Discurso de Posse na Academia Votorantinense de Letras, Artes e História - AVLAH (31/01/2015)

Senhoras e Senhores, boa noite!

Ser membro de uma Academia de Letras, Artes e História! Ser membro da Academia Votorantinense de Letras, Artes e História! Que convite mais honroso! Um convite que nos remete à reflexão de que este título não pode representar apenas mais um diploma pendurado na parede, ou um novo e importantíssimo status. Representa, sim, uma nova responsabilidade, pessoal e coletiva, pois, é uma oportunidade ímpar de aprimoramento intelectual, ético e de sensibilidade.

E é uma oportunidade ímpar e áurea, porque as Letras e as Artes escrevem, pintam, esculpem, moldam a História da Humanidade.

Que grande responsabilidade, portanto, a nossa, caríssimos acadêmicos, senhoras e senhores!

Agradecemos, pois, em primeiríssimo lugar ao Grande Arquiteto do Universo, pelas bênçãos desta hora; agrademos ao amigo e agora confrade Aristides Vieira Fernandes, pelo dignificante convite, bem como aos demais acadêmicos, os quais estão nos recebendo não apenas como simples confrades, mas, acima de tudo, como irmãos. E agradecemos, também, a todos os que estão prestigiando esta cerimônia, pois sua presença coroa este momento inesquecível.

Mas, considerando-se que estamos assumindo a categoria das Letras, gostaríamos de aproveitar o ensejo, antes de apresentar nosso patrono, refletir com todos, sobre:

O que é “poesia”? E o que é um “poeta”? E o mundo precisa de poesia e de poetas?

Os dicionários definem “poesia” como uma “composição em verso (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de ideias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas etc.”

Ainda, como a “arte de excitar a alma com uma visão do mundo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem; manifestação da beleza ou do sentimento estético por meio da palavra, em prosa ou em verso; aquilo que há de elevado e comovente nas pessoas ou nas coisas; o que desperta o sentimento do belo.”

E o que é um poeta?

Os mesmos dicionários definem “poeta” como “pessoa que compõe poemas; aedo; vate. Pessoa alegre e despreocupado do futuro; boêmio. Ou, também, “aquele que tem imaginação inspirada; aquele que é dado a devaneios ou tem caráter idealista.”

Mas, este extraordinário mundo moderno de avançadíssimas máquinas e meios de comunicação precisa de poesia?

Chaplin, o Eterno Palhaço, nos exortava, em “O Último Discurso”, com o qual finalizou o filme “O Grande Ditador”, que nós não somos máquinas; homens é o que somos, e com o amor da humanidade dentro de nós.

E, se somos realmente homens, seres humanos, coroados com a razão e se temos o amor da humanidade dentro de nós, então a poesia, essa arte de excitar a alma com uma visão do mundo; a poesia, essa manifestação da beleza ou do sentimento estético por meio da palavra; a poesia, que é aquilo que há de elevado e comovente nas pessoas ou nas coisas e que desperta o sentimento do belo, é uma bandeira, um pavilhão, um estandarte, um pendão, um lábaro, que “ostentas, estrelado”. E diga o verde-louro dessa flâmula”: poesia no passado, poesia no presente e poesia no futuro.

Salve, poetas, poetisas! Estes seres que percorrem, solitariamente, todas as estradas e todos os atalhos da vida e dos sentimentos humanos. E, por todos os caminhos, vendo e sentindo o que poucos seres humanos veem e sentem. E sonhando sonhos que muitos sequer sonham em sonhar.

Este é o destino de um ser solitário, que, na solidão de seu ser, faz-se a voz, os olhos, os sentidos de multidões mudas e cegas de sentimentos transcendentes, e que, muitas vezes, os veem como insensatos, alienados, loucos, insanos, dementes, o que nos faz lembrar o pensamento de Nietzsche, quando disse que “Aqueles que eram visto bailando, eram considerados loucos por aqueles que não podiam escutar a música.”

Mas, são esses andarilhos, esses caminhadores, esses andejos, esses errantes, esses erradios, esses nefelibatas, Peregrinos das Nuvens, que, após a temível tempestade, pintam o céu com as cores íris do Arco-de-Deus.

Salve, poetas, poetisas! Salve, Arautos da Beleza!

O nosso patrono, no entanto, não foi um poeta, no sentido estrito da palavra, mas o foi plenamente na tessitura de sua prosa.

O nosso patrono “foi um grande Educador, que afirmava que ‘ensinar é como um ato de alegria, um ofício que deve ser exercido com paixão e arte. É como a vida de um palhaço que entra no picadeiro todos os dias com a missão renovada de divertir. Ensinar’ – segundo ele – ‘é fazer aquele momento único e especial. Ridendo dicere severum: rindo, dizer coisas sérias, mostrando que esta, na verdade é a forma mais eficaz e verdadeira de transmitir conhecimento.’”

O nosso patrono afirmava que “Todo conhecimento começa com o sonho. O sonho nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina, brota das profundezas do corpo, como a alegria brota das profundezas da terra. Como mestre’ – ele dizia - só posso então lhe dizer uma coisa. Contem-me os seus sonhos para que sonhemos juntos.”

O nosso patrono explicava que “Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar.” E que “Ler é fazer amor com as palavras.”

O nosso patrono, em não sendo um poeta, sobre eles os entendia com sua alma, explicando que “O desejo que move os poetas não é ensinar, esclarecer, interpretar. O desejo que move os poetas é fazer soar de novo a melodia esquecida.” E, para ele, "Essa é a missão da poesia: recuperar os pedaços perdidos de nós."

O nosso patrono, um teólogo que o foi, era alguém que sentia Deus de uma forma diferente e transcendente de alguns religiosos. Para ele, “Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos. Deus vê o mundo com os olhos de uma criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar.” E, sentindo Deus de forma tão peculiar, disse um dia: “Faz tempo que para pensar sobre Deus não leio os teólogos, leio os poetas.” E, para ele, “Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves do céu, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério. É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.”

O nosso patrono, um dia refletiu que: “Minha vida se divide em três fases. Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo E era habitado por deuses, verdadeiros e absolutos. Na segunda fase meu mundo encolheu, ficou mais modesto e passou a ser habitado por heróis revolucionários que portavam armas e cantavam canções de transformar o mundo. Na terceira fase, mortos os deuses, mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos, meu mundo se encolheu ainda mais e chegou não à sua verdade final mas a sua beleza final: ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida.” E, vendo a vida na sua forma mais simples e mais pura, declarava: “Amo aqueles que plantam árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra. Plantam árvores para dar sombras e frutos para aqueles que ainda não nasceram.”

O nosso patrono foi um intuitivo psicólogo que percebeu que “Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe.”

Finalmente, o nosso patrono foi um sonhador. Talvez o maior dos sonhadores, que garantia que “Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode até ser que morra de repente. Mas morrerá em pleno voo...”

E foi em pleno voo que nosso patrono, o psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro, autor de livros religiosos, educacionais, existenciais e infantis. Considerado um dos maiores pedagogos brasileiros de todos os tempos, um dos fundadores da Teologia da Libertação e intelectual polivalente nos debates sociais no Brasil. Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no dia 19 de julho de 2014, em Campinas, por falência múltipla de órgãos, viu aberta a porta de sua gaiola física e empreendeu o grande voo dos pássaros livres, planando de volta às dimensões de luz, pois a imensidão é o seu destino, a plenitude, o seu regaço; ele, que por tantas terras da imaginação percorreu; que por tantas existências viveu na finitude da vida terrena; ele, que teve por inevitável fado o desabrochar da luz, da luz que arde, da luz que queima, qual fogo amigo em noites frias aquecendo reminiscências. Ele, que tem por horizonte o infinito, e seu caminhar alígero, a pressa de chegar; chegar ao porto d’outras conquistas. Ele, que nesta cósmica metáfora, fechou as portas do passado, pois, agora, é futuro, neste eterno agora!

Este é o nosso patrono! Este é RUBEM ALVES! Para sempre!

Obrigado! E que Deus abençoe a todos!

FONTES DE PESQUISA

Wikipédia: a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Rubem_Alves >.Acesso em 25/01/2015.

Site Pensador. http://pensador.uol.com.br/pensamentos_de_rubem_alves/ >.Acesso em 25/01/2015.

Site kd frases. http://kdfrases.com/autor/rubem-alves>. acesso em 25/01/2015.