O COMPASSO

Nascemos às pressas, e carecemos desde aquele momento apenas uma vida. Conhecemos o mundo em tons de brim azulado, amparados pela sorte andamos com dificuldade, os sonhos mistos de dor que nossos pais contam em narrativas extraordinárias caricaturam seu passado e no mesmo passo largo nos tomam violentamente para nosso futuro. A morte se apresenta, e aos olhos semiabertos enxergamos uma mulher de vestido branco, cortejamos a com nossa mortalidade invulnerável, e ao caminhar em nossa direção, enevoada pelos nuances da casualidade, deparamos com um espectro carrancudo e oco, que não difere, e sua imparcialidade nos assombra. Nos escondemos ao pé da estátua, no entanto sua sombra paira num céu sem estrelas cada vez que um fio branco transcorre as várias cicatrizes deixadas pelo tempo.

Sonhamos com a vida, ambientamos com dificuldade uma praia isolada, e sua beleza cega com facilidade, nos tornamos nômades, andando para chegar ao ponto de ônibus mais próximo. Saciamos o prazer com lembranças borradas, filmes expressam-se debilmente a frente de nossos anseios, paramos por um minuto inteiro e o silêncio acaba por nos enforcar. A beleza se materializa muitas vezes diferente do que imaginamos, passinhos gentis se formam no corredor que existe em nossa mente, e antes mesmo da maturidade criar raízes, esculpimos uma única palavra na nossa testa, família. A rua bifurca muito estreita para tentar segui-los, as mãos cruzadas se soltam, os sorrisos que um dia se encorparam de alegria, transmutam-se numa moldura em cor sépia de mesmo aspecto de ontem, contudo desbotado.

A visão esclarece o significado do primeiro grito, e não importa se a dor da carne exprime gritos mais violentos que aquele, a hora se desenrola devagar e com calma, e prestando atenção, a voz dela lhe alcança. Passo a virgula, o ponto e a exclamação no final se comporta diferente do que havia planejado no início. Lhe acompanho de bom grado, esqueço, e apenas vou, sem olhar para trás.