O MOTIVO DE NÃO TERMOS DEMOCRACIA NO BRASIL

Texto analítico de “Como as Democracias Morrem” e o estabelecimento de uma relação com a política brasileira.

Estaria a democracia brasileira em risco? Com a chegada à presidência de Jair Bolsonaro, essa pergunta é cada vez mais recorrente, porém não há nenhum fator que precisamente nos informa que a resposta é positiva. Esse texto busca trazer algumas informações a respeito do livro “How Democracies Die” de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, as quais permitem ampliarmos nossa visão sobre alguns fatores de grande influência em um suposto processo de fragilização democrática, sejam esses impulsionadores ou retardadores.

A ASCENSÃO DE UM AUTORITÁRIO EM POTENCIAL

Quando se trata do enfraquecimento de qualquer regime democrático, é estritamente óbvio que é necessário que alguém represente o papel do autoritário, que irá restringir o poder público para seus aliados e apoiadores. Sendo assim, em um primeiro momento devemos pensar, o que permite que esses autocratas cheguem ao poder? Já que, como podemos observar, é rara a forma “clássica” de tomada do poder, onde alguém sem apoio popular usa da força militar para governar de forma autoritária. A partir disso, levemos em consideração que diversos regimes democráticos de todo o mundo estão sendo enfraquecidos de modo “perfeitamente” legal e façamos uma pergunta para nós mesmos, como isso acontece?

Em um primeiro momento é necessário um motivo, um fator, um acontecimento que leve as massas a ficarem com medo, um medo que, de certa forma, irá fazer com que estas busquem confiança em algo novo, que conseguirá criar uma zona de conforto (a princípio com promessas e ameaças) para o povo. Esse alguém no qual as pessoas enxergariam semelhança, física e moral. Esse suposto medo é altamente variável em decorrência do espaço e tempo em que está sendo vivido, e vai desde o Império Persa contra a Grécia, um atentado terrorista como o de 11 de setembro até “o medo do Brasil ter o mesmo destino da Venezuela” ou “a ameaça comunista” (rotineira durante a Guerra Fria).

A ascensão de um autocrata em potencial (cuja identificação está presente na página 33 do livro e no final do texto*) sempre vem acompanhada de uma ameaça ao país, que servirá como justificativa para apoiar um candidato que “tem seus problemas, mas irá nos livrar dessa ameaça”, são esses os momentos de maior fragilidade democrática. Além disso, outros fatores podem ser trazidos a tona para serem utilizados como uma forma de persuadir o povo às suas ideias, como foi o caso de diversas ditaduras socialistas, com a promessa de uma vida melhor, igualitária e justa.

Depois desse ganho de apoio em grande escala, existem outros processos em que essa personalidade deve passar para colocar suas ideias em vigor. Em um primeiro momento, ele deve criar condições para uma subida ao poder, ou seja, uma eleição. Cabe a ele escolher um partido que acolha suas ideias e concorde em colocá-lo à escolha do povo, normalmente, essas alianças acontecem pois determinado partido enxerga a oportunidade de subir ao poder com esse novo representante, ou então conter crises e agitações, o maior problema desse processo é que é comum a repetição de um mesmo erro: Os partidos acharem que podem controlar um autocrata em potencial.

O PROCESSO DE SUBVERSÃO DA DEMOCRACIA

Contudo, nada é tão inovador a ponto de ser imprevisível: Ao longo da história dos regimes autoritários, o processo de subversão da democracia seguiu e segue alguns padrões, no livro, compara-se esse processo com a tomada de uma partida de futebol, “Para consolidar o poder, autoritários potenciais têm de capturar o árbitro, tirar da partida pelo menos algumas das estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo e virando a situação de jogo contra seus oponentes”.

O árbitro se refere às instituições que regem a autoridade no país, como estamos tratando do Brasil, tomamos como referência os ministérios (como reforço do poder executivo), o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. A partir do momento que o presidente da república tem todas essas instituições a seu favor, é permitido que ele imponha a lei de maneira seletiva, punindo oponentes e favorecendo aliados.

Após esse processo de captura dos árbitros, o novo governo possui condições para agir com impunidade, sendo assim existem diversas ações quase sempre recorrentes na ascensão de ditaduras, cujas são; suborno ou simplesmente a tomada das principais redes de transmissão de informação do país e eliminação de figuras importantes da oposição que tenham condições de fortalecê-la, que variam desde figuras políticas importantes, grandes financiadores deles e atuantes do meio artístico que usam seu produto como resistência.

AS NORMAS MORAIS DE PROTEÇÃO À DEMOCRACIA

Tendo em mente os principais processos utilizados para subversão da democracia, surge a questão: O que impede que um autoritário em potencial suba ao poder? Já foi mostrado que os partidos políticos podem e devem se privar de alianças fatídicas, se tornando então os guardiões da democracia, mas todos nós sabemos que ninguém sobe ao poder desacompanhado, então qual deve ser a postura de cidadãos e políticos como grades de proteção democráticas?

É possível afirmar que uma constituição que estabelece um regime democrático, de certa forma, não garante seu funcionamento, é preciso algo maior, que não pode ser escrito, uma norma moral. Com objetivo de fundamentar melhor a ideia, usemos como exemplo o futebol de rua, a famosa “pelada”. Um jogo que na teoria está desprovido de regras, mas na maioria das vezes funciona perfeitamente. Isso ocorre porque a atividade está cercada de normas morais, como por exemplo:

> O goleiro só pode pegar a bola com as mãos quando estiver perto do gol, considerando que a linha da área não estará traçada.

> Caso um time tenha determinado benefício em relação ao esporte convencional, o outro também terá, se um time cobra o escanteio com a mão por exemplo, o outro também terá esse direito.

A democracia carrega diferenças evidentes em relação ao futebol de rua, sendo a principal delas a presença de regras escritas, porém, assim como tal, são necessárias normas morais para se tornarem grades flexíveis de proteção do regime, que impedirão que o dia a dia da competição política se transforme em luta livre.

A primeira dessas normas é denominada por Daniel Ziblatt e Steven Levitsky como tolerância mútua, essa que “diz respeito a idéia de que enquanto nossos rivais jogarem pelas regras institucionais, nós aceitaremos que eles tenham direito igual de existir, competir pelo poder e governar. Podemos divergir, e mesmo não gostar deles nem um pouco, mas os aceitamos como legítimos. (...) Dito de outra forma, tolerância mútua é a disposição dos políticos de concordarem em discordar”. A segunda norma é chamada de reserva institucional, e basicamente diz respeito a “evitar ações que respeitam a constituição, mas violam seu espírito”. Ações que violam o espírito democrático são aquelas que tem como intenção unicamente a aquisição de mais poder, e para isso se utilizam de prerrogativas institucionais até seu limite. Podemos usar como exemplo a ausência de reserva institucional no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. A oposição contra seu governo crescia de forma veloz ao passar do tempo, então como forma para tirá-la do poder, as leis foram usadas até seu limite como forma de se opor ao governo. Alguns dizem que o impeachment foi positivo em geral para o país, outros não, mas independente das consequências, a forma como foi realizado foi antidemocrática.

A CRISE CRÔNICA DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Agora que já sabemos como funciona a ascensão de um autoritário ao poder, o processo de subversão da democracia e as grades de proteção do sistema, é necessário entrarmos na questão da alta quantidade de partidos em nosso congresso para então entendermos a crise crônica na qual a democracia brasileira está submetida.

Quando um candidato com características antidemocráticas sobe à presidência, nem sempre essa nova e ameaçadora personalidade tem como objetivo inicial a implantação de um sistema autocrático, porém as circunstâncias futuras podem trazer a implementação dessa ideia. Usemos como exemplo nosso futuro Presidente da República: Jair Bolsonaro. Ele é um homem que diretamente se declara a favor da democracia, mas ele ainda não está lidando com o congresso nacional, onde ele irá encontrar apenas 52 entre 513 deputados de seu partido. Qual será o método utilizado para conquistar apoio de pelo menos 205 desses 461 deputados que estão divididos em outros 29 partidos? Em governos passados, um dos principais métodos foi a tão problemática corrupção (subornos, propinas) ou casos semelhantes (como negociação de cargos). Mas visto que um dos principais objetivos do governo atual é a erradicação do processo, o governo Bolsonaro se restringe a dois processos: A propagação de suas ideias (um caminho difícil e que requer paciência), com debates, discursos convincentes e o respeito das normas de tolerância mútua e reserva institucional ou então a construção de um governo autoritário, com liberdade para realizar o que bem entender. Considerando os aspectos da personalidade de nosso presidente, que é abertamente a favor da prisão de seus opositores, questiona resultados de eleições e possui ao longo de sua trajetória política algumas frases “nada convidativas”, é no mínimo aceitável imaginar que Jair Bolsonaro tende a se voltar para o autoritarismo.

O mais importante que temos que concluir de todas essas afirmações apresentadas não é apenas temer pelos próximos 4 anos de mandato, mas entender o grande problema que acontece com nosso sistema político: Além de nossa política ser baseada no desrespeito das normas morais da democracia, estamos confinados a um sistema onde há uma grande facilidade da entrada de autoritários em potencial, e como se não bastasse aqueles que detém o poder devem escolher entre a corrupção e o autoritarismo.

Brasil: Um país corrupto, autoritário, ou as duas coisas.

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Aron Davidovici, Steven Levinsky e Daniel Ziblatt
Enviado por Aron Davidovici em 02/01/2019
Código do texto: T6540963
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