#EleNão, em defesa da democracia - Discurso de formatura

Furtei-me em dizer, de início, o nome da turma para tecer uma breve explicação sobre os formandos, num cenário de contextualização sociopolítica do Brasil. Os meus colegas bem sabem o quanto esses quatro anos de curso foram emblemáticos para o jornalismo brasileiro, consequentemente, reverberando na formação dos futuros jornalistas piauienses e alguns maranhenses, como eu, presentes na considerada melhor instituição de Ensino Superior do estado.

Formamos uma turma heterogênea em ideias, posicionamentos políticos, processos culturais, concepções religiosas e até mesmo no desempenhar da nossa profissão, pois muitos, inclusive, já atuam no mercado. O Otávio Neto, por exemplo, entrou no curso com a fama de ser um ótimo radialista, lá em Campo Maior, percorrendo, todos os dias, 84 km até Teresina para estudar. E essas diferenças serviram de pontapé para muitas discussões acaloradas em sala de aula.

Uma delas pode ser exemplificada com um debate entre Karol Oliveira e Poliana Oliveira a respeito do papel da mulher na sociedade. A primeira destacou um perfil conservador da mulher do lar, enquanto a segunda rebateu e defendeu uma posição de liderança à figura feminina. Não é que a Karol tenha proposto uma mulher submissa e sempre dedicada aos afazeres domésticos, mas sinalizou a liberdade de escolha desta ao respectivo cenário.

A Poliana jamais pecou naquele ponto de vista. Com muita felicidade, ela elencou que a postura de mulher enquanto zeladora do marido, dos filhos e da casa advém de preceitos machistas e que muito contribuem para números alarmantes de feminicídio e outras agressões que beiram à desumanidade.

A discussão durou uns 15 minutos, muito produtiva, por sinal, culminando em olhares brilhantes da eterna professora Muna Kalil, na disciplina de Linguagem e Produção de Texto II. No final das contas, tanto a Karol como a Poliana trouxeram argumentos confluentes à mesma foz: o lugar de fala não é meu, mas, numa visão feminista, a mulher é dona de si e pode trilhar o caminho que quiser.

Este fato serviu de modelo para mostrar o quanto as diferenças estiveram e estão presentes em nossas vidas e, a partir do respeito delas, manteremos a tão desejada democracia. Não vou dizer que tivemos anos de paz e amor. Longe disso! Houve desentendimentos, mas eles foram contornados com a mesma maturidade que um jornalista deve ter no dia a dia das rotinas produtivas. Conseguimos! Foram dias, semanas, meses e anos de muitos altos e baixos que enriqueceram, na prática, o nosso repertório enquanto comunicadores humanizados.

É aí que entra o nome da nossa turma, cujas objeções foram raras. A Turma “#EleNão, em defesa da democracia” é justamente uma forma que achamos para expor o nosso comprometimento com a manutenção de um Estado Democrático de Direito. E isso só vigora com o respeito às liberdades individuais, dentro dos aspectos legais, de cada um de nós. Não é apenas uma militância antipresidente da República, embora desconheça alguém entre nós que tenha votado em um candidato com declarações que beiram ao neofascismo.

A escolha sobre a expressão que batiza a nossa turma nada contra o machismo, racismo, LGBTfobia, entre tantos outros mecanismos institucionalizados que marginalizam as minorias e mantêm um projeto de tantas injustiças sociais. Afinal de contas, a ONU classifica o Brasil como um dos cinco países mais desiguais do mundo, entre 29 nações desenvolvidas e em desenvolvimento analisadas. O 1% mais rico concentra entre 22% e 23% do total da renda do país. O estudo foi publicado em 2018 pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD).

O país está dividido, mas não é uma divisão saudável em que o direito à liberdade de expressão esteja previsto na Constituição Federal. Pessoas se utilizam deste argumento para propagar o ódio, comemorar assassinatos, glorificar agressões por motivos políticos e extinguir o que nos resta dos Direitos Humanos, sob a pífia alegação que nós bem conhecemos: “Esta geração está de mimimi”.

Mimimi por que um jovem negro foi morto num supermercado por um segurança? Vitimismo por que a travesti Dandara foi torturada até a morte na periferia de Fortaleza? Ou não seria relevante refletir sobre o assassinato de 4.645 mulheres em 2016, de maneira que muito desses homicídios aconteceram pelo simples fato de serem mulheres? Vale ressaltar que muitas dessas vítimas de feminicídio foram mulheres negras. E com muito lamento, a vereadora Marielle Franco entrou para a estatística.

O mais triste é saber que, para muitos, o executor é tido como herói e milhões de brasileiros se tornam cúmplices daquela barbaridade ocorrida na noite de 24 de março de 2018, tendo o silêncio do Estado como mordaça contra quem luta diariamente para não ter o mesmo fim. Marielle, presente! Marielle, presente! Marielle, presente! Enquanto jornalistas, tais críticas sempre devem compor nossos escritos, fotografias, vídeos e todas as outras formas de comunicação.

Os Direitos Humanos, ao contrário do pregam as correntes de WhatsApp, não é uma ideologia de esquerda. Os Direitos Humanos são ideias em prol da vida. Então, acredito que nós, jornalistas, defensores da democracia, temos a obrigação de propagar essa máxima ao longo da nossa árdua jornada profissional. A Turma “#EleNão, em defesa da democracia” está aí para sentar, dialogar, respeitar. Daqui a algumas décadas, imagino os calouros parados em frente a nossa placa comentando sobre as lutas de hoje em paralelo às conquistas de amanhã.

Não apenas ganhos que inflam os nossos egos, porém feitos que transformem a realidade a de um dos estados mais pobres do país. Tenho certeza que fizemos a nossa parte aqui na Universidade Federal do Piauí, principalmente quando se tratam de melhorias às nossas práticas pedagógicas, aulas motivadoras e laboratórios com o mínimo de qualidade. Lembro-me bem de quantas e quantas vezes trabalhamos na base improviso para gravar um programa de TV, diagramar um jornal ou realizar um ensaio fotográfico. Este puxão de orelha é apenas para desejar que o sucateamento do nosso presente se torne apenas uma lembrança dos futuros estudantes.

A credibilidade que a imprensa precisa recuperar vem da boa formação acadêmica. Enquanto a UFPI virar as costas para as Ciências Humanas, em especial ao Jornalismo, sempre perderemos espaço para as correntes de WhatsApp e para as lives e tuítes de um presidente que se desmente a cada declaração dada. Enquanto isso, nós, da Turma “#EleNão, em defesa da democracia”, façamos a nossa parte com um jornalismo engajado com o bem-estar social e não aos interesses de grupos hegemônicos que usam a nossa força de trabalho para se manterem no poder.

Obrigado!