AVE CAESAR, MORITURI TE SALUTANT

Se tiver de “morrer lutando”, que seja por um ideal social e não por um candidato político

Lutar pela democracia é diferente de lutar por interesses pessoais

*Por Antônio F. Bispo

O ano eleitoreiro mal começou e os “gladiadores” de plantão já começam a se enfrentar enquanto saúdam os “césares” e “senhores de escravos” que do alto das arquibancadas assistem seus fiéis e voluntários súditos se digladiarem pela “honra” de um suposto candidato eleitoreiro, de uma “vitima” de perseguição política ou de um possível “salvador” da pátria recém apresentado.

Que rufem os tambores! Que o pão seja jogado nas arquibancadas do circo enquanto a população é entretida, para que os que agem como larápios possam continuar onde estão, desviando para si e seu grupo todos os bens sociais produzidos enquanto os que deveriam se unir em causa coletiva se atacam de forma gratuita!

Diferente dos antigos circos romanos em que os lutadores estavam ali contra sua própria vontade pois eram capturados violentamente em suas aldeias, arrancados de suas famílias e comercializados como escravos, os “gladiadores” dos dias atuais se oferecem de forma voluntária para se ofenderem gratuitamente por aqueles que tratam nossa sociedade atual do mesmo modo que os antigos governantes do passado faziam na antiga Roma.

Os que hoje entram na arena para combates desnecessários e dizem “salve Cesar, os que vão morrer te saúdam” usam meios diferentes para destruir ou subjugar seus oponentes.

Redes sociais, púlpitos de igrejas, microfones de palanques, reuniões em associações de moradores ou propagandas manipuladas em rádio e TV são as principais opções escolhidas pelos tais. As armas não são clavas, espadas, lanças, escudos ou tridentes feitas para ferir e levar à morte por hemorragias ou traumatismos variados.

As armas de combates utilizadas por aqueles que se hostilizam hoje tem o intuito de denegrir, humilhar, menosprezar ou reduzir a “honra” de outros indivíduos que apoiam esse ou aquele candidato desrespeitando a liberdade de escolha e a própria democracia como se apoiar esse ou aquele candidato fosse um extremo sinal de inteligência e bom gosto, esquecendo-se que por trás dos bastidores todos comem do mesmo prato ou fazem parte de um mesmo sistema ultrapassado e defeituoso. Desconhecem que defender a democracia não tem nada a ver com defender um partido ou candidato isolado, e defender interesses pessoais é diferente de ser político.

Os termos mais comuns que são usados por aqueles que parecem sentir prazer em entrar em embates desnecessários são: “petralhas”, “mortadelas”, “coxinhas”, “militontos”, “bolsominions”, “machista”, “nazista”, “fascistas”, “esquerdopatas”, “feminista”, etc, etc.. Essas palavras não deveriam ferir tanto, até por que a maioria nem sabem o que estão dizendo, e apenas repetem como papagaios de piratas jargões ditos por gente “poderosa”, mas numa sociedade em que as pessoas são ensinadas a se ferir com qualquer coisa, termos como esses são suficientes para fazer sangrar relações comerciais ou pessoais que existiam há décadas.

“Falou mal do meu candidato vou te bloquear”! “Pronto, bloqueei, menos um “tucaninho”, “vermelhinho” ou “azulzinho” em meus contatos”! “Mi-mi-mi-mi-mi”...Ahhhhh, façam-me um favor! Enquanto escravos sangram nas arenas lutando entre si de forma gratuita, seus donos bebem e comem do mesmo prato nas arquibancadas da vida. A maioria dos que hoje brigam por um candidato se arrependem ou se envergonham deles em até uma semana após os resultados das eleições. Uma vida inteira cometendo os mesmos erros a cada dois anos e não aprendem! Isso não é fazer política nem muito menos ser político, é servir de marionete!

A maioria desses termos de ofensas usados como armas de ataques e de defesas são ditas de forma aleatória, vulgarizadas, depreciadas em sua real intenção de conteúdo e despejadas como se viessem de um esgoto cujo administrador não tem o poder de selecionar o conteúdo que lhe despejam. O ódio que muitas pessoas passam a exalar voluntariamente umas às outras nesse período eleitoreiro, de nada difere de um esgoto a céu aberto: deixa a cidade feia e desvalorizada, faz proliferar vários tipos de ratazanas e insetos transmissores de doenças, e cheira mal pra caramba! A mesma boca que pede bênçãos aos deuses invisíveis num rito religioso qualquer, será a mesma que amaldiçoa e faz contenda com seus semelhantes por coisas que não valem a pena a exemplo da politicagem comum em nosso seio.

Politicagem não é política! A política deveria ser uma “arte sagrada”, mais sagrada e mais importante que o ato de venerar os deuses fictícios fabricados pelas religiões, pois que enquanto a primeira tem procurado aprimorar as relações entre os humanos e sua estadia nesse planeta, os ritos religiosos em sua maioria ensinam os homens a se relacionarem com seres míticos surreais enquanto se tornam orgulhos e presunçosos por se julgarem no caminho certo enquanto o outro estará destinado a perdição eterna.

Já a politicagem é o oposto da política, pois todos os que entram por esse caminho tem como intuito principal defender interesses pessoais usando a máquina pública e todos os recursos coletivos em benefício pessoal ou de uma minoria também corrupta. Se a política é o caminho para o paraíso, a politicagem é o caminho do inferno!

Os “gladiadores” que se aniquilam e se destroem nesses períodos por esse ou aquele candidato podem não estar lutando de forma honrosa por um ideal social coletivo. Podem apenas estarem lutando por interesses pessoais ou por uma causa tão “importante” que nem valeria a pena citar. Não é errado “torcer” ou defender quem quer que seja, o defeito estar em fazer desse mesmo candidato ou partido um objeto de veneração.

Sair em defesa do candidato da “esquerda” só pra ter a garantia de que a vida fácil de alguns vão continuar pela quantidade excessiva de programas sociais mal aplicados é tão indecente quanto sair em defesa do candidato da “direita” simplesmente por entender que esse fez uma proposta de que todo “cidadão de bem” poderá usar uma arma para sair por ai matando “bandido”!

Mais difícil ainda vai ser definir quem vai ser o cidadão de bem e quem vai ser o bandido, já que os papéis são quase sempre invertidos a partir da função social que os tais ocupam. Em nossa sociedade atual, não é o ato em si que torna alguém um fora da lei. É o título que essa porta ou deixa de portar, bem como seu poder aquisitivo e suas relações de politicagem. A conhecida frase “bandido bom é bandido morto” deve ser repensada nesse caso.

Será que a proposta entendida por alguns de eliminar bandido seria um convite para invadir o congresso e gerar uma carnificina contra aqueles que descarada e comprovadamente desviam o dinheiro do povo em benefício próprio, ou seria um convite para sair matando gente pobre, negra e mal vestida em cada esquina que encontrarem?

A definição de cidadão de bem e de bandido nesses termos podem ser tão confusas quanto a definição de inclusão de programas sociais para acabar com a pobreza citada por alguns! Vale lembrar que para um menino que cresceu na favela, “bandido” pode ser os “zomi di farda”, ou seja os policiais, enquanto os mocinhos são os traficantes que “protegem” o bairro de outros traficantes.

Para um filho de um político corrupto que viu seu pai fazer fortunas imensuráveis as custas do povo, bandido pode ser aquelas pessoas que vão as ruas fazer protestos em busca de seus direitos, que pegam ônibus lotados todos os dias para ir trabalhar, e que tem de pôr na ponta do lápis até um pastel de feira que comem para não ter sua conta de luz bloqueada no fim do mês por desinteirar o pagamento.

Para a população geral, como as coisas tem seguido nos últimos meses, fora da lei também pode ser considerado um magistrado da mais alta corte que de forma misteriosa mandar soltar pessoas presas em flagrante delito como se não houvesse cometido crime algum...Quem serão os “bandidos” que deverão ser mortos na concepção dos que elegem um candidato apenas pela proposta do porte legal de arma?

Quantos aos que defendem a inclusão social bom lembrar que não dar pra gerar nenhum tipo de inclusão quando mantemos interesses puramente exclusos. As pessoas acabam delatando muito sobre si mesmas quando defendem de modo irracional certas linhas de pensamentos que só demonstram interesses próprios como se fossem interesses coletivos. Defender uma linha de pensamento apenas por ser um dos poucos beneficiados por ela, não diz respeito a inclusão social.

Nossos atuais lutadores de plantão que se digladiam pela “honra” dos futuros candidatos, se dividem entre os que lutam por essa ou aquela classe social apenas, como se em um país com mais de 200 milhões de pessoas houvesse apenas certa classe de pessoas para dar toda atenção do mundo. Ao invés de entrarem na política para defenderem a ideia de sociedade como um todo, se dividem entre os que defendem a classe X, Y, Z, delta e etc.

Confundem defender os ideais de um povo com defender interesses pessoais. Vãos as ruas e saem passeatas como se fossem desfiles carnavalescos com marchinhas, dancinhas e até nudez explicita acreditando que isso é política. Os pais fundadores desse termo pediriam “divorcio” dessa relação atual na sociedade com esse termo sendo ultrajado.

Tais pessoas hoje em dia tratam a política como se fosse um time de futebol e quando é pra julgar os ideais de um candidato julgam sua vida pessoal ou a história de seu partido, e quando deveriam julgar ações isoladas desse mesmo candidato recorrem a um passado distante como se uma ação bem feita de qualquer político justificasse uma vida inteira de crimes contra toda uma nação, ou se uma ação pessoal isolada no passado dessa pessoa fosse um impeditivo para opinar sobre interesses coletivos futuros.

Os gladiadores do passado lutavam em troca da própria liberdade, de fama momentânea, de sexo gratuito com outras escravas ou apenas para se manter vivo por mais um dia. Os de hoje podem estar se digladiando pela permanência de um programa social “vitalício”; por uma promessa de conquista de terras alheias quando acampados aos bandos em locais estratégicos; por uma promessa de cargo público em que possam ganhar muito e trabalhar pouco ou quase nada; ou simplesmente por que escolheu um lado para ficar mesmo, não importa os ideais do candidato ou do partido, importa se juntar a gandaia, fazer barracos, depredar patrimônio público e privado, bater panelas, bloquear avenidas importantes e infernizar a vida alheia e achar que isso é política.

Do alto das assembleias, câmaras e prefeituras os “cesares” e os “senhores de escravos”, todos eles juntos assistem tudo enquanto se divertem, para depois do embate fútil entre seus defensores fazer gestos para os que ainda sagram na arena em sua honra, apontando o polegar para cima ou para baixo, dizendo quem “morre” e quem “vive”, quem vai continuar comendo pão com mortadela ou quem vai comer caviar e coxinha com eles ás custas do povo em seus jatinhos particulares ou suas mansões irregulares.

Quem sabe haja mais honra para os que em seus embates se comportam como Spartacus e Criso, que em posição de escravos ameaçou um império inteiro por usar de modo útil sua força e coragem, do que para os que tem o comportamento de Flamma e Spiculus, que usavam suas habilidades para servir de capachos aos poderosos, entretendo as massas enquanto seus líderes lhes exploravam de todas as maneiras tanto a eles mesmo quanto ao povo. Nada mais vergonhoso que um escravo que serve de capataz e escraviza os de sua própria gente em troca de migalhas! Esse mesmo comportamento é reproduzido em demasia nos sistemas políticos, religiosos e empresariais de vários países.

A frase usada como abertura desse texto, dita por gladiadores antes de entrarem em combate nas arenas para lutarem e destroçar pessoas que nunca viram, quem nunca fizeram nada um ao outro, com função apenas de entreter e gerar lucro para gente poderosa e distrair a classe de escravos alienados, alheios ao seu próprio poder como povo é repetida voluntariamente todos os dias. A política do pão e circo não ficou apenas nos dias da antiga Roma, mudou-se apenas os protagonistas, mas o roteiro é o mesmo.

Uma cultura escravocrata com efeito de exploração pelos “poderosos” desde os mais antigos tempo fez com que muitos personagens realmente influentes viessem a servir de fantoches, de entretenimento fútil para certas classes, enquanto veem de longe a exploração alheia ou assistem de muito perto a sua própria destruição sem nada fazer. Tudo isso em troca de fama, sucesso, ou atenção de pessoas consideradas importantes nas sociedades. Quem gosta de migalhas é pombo, já o disse em outro texto!

Ainda que não saibam disso, poderosa mesmo são as massas! É do povo que emana o poder e não dos “poderosos”. Do povo, para o povo e em benefício do povo! É assim que deveria ser! Fazer com que eles entendam isso é que se torna tarefa difícil.

Dividir, conquistar e governar! Esse tripé é a base para manter um povo alienado a sua própria força de expressão que podendo ser protagonista de sua própria história, se deixam ser plateia ou gladiadores e ter suas vidas dirigidas por roteiros macabros, cuja finalidade principal seja a de ser explorado do início ao fim de suas vidas.

Não se faz necessário apelarmos para teorias de conspirações para mostrar o quanto nos deixamos ser iludidos em troca de bobagens. Certas teorias de conspiração tem serventias bastante úteis se não levarem ao extremo da coisa. Só precisamos prestar atenção sobre como as relações entre as pessoas tem sido construídas dentro de certas sociedades e como elas deveriam ser para termos uma sociedade mais justa.

A exemplo das sociedades cristãs e monoteístas por exemplo, em que os cidadãos são ensinados a venerar a uma divindade com receio de serem punidas caso o desagrade em algo a divindade superior e seus líderes representantes, temos o efeito desse relacionamento refletido em diversos segmentos sociais, onde desde cedo somos ensinados a bajular hierarquias para ascendermos em alguma função enquanto destruímos ou passamos por cima de nossos semelhantes, dos que realmente lutam pelajas iguais as nossas. Matamos, perseguimos e desprezamos uns aos outros em troca de um “afago” de gente “poderosa” ou até de um autógrafo de uma “celebridade”.

Se não há ninguém melhor ou superior a ninguém, devemos nos enxergar como peças igualmente necessárias para o bom funcionamento das engrenagens sociais e não como gente abobalhada que precisa se fazer de tapete de líderes políticos, religiosos, empresariais, artistas e juristas para se acharem importantes.

Se tivermos de lutar, que seja contra os que nos oprimem e não contra aqueles que igualmente a nós podem estar sendo massa de manobras ou vítimas do próprio egoísmo. Identificar em que direção devemos aplicar nossa força de ataque ou resistência é tão importante quanto fazer a seleção das armas de combate. Enquanto perdemos tempo combatendo uns com os outros, os que nos subjugam ocupam seu tempo criando outros meios de manipulação. Tem sido assim há séculos. É hora de acordarmos!

A política de pão e circo só vai acabar quando gladiadores deixarem de entreter a plateia e somar suas habilidades para a construção coletiva com o povão e não usar suas habilidades físicas ou intelectuais para destruir escravos semelhantes a si mesmo.

Fazer política sem fazer politicagem deveria ser uma meta a ser buscada do mesmo modo que os féis buscam paraísos imaginários. Os céus e os infernos podem estar à altura nossa capacidade de avaliação e reação. Pensem nisso!

Saúde e sanidade a todos!

Texto escrito em 17/1/18

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 17/01/2018
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