Esclarecimentos

O texto literário de Clarice Lispector é um texto filosófico. “O ovo e a galinha” é o conto que lança luz sobre as questões do humano, portanto, podemos pensar, a princípio, o ovo como objeto da filosofia. Discutimos na aula de hoje com a Prof.ª Eliene, na disciplina Filosofia da Educação, o que é o tempo e o espaço – e no conto – a escritora abre a narrativa, problematizando esse tempo espaço. “O ovo presente” é um ovo milenar “visto há três milênios”. É tão difícil manter uma atenção, esclarecer uma verdade ou raciocínio lógico diante de um ovo: objeto tão hermético quanto a língua literária dessa escritora misteriosa. Com a leitura desse conto não há quem não faça a pergunta essencial, basilar da filosofia: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Sem uma resposta ainda previsível, me pergunto novamente: de onde eu vim? quem eu sou, para onde vou, só Deus sabe, pois no princípio era "o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." Parafraseando a conhecida citação de Gênesis.

O narrador do conto quer desvelar o ovo, enquanto o leitor já está a perdê-lo de vista. Agora, eu assumo a posição da galinha; uma galinha desorientada, e quando penso o ovo, eu me oriento, saio da animalidade para a racionalidade e descubro através do meu olhar (o olhar narrativo) que o ovo existe, logo, eu estou fazendo filosofia. Não encontrei a verdade absoluta, ainda estou na especulação desse estranho opaco e transparente ovo chocado. É interessante pensar o conto em forma de ovo, tem casca, não é vazio, tem clara, tem peso, leveza e um sol imenso dentro dele: a gema do ovo amarelo ouro. Está tão claro para mim que o ovo é o conhecimento. E o que tenho a dizer é tão pouco, tão pequeno, que preciso dizer na proximidade de finalizar a leitura do conto, o quanto Clarice não diz: tudo é um não dito. A teoria literária vai nos dizer como Clarice trabalha a linguagem em não-ditos e vai adiando o que poderia ser, e não foi.

Mais ainda, o narrador no meio do conto entra em devaneios, esquece do ovo à medida em mergulha profundamente no interior do ovo, agora o ovo não é mais o conhecimento, como primeira presunção; o ovo é a minha consciência. O filósofo Kant em resposta “à questão do Esclarecimento” nos diz que vivemos em uma época de esclarecimentos. O narrador do conto esclarece o amor, quando diz nas primeiras linhas: “A gente não sabe que ama o ovo.” É tempo de sair do ovo, recriar o novo mundo da pintura “Ovo Cósmico” de Salvador Dalí. Esclareça quem você é, de qual lado você está, não é hora de permanecer na neutralidade de ovo. A linguagem é esse sistema em falta, o qual no final das contas nada está esclarecido porque tudo é limitação. O ser humano não dispõe das condições necessárias de pensar por si mesmo, ele transfere as responsabilidades para um “deus acima de todos” e se anula e foge do debate da vida, da esperança de Pandora. Vamos todos como irmãos da fraternidade romper esse ovo gigante e nascer de novo, pois estamos todos mortos.

Ricardo Neto de Oliveira Mota
Enviado por Ricardo Neto de Oliveira Mota em 14/10/2018
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