Nota da autora: Escrevi inspirada naquela música With arms wide open do grupo Creed. Não paro de chorar desde que ouvi. Fazia muito tempo que não escutava e bateu de repente uma tristeza, uma saudade. Peço para que não julguem meu texto como ruim ou frívolo, só espero poder publicá-lo como uma forma de expressar sentimentos que queriam jorrar de dentro de mim.
 
Nem sempre é possível tirar um ano sabático, jogar tudo para o alto e sair pelo mundo em busca da paz. Nem todos têm esse privilégio. Nem sempre é o caminho, em primeiro lugar porque se sua alma necessita de descanso, pequena lagarta, você pode estar jantando no bistrô mais renomado de Paris e não sentir alegria, mesmo que as fotos no Instagram façam inveja a muitas pessoas porque as fotos nunca retratarão a realidade como ela é, porque se trata aqui de algo subjetivo, o conceito nunca é o mesmo para todos.
É possível viajar, sim. E sem fazer as malas para ir longe. Lendo, naturalmente. Mas você pode mergulhar fundo em sua alma, por mais que pareça detestável, pode te ajudar, se você tiver paciência de gastar alguns minutos neste texto que escrevo com base em mim mesma, nesse processo que estou vivendo. Mesmo ainda estando bastante quebrada por dentro, queria ajudar alguém sem querer nada em troca.
Fazer análise de consciência é um ato de coragemParar por um tempo sem, necessariamente, se estagnar. Decidir de uma vez por todas acarear seus monstros interiores a fim de conhecer sua outra face através deles, sem negá-los, abstendo-se de quaisquer sentimentos permeados de rancor e ódio.
Esses monstros que você teme são espelhos de todos os tipos e tamanhos, mostram apenas as versões retalhadas e distorcidas de você. Deparar-se com eles é tomar um milhão de sustos e sentir uma vergonha tão grande que dá vontade de procurar um buraco, cavá-lo com afinco e se esconder ali para sempre.
Esses espelhos expõem seus defeitos, suas falhas de caráter, suas atitudes mesquinhasSua consciência é sua juíza. Você cobre o rosto para não ver os reflexos turvos, tenta tampar os ouvidos para não ouvir a dor, mas não pode negar que essa face oculta existe.
Confesse que por inveja você já odiou alguém que não conhecia porque queria algo que parecia importante com base nos valores que você tinha ou torceu contra uma amiga, fez uma fofoca que embora parecesse inocente, magoou muito alguém. Você já levantou falso testemunho, julgou dores que não sentia por egoísmo ou falta de maturidade, num momento de raiva falou “verdades” que destruíram uma amizade, partiu corações por despertar ilusões sem ter interesse nem intenção de corresponder ao afeto, nem sempre teve humildade de reconhecer suas imperfeições, preferiu apontar culpados e se nunca soube perdoar, também nunca aceitou o perdão, guarda consigo mágoas passadas que não têm mais nenhuma serventia senão deixar a alma pesada como uma nuvem de chuva, por sentir que tantas pequenas decepções oriundas da infância  feridas que nunca receberam cuidados e continuam abertas  se convertem nesse medo quase insano de ficar sozinha como aquela garotinha esquecida no portão da escola.
Chega o momento em que você decide aceitar que todos esses sentimentos são inescapáveis porque fazem parte da natureza humana. Ciúmes, inveja, raiva, ódio, medo, insatisfação, desejo. Você os reconhece e dá um passo importante para que esse processo seja exitoso em seu intento.
Quando você era criança sentia a necessidade de ser a menina mais bonita, comportada, inteligente porque era incutida a comparação com aquela sua prima rica que tinha todos os brinquedos da moda e era colocada como o “padrão”, aquela menina popular da sua classe que tinha a atenção de todos e vivia rodeada de amigos, admiradores. Você buscava compensar a insatisfação tirando as notas mais altas (ou ao menos se esforçando para tal), se sentindo medíocre quando alguém te ultrapassava no posto de “primeira da turma”. Você tentava comprar o amor dos outros os bajulando, seguindo modinhas que nem sempre condiziam com os seus valores, tentando caber em lugares onde sua presença não era bem-vinda.
E mesmo assim nunca era o bastante...
Você cresceu acreditando que a vida era uma eterna competição de quem é mais bonita, mais magra, tem mais amigos, chama mais a atenção dos meninos, tem as roupas mais bacanas. Ninguém deve ter dito a você que abrir mão de ser única para não passar de outra produção em série é um dos maiores geradores de insatisfação.
Você cresceu e continuou querendo ser a filha exemplar, a boa amiga que tenta fazer a social com todo mundo, ainda que seja sempre avulsa no dom da vida; aquela que sacrifica o corpo com dietas suicidas para vestir uma peça de manequim 36, que clareia os cabelos escuros para seguir a ditadura do loiro platinado ou do ruivo (embora o seu ruivo nunca seja o natural como o daquela atriz da novela das sete), que aceita ser contatinho de uma pessoa que não dá a menor atenção para você porque acredita não merecer nada melhor. É disso que ele gosta, dessa insegurança que infla o ego dele que aprecia sobremaneira ter a figura frágil ali, a pombinha que aceita as migalhas dadas de má vontade porque estar na zona de conforto o protege, de viva-voz jamais assumirá que seu patamar de importância na vida dele é nulo. Não adianta nutrir inveja daquela fulana e pensar que ela é melhor do que você. Agindo assim, essa alma que já está escangalhada irá para a UTI. Porque, por outro lado, você não enxerga que quem mais precisa de amor está à sua frente, no reflexo que você nega, por tanto se odiar, chorando por um amor que nem existe enquanto a vida quer te preparar para o amor que você realmente merece.
Quando eu te sugeri o mergulho interior foi para que você tirasse um tempo a sós para repensar sua vida. Se o amor não vem de livre e espontânea vontade, não importa quantos presentes caros você dê, quantas vezes você estenda a mão, quantos poemas você escreva, quantas noites em claro você ofereça seu carinho, sua presença, seu apoio, não haverá reciprocidade, dará no mesmo que bater numa porta trancada de um cômodo vazio. Você nunca será a prioridade e a insistência desgasta a dignidade.
Você não nasceu para perseguir um padrão que te machuca. Você não veio ao mundo apenas para ser a imitação barata de outra pessoa. Você está aqui para isso mesmo, se desconstruir, mergulhar em si e nunca deixar de nadar com todo vigor porque suas cicatrizes fazem parte de quem você é porque se elas existem, são sinais de que uma grande batalha foi vencida, um legado deixado, alguma lição foi aprendida. Haverá muitas outras nesse ciclo norteado por altos, baixos e trechos íngremes, quase intransponíveis.
Você faz às pazes com o espelho, com as peculiaridades que antes te incomodavam e no fim são tão adoráveis, reconhece seus pontos fracos e segue na luta para se transformar numa pessoa melhor, não a mais perfeita, nem a que sabe tudo de tudo, mas aquela que se esforça dia após dia para fazer valer cada segundo concedido, que quando cai não reclama do tombo, da dor e dos ferimentos, procura pensar nos aspectos positivos que existem por trás de um sofrimento, de um imprevisto, de uma perda que te obriga a recriar todo o seu mundo, refazer os seus planos e compreender que sonhos não morrem, apenas adormecem; alguns podem perder o sentido quando você amadurecer e se tornar menos dependente de pessoas e seus pré-conceitos, outros por não condizerem mais com os seus valores, todavia aqueles que ainda fizerem seu coração acelerar para valer, você deve empenhar todos os seus esforços para realizá-los, nem que encontre obstáculos no caminho, nem que demande tempo, pauta para outro texto onde eu possa me estender a respeito desse assunto.
Não espere que alguém parta o seu coração para que haja a necessidade de se recolher para se refazer. Presenteie-se com amor próprio. Busque descobrir quem você realmente é e mesmo que haja várias páginas em sua história que te envergonhem, lembre-se de que os erros ensinam com o rigor que lhe convêm. Se não fosse por eles, você não seria quem é. E não adianta tentar fugir da sua sombra, daquilo que faz o seu coração bater mais rápido, daquele reflexo que te encara diante do espelho. 
Fugir de si mesma não reconstrói os pedaços do seu coração. Apanhe a vassoura e a pá, faça uma varredura nessa alma tumultuada, deixe que a música te toque a fundo, recolha todos os cacos. Vai machucar, sim. Você porta em mãos um material frágil e enquanto procura se reconstruir — algo que não se dará da noite para o dia —, tem a oportunidade de meditar.
Vai levar um bom tempo até que você consiga falar de alguém especial que se foi sem ter uma crise de choro (ainda que um pequeno nó se forme no alto da garganta, vai ser mais fácil conviver com ele) e relembrar o fim de um sonho, de um relacionamento, de um ciclo de mentiras, de qualquer coisa que sugue sua energia sem necessariamente trazer à tona todas as emoções referentes. Por isso, abro parênteses para reforçar o quanto é importante ser persistente porque há um grande risco de recaída que te faça desistir. De tanto persistir, a tristeza se torna um vício.
As drogas lícitas te blindam da realidade que você não quer ver, rebocar o vazio da alma sem entender o motivo de ele ser tão grande, escuro e profundo. As ilícitas fazem com que você pule dentro do vazio e seja sugada por ele, sem conseguir, no entanto, retornar à superfície porque pular te proporciona à adrenalina que a rotina morna roubou com o seu pragmatismo tolo.
A tristeza é tão nociva quanto qualquer uma delas. Nos primeiros tempos é tão normal não sair do quarto, comer sem sentir o sabor da comida, por obrigação ou compulsão, querer ficar só e ao mesmo tempo desgostar da companhia, dormir para esquecer que um coração partido ainda bate ou varar a noite sem saber o que fazer para que essa ferida deixe de doer.
Num dado momento, você se cansa de derrubar lágrimas e aprende a chorar sem fazer tantos ruídos. Sua alma grita pedindo socorro e você finge não escutar. Essa melancolia não é algo passageiro e o casulo é como aquele cobertor do qual você não quer sair porque é quentinho, seguro, te protege de se machucar de novo, de se apaixonar outra vez, de tentar o que quer que seja porque você está cansada demais até para ouvir lições de moral.
Então, você entende o porquê de eu ter parecido um pouco chata lá no começo. Temos por hábito julgar e se é penoso se livrar do vício da tristeza, do de condenar dores e pecados, procede da mesma forma. A empatia se desenvolve através da vivência. Nunca é tarde para desenvolver essa virtude sem hipocrisia. Ela abre seus olhos. Agora você entende que quando aquela pessoa dizia que queria ficar sozinha, havia o desejo implícito de que alguém ali ficasse, nas mãos dela segurasse e se não soubesse o que fazer para auxiliar, oferecesse o que de mais precioso alguém pode dedicar ao próximo além do amor incondicional, o tempo.
Enquanto você sente prazer na dor e se questiona sobre tudo o que viveu, as recaídas são completamente aceitáveis porque servem de trampolins para que você não fuja de situações que precisam ser resolvidas. Não se preocupe, nem tudo depende apenas do seu querer. Se ainda é difícil perdoar alguém que te magoou muito, tudo bem, apenas se muna de forças para vencer o vício da tristeza porque a alegria te ama tanto, é aquela amiga que te quer bem e se desdobra em mil para te ver feliz.
Se você não tem uma amiga assim, seja essa pessoa. Para você mesma. Para alguém. Seja por ser. A reciprocidade nem sempre está ao nosso alcance.
Enquanto você se refaz, abrindo mão de tudo o que perdeu o sentido, reconhece que há grandes qualidades que não devem nem merecem ser escondidas por trás de complexos de inferioridade fomentados por padrões opressores que não deveriam te regrar nem limitar, porque enquanto você coloca seu coraçãozinho quebrado (e colado) para secar num cantinho onde todas as manhãs o sol acarinha, se faz perguntas que até então nunca lhe ocorreram, se dá ao direito de não responder outras e não mais aceitar menos do que merece.
A questão nunca será apontar culpados e inocentes, mas buscar, dentro das circunstâncias, remontarcontextos, reconhecer que em alguns momentos você esteve do outro lado do muro, sem romantizar nada, com modéstia dizer em voz alta ou até escrever, se preferir, que partiu um coração, não empenhou o seu melhor quando poderia, viveu um sonho que não era seu, não se tratou com carinho, nem sempre soube ser gentil e ter gratidão pelas pequenas coisas que hoje te fazem tanta falta.
Se você se arrepende verdadeiramente de ter partido corações, peça perdão. Se for possível procurar a pessoa, não se envergonhe de expor seus sentimentos, não autorize que o orgulho e a vaidade de ser a dona da razão tolham uma atitude que pode curar um coração. Se a outra parte não corresponder, não se sinta ridícula nem medíocre, respeite os motivos porque se você estivesse no lugar dela, talvez agisse da mesma forma. Se não for possível mais procurar esse alguém por inúmeros motivos, escreva uma carta, inclua-a nas suas orações, nunca sinta vergonha por ser real e verdadeira.
Nessa onda de perdão, não se esqueça de você. Perdoe-se por ter machucado seu corpo com aqueles cortes e arranhões, pelos jejuns prolongados ou pelos excessos desavisados, por toda e qualquer forma de maus tratos que você tenha se submetido. As outras pessoas poderão partir da sua vida sem avisar, sem te preparar para tal, porque elas tinham um propósito a cumprir e algo para te ensinar, mas você nunca poderá fugir de você mesma, por isso é tão importante que você decida, dentre todas as alternativas espalhadas em cima da mesa, se colocar em primeiro lugar.
Todo esse tempo dedicado a remontar os cacos quebrados do seu coração pode parecer sem propósito quando você não enxerga a saída para uma situação, a luz no meio da escuridão, mas jamais será em vão. Mesmo que você nunca mais volte a ser quem era, que a inocência acene de um porto distante, você cruza as tábuas de uma suntuosa ponte rumo à evolução pessoal.
 
Abra as asas, querida borboleta. O mundo espera por você!
Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 13/07/2018
Código do texto: T6389487
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