A Plúmbea Hilda Hilst e Sua Poesia Alcoólica:

Caio Fernando Abreu uma vez disse que Hilda era a Senhora D, como escreveu em seu ensaio “Sobre A Obscena Senhora D” em que ele diz ser “inútil minuciar-se apenas das armas da razão” para compreender o discurso da autora. _“Hipnótico, o discurso de Hilda envolve como águas - às vezes lodosas, às vezes claras - e numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais para perto daquilo que Joyce chamava de "o selvagem coração da vida". Onde tudo pode acontecer.” Creio que em seu ensaio, o escritor definiu tudo o que a escrita de Hilda representa. O “D” que o escritor cita para definir Hilda é de “derrelição, desamparo, abandono”, sensação que um depressivo sente quando está em crise, sensação que podemos ter quando lemos “Alcoólicas”. Caio Fernando também escreve sobre a decadência , temas existencialistas e tabus, por isso ninguém melhor que ele para definir uma poeta tão influente e importante para a literatura brasileira. Como Caio, Hilda é subversiva, corajosa, quando trata em poesia e em outras literaturas de temas tão complexos, de que a maioria das pessoas foge. Por isso Hilda é obscena.

A poesia da campinense, Hilda Hilst é grave. “Alcoólicas” utiliza-se das vogais graves estilisticamente, para dar o tom denso dessa que já é carregada pelo seu conteúdo. A utilização de “Os” e “Us”, são utilizadas como as cordas de um contra-baixo para dar as notas dessa sinfonia declamada. As palavras remetem às imagens pesadas e sombrias, como, por exemplo, a palavra “Plúmbea”, que se origina da palavra latina “Plumbo” e significa chumbo, a metáfora da “Unha Plúmbea” que nos faz lembrar da mão arroxeada de um defunto ou as unhas sujas de um mendigo ou bêbado que vive jogado pelas ruas; ou a palavra “livor” ou “lividez”, que significa cor arroxeada ou azulada, que representa o estado cadavérico; ou ainda “Coturno”, que é uma bota de couro que os soldados usam: Essa palavra no contexto da metáfora “E perambulamos de coturno pela rua”, faz lembrar a forma com que uma pessoa alcoolizada anda pela rua, cambaleando, com os pés pesados, como se uma pessoa que não está acostumada com esse tipo de calçado o colocasse pela primeira vez. O poema é complexo e verborrágico, mas ao mesmo tempo é humano, visceral. Bem pós-moderno.

Hilda se refere, explicitamente e sem cortes, à vida, decadência e morte. Ao ler o poema, a imagem do que está escrito passa pela nossa cabeça perfeitamente, um traço muito forte do modernismo. Apesar da erudição da linguagem utilizada, não há floreios no que ela quer dizer, ela é atroz a mostrar as mofinas humanas. A poesia mostra a boemia como um caminho para não se endurecer ou enlouquecer numa existência tão sem sentido, na loucura que é viver e conviver, na banalidade de estar existindo para fazer as mesmas coisas, a bebida seria uma válvula de escape para conseguir existir sem se tornar superficial. Retrata também a dor daquele que apenas espera pela morte e se vicia esperando por ela, de quem se embriaga muitas vezes para esquecer que vive, mas que percebe a vida nitente à sua frente. A impressão que se tem é que o eu-lírico do poema dialoga com a morte sobre como é a vida e o que faz para continuar com ela. Parece que Morte e Vida no poema são dois personagens, duas entidades mórficas que dialogam com o eu-lírico. “Alcoólicas” é melancólica e densa. Existencialista como, os poetas da metade do século passado, como a náusea de Sartre e marginal como Bukowski ou como o Rock N’ Roll (nos anos 50).