O "monstro" da branca que se posiciona
Ano passado após passar por algumas situações de descredibilização - oriundas de homens - em uma viagem pelo nordeste, e me questionar DEMAIS porque eu estava vivenciando aquilo, encontrei um artigo falando sobre o privilégio que mulheres brancas tem sobre negras, pelo fato de serem vistas como "infantis", como "puras", como "meninas", e conseguirem conquistar a sensibilidade masculina através de artimanhas como choro, chantagem emocional e etc. Algo que mulheres negras não possuem por, desde pequenas, serem relacionadas com o trabalho, o serviço - muitas vezes serviço que passa pela esfera também sexual -, ou seja, desde cedo destituídas de seu local de "criança", de "infância", desde a época da escravidão.
Veja, de modo algum quero aqui medir quem sofre mais ou menos nesse universo patriarcal. De modo algum dizer que mulheres brancas sofrem mais que negras, ou medir isso. Só trazer uma reflexão do quanto as "vantagens" para mulheres, independente de que tipo, são na verdade uma prisão disfarçada.
O artigo colocava que a mulher branca tem esse privilégio de poder apelar pelo sensível e conseguir a permissão, a empatia e ser "perdoada" de seus erros por uma máscara de "tadinha, ela é inocente, não fez por mal".
Apesar de concordar que muitas mulheres utilizam dessa estratégia, que é bem comum, eu não vejo isso como um privilégio.
Para uma mulher que se coloca num lugar de "menina", que tenta se apoiar em figuras masculinas para receber proteção, que busca receber favores e não protagoniza a própria vida, sim, isso pode ser um recurso interessante.
Mas essa mulher estará aprisionada para sempre atrás de uma figura masculina de poder.
Para mulheres como eu - e agora um relato bem pessoal - que não me escondo atrás de homem nenhum, me posiciono, trago o que eu penso, sou questionadora desde criança, e quero construir as coisas em pé de igualdade, ser uma mulher branca, com múltiplos talentos e capacidades, é estar na mira da infantilização, descredibilização e ter que, constantemente, de forma EXAUSTIVA ao extremo, me justificar e ser colocada à prova, se não ficou claro, O TEMPO TODO.
O tempo todo eu preciso provar que sou capaz, que posso, que tenho conhecimento, que tenho prática, que tenho isso, que tenho aquilo.
Como eu aparento ser 10 anos mais jovem do que realmente sou, a coisa fica ainda pior. O tempo todo preciso estar dando "carteiraço", explicando minhas formações, minhas pós graduações lato e stricto sensu, meus inúmeros cursos, viagens pelo Brasil, diversos trabalhos interdisciplinares e projetos realizados, e se não bastasse isso, ainda assim tem homens - e muitas vezes até mulheres mais velhas do que eu - que olham para mim, me chamam de "menina", e se eu os confronto de algum modo, tentam me diminuir em minha trajetória com falas opressoras, disfarçadas de "lições", "aprendizados", "para meu bem", mas não passam de tentativas de silenciamento - na maioria das vezes eu estou fazendo o trabalho correto, o que deveria ter sido feito por eles, mas não foi.
Então, alguém consegue me dizer para QUEM esse estigma de "infantil" da mulher branca é vantajoso?
Óbvio que, para mulheres protagonistas, corajosas, independentes, que se posicionam e tem muito a oferecer e a fazer nesse mundo, não é! É muito difícil conquistarmos local de fala, se somos consideradas crianças. Porque criança, além de ser dependente da orientação e da permissão de um adulto, é considerada ainda hoje pela educação como um ser desprovido de inteligência, de consciência e de entendimento. E uma mulher branca jovem, ou que aparenta ser jovem, é ainda mais infantilizada, ou em outras palavras, desprovida de crédito e ouvidos.
Criança quando se manifesta, é motivo de "risadas", de diminuição da sua opinião ("afinal, o que sabe ela da vida?"), de "senta lá Cláudia", e não perdem nem tempo argumentando.
Quando perdem, é para dizer "você não sabe nada, fica aí em silêncio assistindo enquanto eu te mostro como faz".
Uma constante na vida é eu estudar, estudar, ter inúmeras experiências profissionais, infinitamente buscando auto aprimoramento, e dar com a cara no mesmo muro, na mesma muralha de "não estar pronta", assim como uma criança, que não é pronta, que está em preparação. É exaustivo não receber reconhecimento pelo tanto que já caminhei, é exaustivo não receber respeito pelo meu lugar de fala, e pior ainda do que isso, não ser respeitada nem pelo espaço que eu ocupo, onde tenho que estar sempre pisando em ovos, sem me posicionar, porque senão vou ser vista como uma "menina má", e só falta dizerem "que feio, falando o que pensa!", ou "Você é tão jovem, tão menina, não tem direito de se colocar, de achar nada!". Ou qualquer coisa do tipo. Não tem, nunca, como ser suficiente, num universo machista e patriarcal, onde a "vantagem" é ser considerada incapaz e desprovida de raciocínio lógico. E o que é pior: enquanto utilizam da sua genialidade como palanque, usurpam suas criações e te deixam no anonimato.
Como não encontrei artigos falando sobre a perspectiva das mulheres brancas, trago com esse texto e desabafo uma perspectiva pessoal a respeito dessa "vantagem", que para mim podia nem existir.
Não me sinto no poder, muitas vezes nem da minha própria vida, pois tentam se apropriar inclusive dos meus pensamentos, do meu local de fala, da minha visão sobre as coisas e até sobre mim, me desqualificando e humilhando quando eu não sirvo aos seus propósitos, quando eu me coloco e quando discordo. Sempre me forçando a estar condicionada a uma figura - masculina - maior do que eu, que vai decidir, controlar, orientar ou dizer o que eu devo fazer. Homens conduzindo, e eu ali tendo que navegar naquele barco, muitas vezes sem concordar com aquilo. Isso não é só eu. Eu sei que é como muitas, senão quase todas, as mulheres se sentem, sejam brancas, negras ou o que. Cheias de potencial, e, além de se esforçar para conquistar seus dons e habilidades assim como qualquer homem, ainda tendo que lutar contra a maré de resistência em assumirem cargos de liderança, cada uma com o impacto da opressão que lhe cabe historicamente. São forças muito diferentes, e pesos muito desiguais.
Não, irmãs negras. Ser considerada "infantil" não é e nem nunca foi uma verdadeira vantagem. É mais uma gaiola, uma coleira, só que com outra roupagem.