RETÓRICA, ISÓCRATES E HELENA

O estudioso Antônio Fidalgo atesta a impossibilidade de existir qualquer definição de retórica sem que se faça referência à cultura grega. Retoriké, termo grego, equivale em português ao vocábulo orador, aquele que pronuncia uma oração, discurso, fala, pronunciamento público: arte oratória e disciplina.

Isócrates, um ateniense tímido, não conseguia sucesso no costume de seus patrícios de falar em público. Cuidou, então, de fundar a sua paideia e, aliado a Platão, polemizou o ensino científico e o estudo das humanidades. Foi assim que ocorreram passagens do discurso “Contra os Sofistas”, uma espécie de manifesto que objetivava expor uma concepção de paideia inconfundível e, supostamente superior.

Isócrates considerava que o acesso à sociedade se daria pelas vias de um duelo. “E na abertura de sua escola de retórica ele ataca por todos os lados”, conforme esclarece Sidnei Euzébio.

Isócrates propagandeou a sua cidade, Atenas, como berço da retórica e de um povo que seria capaz de ganhar o duelo social pelo uso arquitetado da palavra.

Bem se pode observar que o pensamento divulgado por Isócrates não tem data de validade vencida. Tudo se adquire com a correta engenharia da palavra e se não estamos ganhando, não será possível desmentir o pensador ateniense. Se não estamos vencendo o duelo das palavras, o certo é que a estamos usando mal.

O pensamento do filósofo grego é de âmbito geral e não quer dizer que devamos usar a palavra da mesma forma que ele, seus discípulos e companheiros a trabalharam _ mas que precisamos da mesma mecânica dentro da perspectiva da evolução social, das transformações trazidas pelo processo civilizatório.

A propósito, evidencie-se a palavra e sua conotação divina para aquele que sabe dela fazer uso, na explanação de Rafael Costa Campos acerca do que para a retórica se denomina “lugar”. O estudioso cita o “Elogio a Helena”, recurso, segundo ele, muito utilizado pelos sofistas e professores de retórica na Grécia:

“Chegou a nós um discurso de Górgias explorando este lugar, Elogio a Helena, no qual a causadora da Guerra de Tróia é defendida da censura de ter sido conivente com o seqüestro de que fora vítima.

Segundo este discurso, há quatro causas para Helena ter sido levada: ou trata-se de uma deliberação dos deuses, ou ela foi presa pelo amor, ou foi levada à força, ou foi persuadida por palavras. Se os deuses decidiram, é o destino e ela nada poderia fazer. Se ela foi levada à força, a força dela era menor e ela cedeu por necessidade. Se Helena foi presa pelo amor, a causa é a visão da beleza, e como bela é a lei boa e boa a lei que conduz à vitória, sua alma grega deixou-se vencer pela visão da natureza bela (já que uma grega não pode amar verdadeiramente ou ser amiga de um bárbaro).

Enfim, se Helena foi persuadida por palavras, então foi forçada

pelo discurso, não pôde controlar as paixões (pathos), pois o “discurso

molda a alma da maneira que quer” (Górgias, 1999, p.18). Helena não

poderia resistir a nenhuma destas causas e portanto não é culpada. Observe-se assim que o poder do discurso equivale ao dos deuses, para quem sabe usá-lo.”

José Murilo de Carvalho toca em um ponto primordial que pode auxiliar a compreender outros matizes da retórica. Apreciando a obra de Oliveira Viana, Carvalho considera a existência de críticas contundentes, em especial aos políticos liberais e à tendência ao que chamou de “política silogística”, ao “bacharelismo e ao verbalismo.”

Em sua citação, o pesquisador se refere às colocações de Manoel Bomfim sobre a “verbiagem oca, inútil e vã, pomposa, a erudição míope”; “algaravia afetada e ridícula”; “O verbocinante é o sábio”; “letrados subamericanos”.

E mais, para culminar :

“Aceitam-se e proclamam-se — os mais altos representantes

da intelectualidade: os retóricos inveterados, cuja palavra abundante

e preciosa impõe-se como sinal de gênio, embora não se encontrem

nos seus longos discursos e muitos volumes nem uma idéia original, nem uma só observação própria.”

Cícero propunha o perfectus orator, baseando-se no modelo da aristocracia ideal, entendido no vir bonus peritus dicendi, e não abria mão da formação geral, da aquisição da cultura humanística em função da formação do orator excellens. Essa excelência da oratória, da retórica, não prescinde do conhecimento da dialética, da literatura em prosa e verso, das ciências naturais, da astronomia, da religião, da antropologia, da sociologia, do direito e da história universal.

Trata-se da criação de mitos, muito comum na sociedade. Esse mito da perfeição do orator jamais se concretizou ou se concretizará, ainda mais perante a evolução do conhecimento humano a cada instante mais inalcançável em sua maratona de informação e desenvolvimento tecnológico.

Daí se convencionar que o domínio da oralidade e a escrita pertence atualmente aos profissionais da mídia, fazendo com que a sociedade absorva e exercite a nova retórica para a conquista da moderna Helena _ ouvindo, falando, lendo e escrevendo no padrão da batizada linguagem jornalística.

Em se tratando de retórica, esses profissionais não perdem tempo, têm acesso irrestrito à sociedade, ganham muitos duelos, cantam e conquistam Helenas globais.

REFERÊNCIAS

EUZEBIO, Marcos Sidnei. Isócrates _ Contra os Sofistas

http://www.hottopos.com/mirand12/euzeb.htm

FIDALGO, Antônio. Definição de retórica e cultura gregahttp://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-retorica-cultura-grega.html#foot7

CAMPOS, Rafael da Costa. A formação educacional do orador e a retórica como seu instrumento de ação no principado

http://www.revistafenix.pro.br/PDF14/Artigo_9_Rafael_da_Costa_Campos.pdf

MONTEAGUDO, Ricardo. Filosofia e paradigma em Cícero

http://www.scielo.br/pdf/trans/v25n1/v25n1a04.pdf

CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura.

http://www.ifcs.ufrj.br/~ppghis/pdf/topoi1a3.pdf

Observação: todos os sites foram visitados no dia 5 de dezembro de 2008.