GERUNDICES E OUTRAS TOLICES

Sei que não estou sendo original. Mas ninguém é original ao combater uma praga, ao falar de uma doença, nem quando fala ou pratica algum vício. Antes que algum leitor mais atento repare, quero avisar que não sou nenhum catedrático em literatura, nem especialista ou puritano em gramática. Também tenho meus pecadilhos e escorregões pela língua portuguesa.

Depois que gigantes de comunicação como a Rede Globo e a Revista Veja adotaram certas expressões como “corretas” muito pouco se pode fazer a não ser assistir sentado enquanto que a novidade é introduzida à força. Assim o risco de perder a vida, que tinha sido abreviado como risco de vida passou a ser chamado de risco de morte. Como se alguém pudesse arriscar a morte. Pode-se arriscar a vida, que ainda se tem e não a morte que poucos desejam.

Também tinha aprendido, lá nos primórdios quando ainda havia o curso ginasial, que palavras dúbias deviam ser bem explicadas e bem separadas – só se falava em palavras manuscritas – para que o colega ou o professor também conhecessem o sentido. “Entorno” era uma palavra do verbo entornar, assim como “enfrente” era palavra do verbo enfrentar. Hoje os grandes veículos de comunicação usam frases que machucam os ouvidos: “No entorno das grandes cidades a marginalidade cresce”; “a Prefeitura estimula a criação de hortas no entorno da cidade” e outras. “Em torno de” passou a ter o mesmo significado de “no entorno de”.Pelo andar dessa carruagem não me admiraria se daqui a pouco lêssemos “enfrente a” em vez de “em frente à”.

Numa conversa coloquial, ouvidos desatentos podem confundir: “Ele vem de carro” com “ele vende carro”, porém veículos de comunicação devem evitar frases desse tipo. Há sinônimos para explicar que um é vendedor e o outro apenas veio de carro.

No chamado telemarketing sofremos os mais atrozes ataques ao vernáculo: “Vou estar verificando seu cadastro para depois estar retornando a sua ligação” é um coisa corriqueira de ouvir-se ao telefone. Eu sempre pensei que fosse falta de preparo. Talvez seja uma grande conquista para quem foi educado na linguagem da Internet. O pior é que esses(as) atendentes passaram por treinamentos para falar assim.. Eu cheguei a essa conclusão quando ouvi um importante executivo de uma das maiores empresas do Brasil falar assim a uma emissora de rádio: “Vamos estar instalando agências em muitos pontos do interior para estar atendendo a população local”. Dito por quem tem mais de vinte mil subordinados, muitos dos quais ávidos por imitar o chefe na maneira de falar, pode redundar numa multiplicação de erros.

O gerúndio existe na maioria das línguas para dar ao ouvinte, ou leitor, a idéia de uma ação continuada. Ele é empregado quase sempre no passado ou no presente. Quando usado no futuro como “eu vou estar retornando” ou “eu vou estar passando essa informação aos meus superiores” parece dar ao interlocutor a idéia de um ato demorado, custoso. “Eu retornarei” ou “eu passarei” fica bem mais incisivo e claro, além de economizar dois verbos em cada frase.

Agrônomos, engenheiros, médicos, banqueiros não costumam ter grande preocupação com o requinte da linguagem. Basta que seus relatórios sejam entendidos por quem de direito e ponto final. Atualmente, para tirar dúvidas usam o computador que também comete graves pecados. O maior deles talvez seja o de trocar “ajustar” por “justificar”.

As características e a competição no mercado exigem que as empresas promovam cada vez mais treinamento aos seus colaboradores. Não seria a hora de darem sua contribuição à língua portuguesa e incluir cursos que promovam a volta do português claro?

Luiz Lauschner – Escritor e Empresário

www.luizlauschner.prosaeverso.neet

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 13/01/2010
Reeditado em 17/01/2010
Código do texto: T2027134
Classificação de conteúdo: seguro