UMA REFLEXÃO SOBRE DISCURSOS REVOLUCIONÁRIOS

CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO DA AECAP (ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO, CULTURA, ARTE E PESQUISA)

Parecem perdidos os discursos revolucionários proferidos enfaticamente no passado por jovens socialistas ou comunistas quando tais ideologias são confrontadas com a pós-modernidade profundamente capitalista e carregada de novas e avassaladoras tecnologias. A dimensão dos avanços e transformações sociais globais faz caducar quaisquer conceitos tão logo acabem de ser formulados.

O contexto real que envolve a sociedade se apresenta palpitante, veloz. Pesquisas no âmbito da Biologia, a exemplo do Projeto Genoma Humano e das células-tronco, a poderosa rede (world wide web) e a corrida espacial que pretende executar um projeto multimilionário de um hotel intergaláctico, mais a informatização/acesso à informação_ diga-se assim_ do processo ensino-aprendizagem colocam os atores(?) sociais em uma versão ultra-moderna do labirinto de Creta.

Qual seria, então o discurso necessário à realidade desse contexto? Quais seriam as tarefas revolucionárias da juventude atual? Os sutiãs já foram queimados pelas feministas, as saias já foram cortadas e recortadas, tabus sexuais estão praticamente desmoralizados, mulheres assumem vanguardas “nunca d’antes navegadas”, homens também.

Em meio às chamadas conquistas de gerações anteriores vive-se, incorpora-se, aceita-se, tolera-se, admite-se, aprende-se a corrupção, a violência, o vício, o crime em geral, são os fios formadores da teia globalização – neo-liberalismo – capitalismo cruel – desemprego estrutural – fome – miséria e a desigualdade social promovida por uma Matemática ilógica e perversa.

Para rebater os otimistas e submissos de plantão, ressalte-se que,qualquer pessoa percebe sim, a existência das exceções, das ínfimas ilhas progressistas e comodamente democráticas. Porém, a maioria da população mundial encontra-se situada no saco venenoso da aranha. As estatísticas, as pesquisas da Sociologia, da Antropologia e da Economia distanciada da esfera do Poder o comprovam.

As idéias do jovem russo Vladimir Ulianov Lenin, em 1920, no Congresso da União das Juventudes Comunistas, incentivavam ao exercício de tarefas inseridas num processo revolucionário, ressaltando-se a dedicação ao estudo e ao conhecimento, buscando soluções para o povo e através da prática social – desviando-se do academicismo e do sectarismo na prática política.

Tais idéias formam uma ideologia beirando o utópico, mesmo se se considerar a situação ideal em busca da qual movimentos são deflagrados. O que Lenin e Marx pensaram continua sendo a alavanca do social e do intelectual, daquilo sobre o que se poderia dizer que vale a pena pensar porque então se existe: “Je pense, d’onc je suis” (René Descartes). Entretanto, o bloco poderoso representativo da civilização humana se comporta a exemplo de uma província no Universo, arraigada, tradicionalista, burguesa, dominante, capitalista, escravocrata, imediatista, academicista, político-sectarista e, incuravelmente iluminista. Agora dois patrões se desentendem – Oriente x Ocidente – e ameaçam ainda mais a perspectiva de paz e igualdade social.

A sociedade do modelo atual se move e se alimenta através das taxas cambiais, do valor do dólar, da competitividade irracional, da produção industrial desenfreada, da devastação da natureza, além de outros mecanismos sugadores do indivíduo enganado com o discurso acometido da osteoporose democrático-cidadã. As palavras tanto constroem quanto destroem realidades. Pode agora ser chegada a hora de deletar a expressão salário mínimo, um tumor que aniquila o ser humano.

Fidel Castro, em 26 de julho de 1968, na província de Santa Clara (ou Las Villas), falou aos jovens sobre a diferença entre ler e viver, e procurou demonstrar-lhes o quanto o país deles era sofrido antes da Revolução. A situação de Cuba hoje remete a algumas questões: O que mantém seu povo aceitando o ponto de vista de Fidel? O que acontece agora que faz de sua mulher a sucessora no Poder? Trata-se de uma monarquia fardada? Trata-se, enfim, de quê?

Fala-se muito de ocidentalização e/ou de orientalização dos países. Queremos também experimentar a fidelcastralização?

Revistas nacionais deste mês de agosto de 2007 referem-se às descobertas das mulheres indianas que estão adotando a moda brasileira, incluindo o biquíni, tudo literalmente “por baixo do pano”. No Brasil, ousaríamos repetir que se quer ”chuva, suor e cerveja”; mais dinheiro; cartão de crédito; farta conta bancária; escolas fechadas; e estádios abertos; pois que “ninguém é de ferro”, diz a voz do nosso povo. Encontra-se distante o dia em que a consciência de nossa juventude se afirme num modelo prático social diferente e, igualmente, numa ética social diferente formando o esperado ”homem novo”. Pergunte-se ainda nesta reflexão se o aparelho educacional brasileiro está apto a preparar a juventude do país para tamanha responsabilidade.

O episódio “caras-pintadas”, na edição Collor, não teve o mesmo gosto e valor da primeira edição. Até há quem diga que houve “orquestração” no último evento. Aliás, “orquestração” tornou-se um termo de uso popular com a acepção de “planejamento”, este no pior dos sentidos, o da manipulação.

A doutrina leninista propunha uma mudança com um pé assentado na herança social e o outro fincado na transformação radical do ensino, da organização e da educação com o objetivo da real formação de uma Juventude Comunista – no que o próprio Lenin antevia uma “série de perigos”. Quais? O primeiro deles e o mais vital, seria a interpretação do que exatamente significa o termo comunismo. Lenin combatia veementemente a divisão dos homens em classes (exploradores e oprimidos), o que sempre vigorou e ainda vigora. O quadro social de hoje, globalizado e em fase de alfabetização digital abre algumas brechas enquanto, por outro lado, se formam “buracos negros” onde possivelmente se situa o futuro. O armamento e a preparação bélica nuclear detonarão qualquer tentativa de revolução. Passou o tempo em que “sens culottes” podiam decapitar reis.

Quanto à “cultura proletária”, tanto tinha razão Marx quanto Lenin. Faltou que eles assistissem oprimidos se converterem em opressores, o que pode ligeiramente levar à conclusão de que o Poder só existe pelas vias da opressão, e ”causa até orgasmos”, como o disse Ulisses Guimarães.

O pensamento elaborado sobre a questão crucial da “escola livresca” e do “ensino de memória” atravessou gerações incólume até (no Brasil) Paulo Freire sacudir as estruturas e, atualmente, encontrarmos teóricos do porte de Nóvoa, Edgar Morin, Perrenoud e Pedro Demo, incentivadores do casamento teoria-prática e a afirmação do professor pela reflexão produtiva e pela assunção de seu papel de intelectual e pesquisador da própria prática e produção teórica – nada mais nada menos do que uma tradução digna do termo comunismo. A moral comunista prevê esse comportamento de compartilhar, de dar total acesso de tudo a todos, principalmente democratizando o conhecimento. Eis que agora, quando aqueles avanços tecnológicos prevêem a expansão do saber, do conhecimento, surge um novo estilo de opressor/dominador. Refiro-me à competição entre os senhores modernos dos engenhos da navegação virtual.

Quanto à questão precípua da destruição do capitalismo-mercantilismo sob a ótica de Lenin, admita-se ser algo impensável tão enraizada se encontra nos indivíduos, seja isolada ou coletivamente, a noção do lucro. Os operários e camponeses de hoje mostram-se também ansiosos para alcançar a posição de burgueses, ou emergentes. Não se pretende com isto, porém, descartar a luta, mesmo a despeito da notória omissão política e de todo o esquema montado para manter as massas onde estão: num beco sem saída.

Retornando ao âmbito da Educação, é facílimo observar, mesmo grosso modo, a inversão de valores, a destruição orquestrada da rede pública de ensino para atender a interesses óbvios e manter a população jovem “cega e ignorante”, refém das urnas. Lenin quis ensinar o sentido de communis (palavra latina que significa comum), isto é, tudo é igualmente de todos de forma harmônica, igual. Talvez, em seu raciocínio não veio a lembrança de que Caim matou Abel, que existem a inveja, a usura, a ganância , o Bem e o Mal. E que não é fácil mesmo alcançar a unidade:

"(...) nenhuma sociedade humana chegou ao comunismo. Os caminhos para chegar a uma forma de sociedade superior são caminhos muito difíceis. Uma sociedade comunista implica que o homem tenha alcançado o mais alto grau de consciência social que jamais se alcançou: uma sociedade comunista significa que o ser humano foi capaz de adquirir o nível de compreensão e de fraternidade que o homem alcança por vezes no estreito círculo de sua família. Viver numa sociedade comunista é viver numa sociedade verdadeiramente de irmãos; viver numa sociedade comunista é viver sem egoísmo, viver entre o povo e com o povo, como se realmente cada um dos nossos concidadãos fosse nosso o irmão mais querido.

O homem vem do capitalismo cheio de egoísmo, o homem foi educado no capitalismo, no meio do mais feroz egoísmo, como inimigo dos outros homens." (FIDEL CASTRO).

Jesús Garcia Brigos, professor da Universidade de Havana (Cuba), profundo conhecedor da obra de Marx, em entrevista concedida a Brasil de Fato (2004), releva que não se pode interpretar as obras clássicas do socialismo no nível das verdades absolutas; esclarece que a situação de Cuba é diferente, que o socialismo não se sustenta por si só e, ainda, que as potências têm cada vez mais o poder para “controlar os destinos” – além do que, o diferencial do continente sul-americano não é a atuação dos seus governos, mas a mobilização popular. Jesús deixa patente a sua fé no regime cubano e no seu “povo unido”.

Sabe-se, por outra parte, que tanto na Rússia quanto em Cuba, jovens vivem uma realidade diferente. Os adolescentes querem ser iguais aos do resto do mundo considerado moderno. Os teens russos não querem saber de comunismo assim como os da mesma faixa etária, na Argentina, não querem saber do tango e os cubanos não se interessam 100% pela Revolução.

A verdade se esconde seja qual for o regime político, escolhido ou imposto. As opiniões sobre o regime cubano se dividem, entre pessoas que já visitaram ou viveram no país de Fidel.

Luís Zanin, crítico e colunista do Estadão, disponível em: (<http://www.blog.estadão.com.br/blog/zanin>), em visita a Cuba, em março de 2007, relata em seu blog que “Informação é artigo raro em Cuba, como tantos outros”. Zanin acrescenta em seu texto Viagem à Cuba que a cidade é mal iluminada, sofre apagões e não existe fartura. Até o escritor José Saramago rompeu com o regime comunista. E, em lugar de intelectuais, há turistas em Havana.

Frei Betto também faz seu manifesto sobre as tarefas revolucionárias para a juventude e propõe um Brasil de homens e mulheres novos, o que almeja e sonha. Um sonho de contos de fada, “de um Brasil sem desigualdade social; sem criança de rua ou fora da escola; sem adulto desempregado; sem idoso humilhado por uma aposentadoria que se assemelha a esmola. Sonho de ver cada cidadão deste país com acesso à três refeições diárias, à saúde, à educação, ao lazer, à arte, ao riso solto, à festa”.

Festa é o que não falta, Frei Betto.

Comecei a escrever este texto dizendo o quão distantes estão as vozes revolucionárias. Concluo as minhas considerações e ouço gemidos. São os gemidos dos pobres, dos excluídos de toda sorte e de toda a sorte. Espero contribuir para aumentar o clamor da revolta contra todo e qualquer sistema constrangedor e opressor.

REFERÊNCIAS

ULIANOV, Vladimir Lenin; CASTRO, Fidel; BETTO, Frei. As tarefas revolucionárias da juventude. Tradução e revisão Ana Corbisier e Miguel Henrique Stedille. 4. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005. 72 p.

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< http://www.blog.estadão.com.br/blog/zanin>.