OS POETAS MEIA-BOCAS OU BISSEXTOS

[obs.: se você já está julgando que isto é um texto acadêmico ou uma fórmula de estilo escrita por velhor tétricos, ou um ato cruel contra a sensibilidade humana (onde quer que ela ande), disfarçada sobre quaisquer rótulos: de liberdade, de bondade, de regra divina, de amor comum - faça-me um favor: vá a merda por gentileza!]

Não é estranho o ato de escrever poesias. Não que eu seja anti-poético ou anti-lírico, mas não acredito no termo geral: i.n.s.p.i.r.a.ç.ã.o. Um poeta meia-boca me disse sobre a CRIAÇÃO, sobre a criação da poesia dele - “Quando sinto o poema nascer dentro de mim, quando ele está prestes a se evaporar eu tomo o papel e anoto tudo como veio até mim. ”Ele disse evaporar. Tudo bem. Isso é no mínimo quase mágico, misterioso, mediúnico. Sensorial. Os textos do tal poeta? Vão dar uma boa trepada e não me contem como foi. Os seus versos do tal poeta são sonoríssimos, mediúnicos: palavras erradas no lugar certo & palavras certas no lugar errado.

Aqui numa breve análise pretendo reforçar os tipos de poetas ultrapassados que Cabral denuncia no livro Prosa - não tratarei de todos, pois o tema já é por si bastante vago - invertidos, místicos, exaltados, depressivos, lógicos, religiosos, românticos, fúnebres, revoltados, filosóficos - e tomo a liberdade de acrescentar dois novos: matemáticos e academicistas.

Introvertidos

O poeta sente o poema e o anota! (quase o cheira). Tem um olfato digno, sem dúvida e uma audição talvez duvidosa. E aí tudo bem?

-Eu vou bem, mas grande parte da poesia não.

Este poeta criou o quê? a Arte? AH! a arte! Os mais cautelosos dirão que isso não se aproxima da arte sempre terão razão. Saibam: para estes poetas atos inconscientes são artísticos, alucinações auditivas, aproximações sonoras. Um conselho me coça a lingua! Não deixarei de dizê-lo a todos.

-Vão criar galinhas! Se possível da Angola como o fez Raduan Nassar. Isto será digno, pois, no fundo a arte nunca é digna.

Místicos ou Espiritualistas

O poeta crê no místico, no oculto - é um objeto cuidadosamente selecionado por Deus ou pelos anjos, ele nasceu carimbado! Crê na importância de seu papel junto a nós como intermediador. É quase um salvador dos seres, algo elevado, seu objetivo é cantar os céus, os astros, as relações da natureza com os humanos (que nunca estiveram tão ruins), em suma, o universo, menos as relações sociais. A linguagem é “bela”, sensível, muito positivista. Mas esquecem algo: escrevendo moralmente não sabem que na verdadeira arte não há moralidade ou imoralidade, e o que é pior, se afastam da própria existência humana: esquecem das relações entre os próprios humanos. Para eles as relações que são verdadeiras é entre a natureza e os humanos. Não dou conselhos para se afastarem da natureza, isso seria se afastarem da própria origem. Peço para serem mais conscientes e menos irreais.

Exaltado

3º - Os poemas destes poetas parecem fragmentos retirados de vários poemas - é algo sonoríssimo, digo que no fim ou no meio do verso há sempre uma aproximação sonora com o verso anterior ou posterior. Acabo de descobrir algo - leiam e voz alta poetas-não-criadores – meu subconsciente guia as minhas emoções e eu não uso “os recursos intelectuais dos verdadeiros artistas para intensificar as emoções do poema e raramente eu acrescento partes ou retiro partes do poema.”

Depressivo

4º - o poeta é um aspirante a deprê, seus poemas são sinceros, partem da experiência direta que obteve, mas ele é também um ser frágil – chora ao escrever sua poesia triste e crê fielmente ter criado algo atual, único, etc e etc. Fazem uso da inspiração, como se estranhamente fossem possuídos de certa sensibilidade e misteriosamente surgisse neles um poema pronto que só falta ser anotado. Precisam sentir para fazer poesia e isto não é e nunca foi criar. Precisam de um estado de depressão para criarem - o problema que há neste uso é que eles adoecem aos poucos e não conseguem criar na hora que querem, mas apenas no momento em que se sentem inspirados, o que facilmente pode-se dizer: obviamente eles não são poetas-criadores. Eles mesmos se definem- “somos poetas”. Ó para eles. Aprendam a elaborar a poesia no poema, obriguem o poema a se tornar, não esperem, inventem o título do seu poema e façam a verdadeira poesia – isso é composição e composição é artístico. “Eu sei, você já fez.” Esqueça, não é isto que falei - vá tomar uma brisa fresca, respire fundo, relaxe, aprenda com os mestres: Ferreira Gullar (fora da fase concreta ou neo-concreta), Derek Walcott, João Cabral, Charles Bukowski, e etc... A livre associação de idéias existe há muitos anos, (você sabia?, Bahh), talvez há um século, bastantes poetas sabem, poucos conseguem fazer o uso. A linguagem universal que o Rimbaud preveu existe, mas só entre os grandes mestres, poetas-artistas, digo aqueles que criam, não os poetas que se consideram criadores.

Religiosos

5º - antes quero explicar-me melhor para não haver mal entendidos: não sou anti-cristão, creio em Deus e em Jesus sim Sr e tenho até fé. Estes poetas são os versificadores-pregadores, pregam a babaquice de salvar o mundo, não sabem nada de arte, não conseguem discernir, engolem tudo sem pensar. São uns alienados que querem no fundo se igualar ao puro. “Não é nossa a vez de dar as cartas. Como é que você vai poder cagar com uma rolha cristã de 2000 metros enfiada no?"

Romântico

6º - A Pomba existe. Eu sei. As brumas, as neves ofuscantes, a reconciliação. O amor. O amor-comum também, em maioria. O que importa-se a eles é cantar, exaltar o tema determinado. Não é ação, mas sim a inação. Como assim? Estão impregnados de disfarces, não lhe-dão com arte, mas sim com elogios vaidosos. Uns aos outros. A arte romântica é para os fracos, jamais para os artistas.

Lógico

7º - os poetas são caducos: há uma certa seriedade em suas rugas, eles não se divertem, tornaram-se sérios demais, por isto sua linguagem é séria, muito objetiva, quase não há nada sensível, para mim jamais vi algo que tenha me causado certa impressão. Sua linguagem se diferencia das bulas dos remédios que compramos nas farmácias ou distribuidoras apenas pelo título de seus poemas. Não estou pedindo a vocês que percam os sentidos, apenas evitem sinceramente o desligamento do sensível do inteligível. Façam a junção entre sensível e a composição artística. Saibam: só o sensível não é artístico, mas apenas emotivo. Ser objetivo demais não é artístico, é ser academicista, teórico. É preciso criar arte, não imitar arte. O que é importante não é só expressar, mas sim compor também, em suma, ligar o inteligível ao sensível sempre que se for fazer a obra.

Matemático ou Acadêmico

8º - eles criam fórmulas, no fundo se assemelham com os lógicos, se diferenciam apenas por serem acadêmicos, estudiosos, lingüísticos. Eles formulam frases matemáticas ao invés de elaborar a poesia em poema: somam, subtraem, multiplicam e dividem. No final das contas acerta-se um resultado óbvio. O que importa para eles é a disposição visual do texto, a flexibilidade entre as palavras, a composição sonora, jamais a ligação do sensível ao inteligível. Como Rimbaud disse: “esse futuro será materialista, você vê; - Sempre cheios do Número e da Harmonia, estes poemas serão feitos para ficar.” - porém logo a seguir ele completa – “No fundo seria mais um pouco de Poesia Grega.” - eu ressalto esta expressão: na verdade seria só mais uma maneira de usarem o metódico, e o que é metódico jamais será artístico. Como eles mesmos afirmam: a arte é objeto, não arte. Os que vieram depois deles e aperfeiçoaram as técnicas - no fundo são os mesmos babacas, apenas se aprofundaram na geração passada. O objetivo deles será o de abolir o sujeito por completo da poesia, portanto padronizar a arte poética.

novembro de 2005