O apartamento

Um dia inevitavelmente acontece. Tudo acaba e resta para nós, o vazio de um mundo que já não mais existe. Acredito que temos vários mundos e a cada momento morrem e nascem mais. Hoje tenho mais certeza do que nunca. São estas reflexões que me vêm à mente, ao lembrar, menos pela cabeça, mais pelo coração, daquele apartamento que tão bem se parece com meu pai e minha mãe.

Um dia eu saí daquela casa na Rua Barata Ribeiro. Deixava lá a minha infância e levava toda minha adolescência para ser vivida no apartamento que meu pai tinha comprado para nós. Minha irmã Vânia, então, já estava casada. E eu com saudades de sua presença no dia a dia. Sentia muita falta daquela irmã, que era exemplo para mim de beleza, determinação e proteção. Em meus pensamentos infantis, achava que ela ia se distanciar de mim. Tinha muito medo. Não sabia que o espaço entre as pessoas não era exatamente físico. E lá íamos nós, para o grande apartamento.

No início achava que tudo que minha mãe tinha não daria naquele novo lugar. Entrei no elegante edifício, subimos pelo elevador. Era estranho para mim. Uma vida nova, um novo mundo nascia. Foram dias de muita confusão até tudo estar organizado.

Sentia saudades da velha casa. Hoje já sinto saudades do apartamento que, aos poucos, vai embora. A angustia sufoca meu coração e parece me impulsionar numa louca corrida de volta. Queria parar neste momento, queria ouvir os velhos ruídos. Queria poder atravessar os corredores, entrar em cada quarto e ver meus irmãos dormindo, estudando, cantando. Enfim, gostaria de sonhar como outrora, me aconchegar naquele quarto que abrigara meus sorrisos e lágrimas, meus sonhos e também minhas decepções.

Aquele apartamento fora uma parte do mundo de minha adolescência. E por anos foi nosso porto seguro. Algo que nem sempre se usa, mas que dá muita segurança saber que existe. Cada canto me contava um episódio, velhas lembranças, marcas da vida.

Lembro das férias escolares, onde muitas vezes recebíamos uma prima e juntas íamos à praia. Era o grande momento. Todas as noites olhávamos o céu, através das janelas, para tentar adivinhar se o dia seguinte seria de sol. As estrelas nos garantiam que, mais uma vez, teríamos o lazer tão desejado.

Lembro das festas de aniversário, de minhas sobrinhas, que vinham passar conosco o verão, do "playground" onde tantas vezes nos encontrávamos com amigos, dos almoços em família. Lembro principalmente de meu pai. Nos almoços de confraternização, era ele que arrumava cuidadosamente a mesa e o fazia com tal capricho, que talheres e pratos mais pareciam obras de arte.

Gostava muito de música e ainda posso ouvir "Metais em Brasa" que tanto apreciava. Nos dias de Natal os cantos natalinos nos despertavam. Sim, aquele lugar é o berço de tantas recordações! Vai, mas me deixa saudades. Deixa-me o amargo de mais um passo que não posso deixar de dar. Sinto amor por ele, um amor tão grande que me envolve toda e me paralisa. Gostaria de mais uma vez estar lá e reviver os diálogos, as discussões, tudo que aconteceu lá. Mas ele vai, como uma pessoa que parte, deixando-me em total solidão.