, que os apóstolos fossem representados como camponeses vulgares e artesãos comuns, como o eram tão freqüentemente e com tanto sabor, no século XV. Para esta arte nova, os profetas, apóstolos, mártires e santos são personalidades ideais, livres, grandes, poderosas e dignificadas, graves e solenes, uma raça heróica, no pleno florescimento de uma beleza madura e enternecedora. Na obra de Leonardo encontramos ainda tipos da vida comum, ao lado destas nobres figuras, mas gradualmente nada que não seja grande e sublime parece digno de representação artística".[22]

Apesar desse código de ética, era uma sociedade agitada por mudanças políticas, sociais e religiosas importantes em que a liberdade anterior desapareceu, e o autoritarismo e a dissimulação se ocultavam por trás das normas de boa educação e da disciplina, como se lê em O Príncipe, de Maquiavel, um manual de governo que dizia que "não existem boas leis sem boas armas", não distinguindo poder de autoridade e legitimando o uso da força para controle do cidadão, livro que foi uma referência fundamental do pensamento político renascentista em sua fase final e uma inspiração decisiva para a construção do Estado moderno. Assim, a grande diferença de mentalidade entre o Quattrocento e o Cinquecento é que enquanto naquele a forma é um fim, neste é um começo; enquanto naquele a natureza fornecia os padrões que a arte imitava, neste a sociedade precisará da arte para provar que existem tais padrões. Rafael resumiu os opostos em seu famoso afresco A Escola de Atenas, uma das mais importantes pinturas da Alta Renascença, realizada na primeira década do Cinquecento, que ressuscitou o diálogo filosófico entre Platão e Aristóteles, ou seja, entre o idealismo e o empirismo.[23] Nesse período se observou o paulatino deslocamento do maior centro cultural renascentista de Florença para Roma, com a proteção do papado e o crescente afluxo de artistas de outras partes.[14]

O Cinquecento e o Maneirismo italiano

Ver artigo principal: Maneirismo

Pontormo: A Deposição da Cruz, 1525-1528. Santa Felicita, Florença

O Cinquecento (século XVI) é a derradeira fase da Renascença, quando o movimento se transforma, se expande para outras partes da Europa e Roma sobrepuja definitivamente Florença como centro cultural, especialmente a partir do pontificado de Júlio II. Roma até então não havia produzido grandes artistas renascentistas, e o classicismo havia sido plantado através da presença temporária de artistas de outras partes. Mas com a fixação na cidade de mestres do porte de Rafael, Michelangelo e Bramante formou-se uma escola local, tornando a cidade o mais rico repositório da arte da Alta Renascença e da sua continuação cinquecentesca, onde a política cultural do papado deu uma feição característica a toda esta fase. Boa parte dessa nova influência romana derivou do desejo de reconstituir a grandeza e a virtude cívica da Roma Antiga, o que se refletiu na intensificação do mecenato e na recriação de práticas sociais e simbólicas que imitavam as da Antiguidade, como os grandes cortejos de triunfo, as festas públicas suntuosas, as representações plásticas e teatrais grandiloquentes, cheias de figuras históricas, mitológicas e alegóricas.[14]

Na seqüência do saque de Roma de 1527 e da contestação da autoridade papal pelos Protestantes o equilíbrio político do continente se alterou e sua estrutura sócio-cultural foi abalada, com conseqüências negativas principalmente para a Itália, que além de tudo deixava de ser o centro comercial da Europa enquanto novas rotas de comércio eram abertas pelas grandes navegações. Todo o panorama mudava de figura, declinando a influência católica, perdendo-se a unidade cultural e artística recém conquistada na Alta Renascença e surgindo sentimentos de pessimismo, insegurança e alheamento que caracterizam a atmosfera do Maneirismo. Apareceram escolas regionais nitidamente diferenciadas em Roma, Florença, Ferrara, Nápoles, Milão, Veneza, e o Renascimento se espalhou então definitivamente por toda a Europa, dando frutos em especial na França, Espanha e Alemanha, tingidos pelos históricos locais específicos. A arte de longevos como Michelangelo e Ticiano registrou em grande estilo a transição de uma era de certezas e clareza para outra de dúvidas e drama que viu aparecer a Contra-Reforma e se dirigia para o Barroco do século XVII.[24]

Lutero aos 46 anos (Lucas Cranach, o Velho, 1529)

Um dos impactos mais importantes da Reforma Protestante sobre a arte renascentista foi a condenação das imagens sagradas, o que despovoou os templos do norte de representações pictóricas e escultóricas de santos e personagens divinos, e muitas obras de arte foram destruídas em ondas de fúria iconoclasta. Com isso as artes representativas sob influência reformista se voltaram para os personagens profanos e a natureza. O papado, porém, logo percebeu que a arte podia ser uma arma eficiente contra os protestantes, auxiliando em uma evangelização mais ampla e mais sedutora para as grandes massas do povo, e durante a Contra-Reforma foram sistematizados uma nova série de preceitos baseados na teologia contra-reformista, que determinavam em detalhe como o artista deveria criar sua obra de tema religioso. Mas assim, se por um lado a Contra-Reforma deu origem a mais encomendas de arte sacra pela Igreja Católica, a antiga liberdade de expressão artística que se verificara em fases anteriores desapareceu, uma liberdade que permitira a Michelangelo decorar seu enorme painel do Juízo Final, pintado no coração do Vaticano, com uma multidão de corpos nus de grande sensualidade, ainda que o campo profano permanecesse pouco afetado pelas novas regras, que eram bastante dogmáticas e moralistas [25][26] Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que seu substrato filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos fatos políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se fez, ainda que inspirada na fonte do classicismo, o traduziu em formas inquietas, ansiosas, distorcidas, agitadas, ambivalentes, apegadas a preciosismos intelectualistas, características que refletiam os dilemas do século.[24]

O Maneirismo, que cobre os dois terços finais do século XVI e depois se confunde com o Barroco, foi um movimento que tem gerado historicamente muito debate entre os historiadores da arte. Depois do século XVII ele passou a ser encarado com desprezo, como uma degeneração mórbida e afetada dos ideais clássicos autênticos. Nos dias de hoje, porém, essa visão já não permanece, tendo sido revisada através de duas vertentes da crítica. Para uns ele se manifestou em uma área geográfica tão vasta e de maneira tão polimorfa e tão distinta do Quattrocento e da Alta Renascença, que se tornou um dilema inconciliável descrevê-lo como parte do fenômeno original, basicamente classicista e italiano, pois parece-lhes que em muitos sentidos ele constitui uma completa antítese dos princípios clássicos de proporção equilibrada, unidade formal, clareza, lógica e naturalismo, tão prezados pelas fases anteriores e que definiriam o "verdadeiro" Renascimento. A consequência foi estabelecer o Maneirismo como um movimento independente, reconhecendo uma nova e vigorosa forma de expressão no que se chegou a ver como decadência e distorção, tendo sua importância realçada por esses traços fazerem dele a primeira escola moderna de arte. A outra vertente crítica, contudo, o analisa como um aprofundamento e um enriquecimento dos pressupostos clássicos e como uma legítima conclusão do ciclo do Renascimento; não tanto uma negação ou desvirtuamento daqueles princípios, mas uma reflexão sobre sua aplicabilidade prática naquele momento histórico e uma adaptação - às vezes dolorosa mas em geral criativa e bem sucedida - às circunstâncias da época.[27][28]

As artes no Renascimento

Nas artes o Renascimento se caracterizou, em linhas muito gerais, pela inspiração nos antigos gregos e romanos, e pela concepção de arte como uma imitação da natureza, tendo o homem nesse panorama um lugar privilegiado. Mas mais do que uma imitação, a natureza devia, a fim de ser bem representada, passar por uma tradução que a organizava sob uma óptica racional e matemática, num período marcado por uma matematização de todos os fenômenos naturais. Na pintura a maior conquista da busca por esse "naturalismo organizado" foi a recuperação da perspectiva, representando a paisagem, as arquiteturas e o ser humano através de relações essencialmente geométricas e criando uma eficiente impressão de espaço tridimensional; na música foi a consolidação do sistema tonal, possibilitando uma ilustração mais convincente das emoções e do movimento; na arquitetura foi a redução das construções para uma dimensão mais humana, abandonando-se as alturas transcendentais das catedrais góticas; na literatura, a introdução de um personagem que estruturava em torno de si a narrativa e mimetizava até onde possível a noção de sujeito.[29]

Pintura

Ver artigo principal: Pintura do renascimento, Pintura da Renascença Italiana

Giotto: Deposição de Cristo, ciclo de afrescos na Capela Scrovegni (1304-1306), Pádua

Masaccio: Cristo e o tributo, 1425-1428. Capela Scrovegni

Rafael: A Escola de Atenas, 1509. Vaticano

Sucintamente, a contribuição maior da pintura do Renascimento foi sua nova maneira de representar a natureza, através de domínio tal sobre a técnica pictórica e a perspectiva de ponto central, que foi capaz de criar uma eficiente ilusão de espaço tridimensional em uma superfície plana. Tal conquista significou um afastamento radical em relação ao sistema medieval de representação, com sua estaticidade, seu espaço sem profundidade e seu sistema de proporções simbólico - onde os personagens maiores tinham maior importância numa escala que ia do homem até Deus - estabelecendo um novo parâmetro cujo fundamento era matemático, no que se pode ver um reflexo da popularização dos princípios filosóficos do racionalismo, antropocentrismo e do humanismo. A linguagem visual formulada pelos pintores renascentistas foi tão bem sucedida que permanece válida até hoje.[13][30]

O cânone greco-romano de proporções voltava a determinar a construção da figura humana; também voltava o cultivo do Belo tipicamente clássico. A pintura renascentista é em essência linear; o desenho era agora considerado o alicerce de todas as artes visuais e seu domínio, um pré-requisito para todo artista. Para tanto, foi de grande utilidade o estudo das esculturas e relevos da Antiguidade, que deram a base para o desenvolvimento de um grande repertório de temas e de gestos e posturas do corpo. Na construção da pintura, a linha convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e lógico, e a cor indicava os estados afetivos ou qualidades específicas. Outro diferencial em relação à arte da Idade Média foi a introdução de maior dinamismo nas cenas e gestos, e a descoberta do sombreado, ou claro-escuro, como recurso plástico e mimético.[14][30]

Giotto, atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior pintor da primeira Renascença italiana e o pioneiro dos naturalistas em pintura. Sua obra revolucionária, em contraste com a produção de mestres do gótico tardio como Cimabue e Duccio, causou forte impressão em seus contemporâneos e dominaria toda a pintura italiana do Trecento, por sua lógica, simplicidade, precisão e fidelidade à natureza.[31] Ambrogio Lorenzetti e Taddeo Gaddi continuaram a linha de Giotto sem inovar, embora em outros características progressistas se mesclassem com elementos do gótico ainda forte, como se vê na obra de Simone Martini e Orcagna. O estilo naturalista e expressivo de Giotto, contudo, representava a vanguarda na visualidade desta fase, e se difundiu para Siena, que por um tempo passou à frente de Florença nos avanços artísticos. Dali se estendeu para o norte da Itália.

No Quattrocento as representações da figura humana adquiriram solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento de autoconfiança de uma sociedade que se tornava muito rica e complexa, com vários níveis sociais, de variada educação e referenciais, que dela participavam ativamente, formando um painel multifacetado de tendências e influências. Mas ao longo de quase todo o século a arte revelaria o embate entre os derradeiros ecos do gótico espiritual e abstrato, exemplificado por Fra Angelico, Paolo Uccello, Benozzo Gozzoli e Lorenzo Monaco, e as novas forças organizadoras, naturalistas e racionais do classicismo, representadas por Botticelli, Pollaiuolo, Piero della Francesca e Ghirlandaio. Nesse sentido, depois de Giotto o próximo marco evolutivo foi Masaccio, em cujas obras o homem tem um aspecto nitidamente enobrecido e cuja presença visual é decididamente concreta, com eficiente uso dos efeitos de volume e espaço tridimensional. Dele se disse que foi "o primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra".[30] Junto com Florença, Veneza representa a vanguarda artística européia no Quattrocento, dispondo de um grupo de artistas ilustres, como Jacopo Bellini, Giovanni Bellini, Vittore Carpaccio, Mauro Codussi e Antonello da Messina. Siena, que já fizera parte da vanguarda em anos anteriores, agora hesitava entre o apelo espiritual do gótico e o fascínio profano do classicismo, e perdia ímpeto. Enquanto isso também outras regiões do norte da Itália começavam a conhecer o classicismo, através de Perugino em Perugia; Francesco Laurana em Urbino; Pinturicchio, Masaccio, Melozzo da Forli, e Giuliano da Sangallo em Roma, e Mantegna em Pádua e Mântua.[32] Também deve-se lembrar a influência renovadora sobre os pintores italianos da técnica da pintura a óleo, que no Quattrocento estava sendo desenvolvida nos Países Baixos e atingira elevado nível de refinamento, possibilitando a criação de imagens muito mais precisas e nítidas e com um sombreado muito mais sutil do que o que era conseguido com o afresco, a encáustica e a têmpera. As telas flamengas eram muitissimo apreciadas na Itália exatamente por essas qualidades, e uma grande quantidade delas foi importada, copiada ou emulada pelos italianos.[13]

Mais adiante, na Alta Renascença, com Leonardo da Vinci, a técnica do óleo se refinou e penetrou no terreno do sugestivo, ao mesmo tempo em que aliava fortemente arte e ciência. Com Rafael o sistema classicista de representação visual chegou a um apogeu, e se revelou a doçura, a grandeza solene e a perfeita harmonia. Mas essa fase, de grande equilíbrio formal, não durou muito, logo seria transformada profundamente, dando lugar ao Maneirismo. Aqui Michelangelo, coroando o processo de exaltação do homem, levou-o a uma nova dimensão, a do sobre-humano, abrindo-lhe também as portas do trágico e do patético. Com os maneiristas toda a noção de espaço foi então alterada, a perspectiva se fragmentou em múltiplos pontos de vista, e as proporções da figura humana foram distorcias com finalidades expressivas ou meramente estéticas, formulando-se uma linguagem visual mais dinâmica, vibrátil, subjetiva, dramática e sofisticada. Pontormo, Paolo Veronese, Giulio Romano, Tintoretto, Bronzino, e Michelangelo em sua fase madura foram exemplos típicos do Maneirismo plenamente manifesto. Giorgio Vasari, um pintor e arquiteto maneirista de mérito secundário, também deve ser lembrado por sua importância como biógrafo e historiador da arte, um dos primeiros a reconhecer todo o ciclo renascentista como uma fase de renovação cultural e o primeiro a usar o termo "Renascimento" na bibliografia, em sua enciclopédica Le Vite de' più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, uma das fontes primárias para o estudo da vida e obra de muitos artistas do período.

Fra Angelico: Anunciação, c. 1440. Museu Nacional de São Marcos, Florença

Piero della Francesca: Flagelação de Cristo, 1460. Galleria Nazionale delle Marche, Urbino

Pietro Perugino: O batismo de Cristo, ca. 1481-83. Capela Sistina

Botticelli: O nascimento de Vênus, 1485. Uffizi

Parmigianino: Madonna do pescoço longo, 1534-40. Uffizi

Michelangelo: O Juízo Final, 1534-41. Capela Sistina

Bronzino: Alegoria do triunfo de Vênus, 1540-1545. National Gallery of London

Federico Barocci: A Madonna do povo, 1579. Uffizi

Escultura

Ver artigo principal: Escultura do Renascimento, Escultura do Renascimento italiano

Na escultura os sinais de uma revalorização de uma estética classicista são mais antigos, datando do século XIII. Nicola Pisano em torno de 1260 produziu um púlpito para o Batistério de Pisa que é considerado a manifestação precursora da Renascença em escultura. Na passagem do século XIII para o século XIV seu filho Giovanni Pisano levaria seu estilo mais longe e dominaria a cena em Florença no primeiro terço do século, e seria um dos introdutores de um gênero novo, o dos cruxifixi dolorosi, de grande dramaticidade e larga influência, até então incomum na Toscana. Seu talento versátil daria origem a outras obras de suma elegância e austeridade, de linhas limpas e puras, como o retrato de Enrico Scrovegni. Suas Madonnas, relevos e o púlpito da Catedral de Pisa são, por outro lado, muito mais movimentados e graciosos, com elementos góticos mesclados a um novo senso de proporção e espaço que infere seu estudo dos clássicos.[33][34] Contemporâneos como Tino di Camaino seguem aproximadamente a mesma linha de trabalho, num cruzamento de correntes que seria típico de todo o Trecento.[35] Em meados do século Andrea Pisano se tornaria um dos escultores mais importantes da Itália, autor dos relevos da porta sul do Batistério de Florença e sendo nomeado arquiteto da Catedral de Orvieto.[36] Foi mestre de Orcagna, cujo tabernáculo em Orsanmichele é uma das obras-primas do período, e de Giovanni di Balducci, autor de um requintado e complexo monumento funerário na Capela Portinari de Milão.[37][38]

Apesar dos avanços dos mestres citados acima, sua obra ainda reflete o embate entre as tendências antigas e modernas, e elementos góticos ainda são nitidamente visíveis em todos eles. Para o fim do Trecento surge em Florença a figura de Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no Batistério de São João, onde os modelos clássicos são recuperados por completo. Logo em seguida Donatello conduz os avanços em várias frentes. Nas suas obras principais figuram as estátuas de profetas do Antigo Testamento. Deles talvez o Habacuc seja a mais impressionante, uma imagem cujo porte lembra fortemente um romano com sua toga, quase extraído diretamente da retratística da Roma republicana. Ousou ao modelar a primeira figura de nu de grandes dimensões em volume completo desde a antiguidade, o David de 1430. Também inovou na estatuária equestre, criando o monumento a Gattamelata, a mais importante obra em seu gênero desde o Marco Aurélio romano do Capitólio. Por fim, sua descarnada Madalena penitente, em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e transfiguração que não teve paralelos em sua época, reintroduzindo um pungente senso de drama e realidade na estatuária que só se viu no Helenismo.[39]

Na geração seguinte, Verrocchio se destaca pela teatralidade e dinamismo das composições. Seu Cristo e São Tomé tem grande realismo e poesia. Compôs um Jovem com um golfinho para a fonte de Netuno em Florença que é o protótipo da figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado pelo Maneirismo e Barroco. Sua obra maior, o monumento equestre a Bartolommeo Colleoni é uma expresão de poder e força mais impressionante que o Gattamelata. Desiderio da Settignano e Antonio Rosselino também merecem lembrança. Florença continuou o centro da evolução até o aparecimento de Michelangelo, que trabalhou em Roma para os papas - e também em Florença para os Medici - e foi o maior nome da escultura desde a Alta Renascença até meados do Cinquecento. Sua obra passou do classicismo puro do David, do Baco, e chegou ao Maneirismo, expresso em obras veementes como os Escravos, o Moisés, e os nus da Capela Medici em Florença. Artistas como Baccio Bandinelli, Agostino di Duccio e Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria, como o Adão deste último. Encerram o ciclo renascentista Giambologna, Francesco da Sangallo, Jacopo Sansovino e Benvenuto Cellini, com um estilo de grande dinamismo e expressividade, tipificado no Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas importantes em outros países da Europa já iniciavam a trabalhar em linhas claramente italianas, como Adriaen de Vries no norte e Germain Pilon na França, espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e dando origem a várias formulações sincréticas com escolas regionais.[40]

Nicola Pisano: Adão, púlpito do Batistério de Pisa

Giovanni Pisano: Retrato de Enrico Scrovegni, Capela Scrovegni, Pádua (Cópia do Museu Pushkin)

Agostino di Duccio: Madonna, século XV. Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore

Ghiberti: A história de José, painel da Porta do Paraíso, Batistério de São João

Donatello: Habacuc. Museo dell'Opera del Duomo

Verrocchio: São Tomé e Cristo, 1466-83, Orsanmichele, Florença

Michelangelo: Baco, Museu del Bargello

Giambologna: O rapto da sabina, 1581-82. Loggia dei Lanzi, Florença

Música

Ver artigo principal: Música do Renascimento

Em linhas gerais, a música do Renascimento não oferece um panorama de quebras abruptas de continuidade, e todo o longo período pode ser considerado o terreno da lenta transformação do universo modal para o tonal, e da polifonia horizontal para a harmonia vertical. O Renascimento foi também um período de grande renovação no tratamento da voz e na orquestração, no instrumental e na consolidação dos gêneros e formas puramente instrumentais com as suítes de danças para bailes, havendo grande demanda por animação musical em todo festejo ou cerimônia, público ou privado.[41]

Iluminura do Codex Squarcialupi mostrando Francesco Landini tocando um organetto

Luca della Robbia: Relevo para um coro, 1431-38. Museo dell'Opera del Duomo, Florença

Na técnica compositiva a polifonia melismática dos organa, derivada diretamente do canto gregoriano, é abandonada em favor de uma escrita mais enxuta, com vozes tratadas de maneira cada vez mais equilibrada. No início do período o movimento paralelo é usado com moderação, acidentes são raros mas as dissonâncias duras são comuns. Mais adiante a escrita a três vozes começa a apresentar tríades, dando uma impressão de tonalidade. Tenta-se pela primeira vez escrever música descritiva ou programática, os rígidos modos rítmicos cedem lugar à isorritmia e a formas mais livres e dinâmicas como a balada, a chanson e o madrigal. Na música sacra a forma da missa se torna a mais prestigiada. A notação evolui para adoção de notas de menor valor, e mais para o final do período passa a ser aceito o intervalo de terça como consonância, quando antes apenas a quinta, a oitava e o uníssono o eram.[42][43]

Os precursores desta transformação não foram italianos, mas franceses como Guillaume de Machaut, autor da maior realização musical do Trecento em toda Europa, a Missa de Notre Dame, e Philippe de Vitry, muito elogiado por Petrarca. Da música italiana dessa fase inicial muito pouco chegou a nós, embora se saiba que a atividade era intensa e quase toda no terreno profano, sendo as principais fontes de partituras o Codex Rossi, o Codex Squarcialupi e o Codex Panciatichi. Entre seus representantes estão Matteo da Perugia, Donato da Cascia, Johannes Ciconia e sobretudo Francesco Landini. Somente no Cinquecento a música italiana começou a desenvolver características próprias e originais, sendo até então muito dependente da escola franco-flamenga.[43]

O predomínio de influências do norte não significa que o interesse italiano pela música fosse pequeno. Na ausência de exemplos musicais da Antiguidade para serem emulados, filósofos italianos como Ficino se voltaram para textos clássicos de Platão e Aristóteles em busca de referências para que se pudesse criar uma música digna dos antigos. Nesse processo um significativo papel foi desempenhado por Lorenzo de' Medici em Florença, que fundou uma academia musical e atraiu diversos músicos europeus,[11] e por Isabella d'Este, cuja pequena mas brilhante corte em Mântua atraiu poetas que escreviam em italiano poemas simples para serem musicados, e lá a récita de poesia, assim como em outros centros italianos, era geralmente acompanhada de música. O gênero preferido era a frottola, que já mostrava uma estrutura harmônica tonal bem definida e contribuiria para renovar o madrigal, com sua típica fidelidade ao texto e aos afetos. Outros gêneros polifônicos como a missa e o moteto fazem a esta altura pleno uso da imitação entre as vozes e todas são tratadas de um modo semelhante. Compositores flamengos importantes trabalham na Itália, como Adriaen Willaert e Jacob Arcadelt, mas as figuras mais célebres do século são Giovanni da Palestrina, italiano, e Orlande de Lassus, flamengo, que estabelecem um padrão de para a música coral que seria seguido em todo o continente, com uma escrita melodiosa e rica, de grande equilíbrio formal e nobre expressividade, preservando a inteligibilidade do texto, aspecto que no período anterior muitas vezes era secundário e se perdia na intrincada complexidade do contraponto. A impressão de sua música se equipara à grandeza idealista da Alta Renascença, florescendo em uma fase em que o Maneirismo já se manifestava com força em outras artes como a pintura e escultura. No final do século aparecem três grandes figuras, Carlo Gesualdo, Giovanni Gabrieli e Claudio Monteverdi, que introduziriam avanços na harmonia e um senso de cor e timbre que enriqueceriam a música dando-lhe uma expressividade e dramatismo maneiristas e a preparariam para o Barroco. Monteverdi em especial é importante por ser o primeiro grande operista da história, e suas óperas L'Orfeo (1607) e L'Arianna (1608, perdida, só resta uma famosa ária, o Lamento) representam o nobre ocaso da música renascentista e os primeiros grandes marcos do barroco musical [43]

Exemplos musicais

Anônimo italiano: Ypocrite - Velut stelle - Et gaudebit (ajuda·info)

Anônimo, Codex Rossi: Cum altre ucele (ajuda·info)

Hugo de Lantins: Jo sum tuo servo (ajuda·info)

Giulio Caccini: Amor che attendi (ajuda·info)

Giovanni Croce: Cantate Domino (ajuda·info)

Jacob Arcadelt: Io dico che fra noi (ajuda·info)

Monteverdi: Lamento de L'Arianna (versão coral do autor, 1614) (ajuda·info)

Portugal

"Terra Brasilis", 1519, mapa por Pedro Reinel e Lopo Homem, Atlas Miller, Biblioteca Nacional de Paris

A influência do Renascimento em Portugal estende-se de meados do século XV a finais do século XVI. Embora o Renascimento italiano tenha tido um impacto modesto na arte, os portugueses foram influentes no alargamento da visão do mundo dos europeus,[59] estimulando a curiosidade humanista.

Como pioneiro da exploração europeia, Portugal floresceu no final do século XV com as navegações para o oriente, auferindo lucros imensos que fizeram crescer a burguesia comercial e enriquecer a nobreza, permitindo luxos e o cultivar do espírito. O contacto com o Renascimento chegou através da influência de ricos mercadores italianos e flamengos que investiam no comércio marítimo. O contato comercial com a França, Espanha e Inglaterra era assíduo, e o intercâmbio cultural se intensificou.

Como principal potência naval, atraiu especialistas em matemática, astronomia e tecnologia naval, como Pedro Nunes e Abraão Zacuto; os cartógrafos Pedro Reinel, Lopo Homem, Estevão Gomes e Diogo Ribeiro, que fizeram avanços cruciais para mapear o mundo. E enviados ao oriente, como o boticário Tomé Pires e o médico Garcia de Orta, recolheram e publicaram trabalhos sobre as novas plantas e medicamentos locais.

Na arquitetura, os lucros do comércio de especiarias das primeiras décadas do século XVI financiaram um estilo sumptuoso de transição, que mescla elementos marinhos com o gótico, o manuelino.[60] O Mosteiro dos Jerônimos, a Torre de Belém e a janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar são os mais conhecidos, Diogo Boitaca e Francisco de Arruda os arquitectos. Na pintura destacam-se Nuno Gonçalves, Gregório Lopes e Vasco Fernandes. Na música, Pedro de Escobar e Duarte Lobo, além de quatro cancioneiros, entre os quais o Cancioneiro de Elvas e o Cancioneiro de Paris.

Na literatura Sá de Miranda introduziu as formas de verso italianas; Garcia de Resende compilou o Cancioneiro Geral em 1516 e Bernardim Ribeiro foi pioneiro no bucolismo. Gil Vicente fundiu-os com a cultura popular, relatando a mudança dos tempos e Luís de Camões inscreveu os feitos dos portugueses no poema épico Os Lusíadas. Em especial a literatura de viagem floresceu: João de Barros, Castanheda, António Galvão, Gaspar Correia, Duarte Barbosa, Fernão Mendes Pinto, entre outros, descreveram novas terras e foram traduzidos e divulgados pela nova imprensa. Após participar na exploração portuguesa do Brasil, em 1500, Amerigo Vespucci, agente dos Medici, cunhou o termo Novo Mundo.

O intenso intercâmbio internacional produziu vários estudiosos humanistas e cosmopolitas: Francisco de Holanda, André de Resende e Damião de Góis, amigo de Erasmus, que escreveu com independência rara no reinado de D. Manuel I; Diogo e André de Gouveia, que fizeram importantes reformas no ensino via França. Relatos e produtos exóticos na Feitoria Portuguesa de Antuérpia, atrairam o interesse de Thomas More e Durer para o mundo mais vasto.[61] Em Antuérpia, os lucros e conhecimento portugueses ajudaram a alimentar o renascimento holandês e a Idade de Ouro dos Países Baixos, especialmente após a chegada da comunidade judaica culta e rica expulsa de Portugal.

Painéis de São Vicente de Fora, Nuno Gonçalves, c.1480, Lisboa

Detalhe do São Pedro pontífice, Vasco Fernandes, c.1506, Museu Grão Vasco, Viseu

Francisco de Arruda: Torre de Belém, Francisco Arruda, c.1514, Lisboa

Casa dos Bicos, 1523, Lisboa

Espanha

Na Espanha, as circunstâncias foram em vários pontos semelhantes. A reconquista do território espanhol aos árabes e o fantástico afluxo de riquezas das colônias americanas, com o intenso intercâmbio comercial e cultural associado, sustentaram uma fase de expansão e enriquecimento sem precedentes da arte local. Artistas como Alonso Berruguete, Diego de Siloé, Tomás Luis de Vitoria, El Greco, Pedro Machuca, Juan Bautista de Toledo, Cristóbal de Morales, Garcilaso de la Vega, Juan de Herrera, Miguel de Cervantes e muitos mais deixaram obra notável em estilo clássico ou maneirista, mais dramático do que seus modelos italianos, já que o espírito da Contra-Reforma tinha um baluarte e, em escritores sacros como Teresa de Ávila...