Dois amigos. Um cenário.

Dois amigos. Um cenário.

O ano de 2002 é de Carlos Drummond de Andrade. A data do centenário do poeta nascido em Itabira é o dia 31 de outubro. Várias instituições, órgãos e admiradores prestarão homenagem ao escritor, que é orgulho de Minas Gerais e do Brasil.

A poesia de Drummond marcou fundamente a literatura brasileira, desde o ano de 1930 até os tempos atuais, criando, recriando, descrevendo, reescrevendo com criatividade poemas, crônicas, contos e prosas.

Fiel à figura de homem, mineiro e humilde. Nada de espetáculo. Há, sim, nos textos: a magia, a sensibilidade, o estilo e forma originais. Drummond, sem dúvida, foi consciente no seu fazer literário.

Nesse sentido, percebe-se, ao ler os textos, que a estrutura criada pelo Poeta é inconfundível e quase inimitável, não disfarçando o objeto da coisa, sendo a poesia seca, precisa e direta, mostrando o encontro do cotidiano e urbano, questionando a realidade do mundo. Desse modo, a interiorização do poeta em cada poema o faz alimentado do "sentimento do mundo".

No poema "Ode nos sessentanos do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade", retirado do livro "Elegias do País das Gerais - Poesia Completa", de Dantas Mota, assim encontramo-lo:

"Obrigado pelos teus sessentanos,

Quando, ainda sem rugas, aleives ou nugas,

Contudo de velho bassidor à mão,

Te chegas até nós (humilde que és)

Mais novo e mais puro,

Conquanto esquivo e um tanto gauche

Diante da bulha, do alarido e da algaravia

Que ao teu derredor todos fazem."

O poeta Dantas Mota, no mesmo poema, invoca a presença da amizade, registra considerações sobre a poesia de Drummond:

"Geômetra da palavra colhida em estado de graça,

Tal que nem um fruito que se oferecesse à razão e à sazão,

Para, depois, se redimir no conceito ético da queda,

Revolucionas, ô poeta, tudo, inclusive, a sintaxe e a forma,

Pela alteração do chamado verso linear

E o conseqüente despojamento do adjetivo

— Pauta em que a melodia é apenas um susto.

É por isto, poeta, que, como um nome,

Circulas, hoje, autônomo no mundo, além da coisa."

O Professor Luiz Carlos Junqueira Maciel, em sua tese de pós-graduação sobre Dantas Mota, destaca o soneto "Traços do Poeta", no qual Drummond retribui a homenagem do mineiro de Aiuruoca, em verdadeiro ato de respeito e admiração:

"DANTAS MOTTA, profeta e voz de rio

no curso do Oriente ou de Aiuruoca,

mineiramente amarga e transparente

para quem sabe ouvir, e que convoca

a poesia onde quer que ela, pulsando,

seja signo de amor ou de protesto,

Dantas Motta, raiz de longo alcance,

milho de ouro em paiol, bíblica festa

de fraterno sentir e revelar

as doídas verdades esquecidas,

as candeias, os lumes abafados,

o solução travado na garganta

e o mais que se pressente mas oculta-se

nos subúrbios longínquos de esperança."

Carlos Drummond de Andrade anotou, a respeito do poeta-amigo Dantas Motta, justamente uma semana após seu falecimento, o seguinte depoimento:

"De caligrafia difícil, de coração fácil. De queijos oferecidos, de sonhos parlamentares frustrados, mas de que parlamento precisava, se em Poesia falava tudo, intemporal e direto, ao ritmo vagaroso das boiadas, do mugido a soar como lamento, lamento a vibrar como reprovação? Das grandes cidades queria só os amigos, que no mais o município lhe bastava, entre 15 mil livros e cartas."

Vê-se, então, dois grandes escritores, tão grandes que deixaram lugar marcado, inocupável como autores de obras que enriqueceram a literatura de Minas e do Brasil.

A amizade dos poetas, um de Itabira e o outro de Aiuruoca, fez Minas, das Gerais, crescer no cenário nacional, através das suas poesias.

Felizmente, as poderosas vozes de Drummond e Dantas Mota ecoam nos grupos de amantes da poesia.

Intensa era a amizade, mesmo um distante do outro, ao ponto de Carlos Drummond escrever, no Jornal do Brasil, com propriedade, sobre a linguagem e a temática do poeta de Aiuruoca:

"Ao lado do Antigo e do Novo Testamento, a grande presença foi a terra, o meio urbano-rural em que Dantas viveu. O problema nº 1 do homem do interior há de ser naturalmente a terra, que vai gerando problemas: a posse, contestada e defendida em demandas ou a tiro e foice; divisas, servidão de água, queimada, furto de animais, colheitas frustradas pelas condições climáticas ou pelas pragas de insetos (...) Eis aí matéria para encher de clientes o escritório de um advogado. No caso, o advogado era também poeta, e aquele servia a este, dando-lhe a base de conhecimento real que os poetas das grandes cidades só alcançam por ouvir dizer".

O diálogo de ambos extravasava o ambiente particular, sempre que possível, Drummond de Andrade anotava algo sobre as poesias de Dantas Mota. A seguir, uma observação a respeito das obras: "A Bíblia, livro-enciclopédia, foi que evidentemente marcou em profundidade sua poesia" (JB, 08/03/79).

Minas Gerais merece reconhecer o itabirano o aiurocano. Sem dúvida, o público, os leitores, em geral, estudarão estas poderosas vozes da poesia do País das Minas Gerais.

Registre-se, no entanto, a homenagem aos cem anos de Carlos Drummond de Andrade e aos oitenta e nove anos de Dantas Mota, no País que tanto brilharam.

Agosto de 2002.

Adriano da Silva Ribeiro, 25, é funcionário público e

Acadêmico do 8º período do Curso de Letras da PUC Minas Betim

Adriano Ribeiro
Enviado por Adriano Ribeiro em 23/02/2006
Código do texto: T115297