Cabeça feita

Não te peço desculpas por calar-me, sinto a vida correr nas minhas entranhas como se fosse uma façanha. Por que te pediria absolvição?

Me condene, me despreze, ainda assim a vida que emerge dentro das minhas esquinas, em vórtices exuberantes, pede que eu cante, que eu testifique a graça de todo momento, leve ou arrastada...antes que derrotada pelo desarranjo das artérias entupidas, da lágrima contida...

Sou a confissão de mim, exatidão de convicções, me atenho a minha lira desmedida; fatia nobre, sem mistura, que se desdobra em muitas vidas, desfiladas sem que tua sensibilidade acuse...

Ainda que me fira sob o meu próprio jugo não temerei as diatribes que desfilarem na minha retina, nem as palavras que rasgarem impiedosas a superfície desses meus lagos intranqüilos.

Não escarnecerei e nem me permitirei ser motivo de escárnio do meu inimigo, valho-me da minha bagagem simples, talvez uma mochila pequena e surrada; mas carregada das preciosidades que juntei ao longo da existência. Trago colado ao corpo meu pequeno embornal de sonhos, meus arrepios de pele, que só eu conheço, ando sobre passos desengonçados, mas tenho a alma leve como a alva lã dos cordeiros.

Vale-me mais a cabeça feita, a harmonia perfeita. Vale-me a paz dos sonhos repousados em leito macio e quente. Vale-me a intimidade das palavras; secas ou regadas com o sal das lágrimas. Vale-me ser inteira; corpo e alma em uníssono; no compasso ditado pelo meu coração, sábio ou não, porém livre para decidir seus próprios rumos.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 06/06/2005
Reeditado em 26/08/2010
Código do texto: T22582
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