Vidas Vazias

Andamos juntos de segunda a sexta, mas não nos conhecemos, atravessamos as mesmas ruas, nenhum de nós se fala, se sorri, se enxerga, todos com seus próprios pensamentos, desejos, preocupações. Somos executivos, servidores públicos, estudantes, uma massa só que trabalha e trabalha. O semáforo fecha para os transeuntes, todos param, exceto um: Ele tenta atravessar a rua com os carros em movimento, é advertido por buzinas, quase é atropelado, até que os carros param e o sujeito se manifesta para que todos vejam:

Até quando viverão nesse ritmo frenético?

Até quando terão hora programada para sorrir e para chorar?

Até quando serão individualistas?

Sorriem agora por estarem vivos

Chorem agora por também estarem vivos

Mas já não podem sorrir, já não podem chorar, pois estão mortos

Matam-se diariamente ao viver em função de algo que não sabem no que vai dar.

Matam o tempo a facadas leves, querem férias e quando estas chegam acabam vendendo-a, vendem a si mesmo.

Não peço para que sejam vagabundos, só peço que reflitam, já olharam pra pessoa ao seu lado? Talvez ela trabalhe mais que você ou quem sabe menos, ela pode ser a dona da empresa, pode ser a que tem o menor salário, mas você não sabe, pois vive em seu próprio mundo e não tentam...

O discurso foi paralisado, pois um carro atropelou o revoltado, na verdade o motorista estava apressado porque estava atrasado dois minutos, o seu relógio não perdoa atrasos, sua vida não permite minutos perdidos, ainda que no fim de semana ele se atrase para se encontrar com o filho que vive com a mãe.

Todos se aglomeraram diante do atropelado que com suas últimas palavras disse:

Não se atrasem, a hora do almoço está acabando.

No dia seguinte, no mesmo horário, um grupo de centenas de pessoas andando quase colada nas outras, indiferentes com todas ao seu redor até que um homem andando quase lado a lado com uma moça diz:

Quais são seus sonhos?

A mulher percebeu que era com ela e respondeu:

Largar o cigarro, ter uma promoção, ver meu pai curado do câncer, quero andar de pedalinho, andar a cavalo, andar sobre os carros parados no congestionamento, gritar. Chega!! Não agüento essa vida – gritou a moça chamando a atenção de todos.

A turba quedou paralisada, os carros pararam, e o silêncio se fez.

No terceiro dia ninguém apareceu nas ruas, plena quarta-feira e as ruas vazias. Todos desapareceram. Ninguém nas ruas, ninguém nos metrôs, nos trens, nos ônibus. Só se ouve o barulho do vento. Tudo se esvaziou.

Nesse espaço branco está a vida daqueles que desapareceram. São pais, mães que não tem tempo pros seus filhos, que não tiveram tempo de sorrir, de chorar, de gritar, eram alienados, não viam nem capas de jornais, e só tinham um objetivo: acumular! Riquezas, vantagens, créditos, supérfluos, músicas (para nunca ouvir depois), aparelhos eletrônicos e tudo o mais. Viviam somente para adicionar dias às suas vidas e não vida aos seus dias.

30/11/08

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 30/11/2008
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