COPA DO MUNDO E ESTABILIDADE

O torcedor brasileiro vive a Copa do Mundo com uma intensidade religiosa. Participa da convocação, descarta e inclui jogador como se tratasse de peças sem sentimentos. Classifica a todos por seu desempenho do momento, diz quem está devagar, quem está errando, vibra com as jogadas felizes, enfim: determina quem merece ou não merece estar jogando.

O jogador por sua vez sabe que está lá para jogar bem. Se não o fizer não entrará em campo. Se entrar em campo e fizer feio, será execrado por todos os torcedores, independente da simpatia que lhe dedicavam anteriormente. Este é o mundo da competição onde o único erro que nos traz alegria é o do adversário. A certeza da convocação está diretamente ligada àquilo que consegue realizar dentro da equipe, pelo time e pelo país. Sim, porque neste momento a soberania nacional é invocada.

Nós, do lado de fora, não costumamos dar muito mérito ao adversário mas apontar erros dos nossos jogadores. Se ganhamos, por vezes, podemos até minimizar a atuação do adversário economizando elogios aos nossos para não passar por desentendido, uma vez que, como brasileiros, temos de conhecer futebol. Mesmo nas vitórias, nos comentários de boteco, eliminamos tal jogador, trocando por outro.

Não há nenhuma estabilidade assegurada por grandes jogadas do passado, pela simpatia que tenha com o treinador, pelas sábias entrevistas à imprensa ou qualquer outro critério que não seja cumprir sua função de jogar bem dentro das quatro linhas do gramado. Com um grande agravante: não pode pedir ajuda a ninguém, porque lá dentro só cabem onze jogadores de cada lado. Não há como terceirizar jogadas.

Por que estou aqui a fazer comentário sobre futebol do qual nada entendo e onde minha participação jamais ultrapassou a de um medíocre zagueiro direito?

Imaginemos, apenas por um instante, que nossos trabalhadores tivessem que dar a todo o momento a atenção ao trabalho como nossos jogadores precisam dar ao futebol? Imaginemos que todos os trabalhadores que passaram por concursos sofridos e suados tivessem que defender suas posições com atuações brilhantes? Imaginemos que a estabilidade estivesse garantida apenas para aqueles que vestissem a camisa da empresa ou da repartição onde trabalham? Imaginemos que uma repartição não possa ter mais ocupantes do que a função exige?

O que aconteceria com os demais? Na reserva só cabe o mesmo número de titulares, no corpo técnico o número é mais limitado ainda. Iriam para times menores com os salários muito mais reduzidos? Ensinar iniciantes não seria uma boa, uma vez que não estão ensinando porque não sabem, mas porque já não conseguem? Virar comentarista e se juntar a nós outros que não resistimos a dar palpites mesmo que isso não nos renda um único tostão?

Estamos num país, onde as leis trabalhistas não permitem demissão por falta de celeridade; onde os prêmios por desempenhos geram direitos porque não é possível reduzir salários; onde qualquer aumento temporário de trabalho exige a contratação de mais funcionários. Mas estamos também no país em que a competição futebolística é a mais terrível.

A reflexão fica por aqui. A lição deve ter mais reflexos futuros. Aproveitemos a lição que a Copa do Mundo nos traz. Já tivemos inversões de valores catastróficos que, se fossem aplicadas ao futebol, teríamos um campo de vários quilômetros, com milhares de jogadores, possivelmente com várias bolas e um tempo de jogo espichado dependendo da boa vontade do jogador em cumprir o seu papel uma vez que não poderia ser tirado de campo.

Luiz Lauschner – Escritor e Empresário

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Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 26/06/2010
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