Sentido

As palavras sofrem evolução em seus significados; isso ocorre porque os significantes não são meros recipientes destes, “[...] a palavra é distante do pensamento” (PLATÃO apud COMPAGNON, 1999, p. 53). Mas essa evolução não se dá de forma aleatória. O vocabulário de uma língua se movimenta e se enriquece, associações secundárias no seu sentido contextual passam a substituir seu sentido básico e a mudar-lhe o significado de acordo com os mecanismos da linguagem, a qual não é apenas um reflexo das coisas. Tal fenômeno, no qual se produzem efeitos de sentido, se deve ao fato de a linguagem fazer referência a um mundo de sentidos construído pelo homem, um mundo conceitual construído por esquemas imagéticos, não a um mundo físico que se baseia apenas em fatos empíricos. O sentido é “[...] vivo e ativo, dinâmico e distribuído, construído para propósitos locais de conhecimento e de ação” (TURNER apud SALOMÃO, 1999, p. 66).

O sentido evolui espontânea e inconscientemente, naturalmente. Esta evolução pode ser do referente, quando as mudanças de sentido se dão pela modificação das relações significado/conteúdo nocional. Uma coisa que recebeu um nome pela relação que tinha com algo no passado, com a sua evolução e perda dessa relação, não necessariamente precisa mudar seu nome. Quando há obscurecimento da motivação etimológica, temos um estreitamento do conteúdo nocional; uma palavra pode deixar de significar o que originalmente significava e passar a ter outro significado, a nos passar uma outra ideia. Com a estratificação social, o sentido se modifica na passagem de um grupo social a outro, especializando-se ou generalizando-se. Uma palavra pode se contagiar no contato com outra num sintagma em determinadas construção, fenômeno favorecido pelos parônimos, onde a semelhança da forma atrai semelhança de sentido. Algumas palavras que não têm seus sentidos familiares podem sofrer deformações que serão consagradas em seu uso, uma espécie de analogia por acaso, que é influenciada pela contribuição psicológica de cada indivíduo de acordo com sua percepção e sua associação de ideias.

O contexto situacional específico também influencia muito no sentido, ajudando a completá-lo, levando ao entendimento. Nosso vocabulário está sujeito à polissemia, à sinonímia, à homonímia, à ambiguidade, que será anulada num conjunto que determinará um valor significativo. A linguagem se serve de sistemas de referência que precisarão, dentro de um discurso, o sentido por meio de elementos linguísticos e extralinguísticos que auxiliam a função de comunicação ou de expressividade da linguagem. Nas palavras de MENDONÇA (2006, p. 245): “[...] só é possível dizer ou ler alguma coisa em determinados contextos”. Em uma conversa, um falante escolhe as palavras e seus sentidos de acordo com a sua perspectiva e sua necessidade no momento, para que haja entendimento por parte de seu interlocutor, por isso o ato de falar ser uma constante escolha para que se atinja um acordo entre o falante e o ouvinte. É necessário que se eliminem as generalidades para que se especifique o sentido, o qual se completa pelas nuanças geradas pela adaptação da palavra num quadro específico, processo ao qual todas as palavras estão sujeitas.

O estabelecimento do sentido é uma representação social que depende da frase, do parágrafo, do capítulo, da obra inteira, dos costumes sociais e individuais, de uma base comum e de um conhecimento de mundo, não apenas do que está no texto, mas também das informações implícitas. O contexto permite interpretar de modo correto as modificações semânticas. Cada parte de uma oração, de um parágrafo ou de um texto, depende do conjunto, do todo do qual faz parte, e este é o interlocutor quem constrói, harmonizando elementos conceituais e afetivos de maneiras não proporcionais, por isso dizer que as interpretações são construídas. “A linguagem pode bem ser a Casa do Ser, mas não é o Ser em si” (HEIDEGGER apud DURANTI, 1997, p. 29).

A determinação do sentido se dá em três níveis: um mais abstrato, outro sócio-histórico e ainda um de manifestações individuais. No primeiro nível há uma dependência da comunidade linguística à qual este pertence, da relação entre significado e significante e como os demais signos com os quais se relaciona na formação do sistema, que também está em permanente mudança. No segundo, fatores tais como classe e grupo social criam conflitos de valores, o que resulta em polissemias que são resolvidas na formação do discurso por meio de relações de substituição. O terceiro se manifesta no domínio de cada falante enquanto produtor de textos e sentidos, mas que é determinado pelos outros dois, não é totalmente livre.

“O sentido é aquilo sobre o que se abre a projeção estruturada pelos pressupostos de aquisições, de intenções e de apreensão, e em função de que alguma coisa é suscetível de ser entendida como alguma coisa” (HEIDEGGER apud COMPAGNON, 1999, p. 63). Uma coisa é descrita por seus caracteres objetivos (forma, função, relações), por isso, em algumas situações, nossa fala pode oferecer duas ou mais formas diferentes de segmentação, assumidas por meio de sutilezas na prosódia, com dois ou mais sentidos diferentes, resultando em uma ambiguidade, pois o sentido não existe por si só, ele está sob o domínio do proferidor do que foi dito e das suas intenções no momento em que o disse. Por exemplo:

Deu uma surra na mulher que a deixou bastante machucada. Bateu com as mãos e com a pá nela.

Deu uma surra na mulher que a deixou bastante machucada. Bateu com as mãos e com a panela.

(ILARI, 2004, p. 13)

Como podemos observar neste exemplo, não é preciso utilizar-se de artifícios especiais ou muito bem elaborados para se alterar o sentido de uma frase, nesse caso. É um processo tão corriqueiro que pode até acontecer acidentalmente. O simples fato de o locutor dizer pá nela com mais rapidez causou a transformação destes dois elementos em apenas um, panela.

O deslocamento semântico que acontece quando há uma alteração de sentido pode se dar por extensão, estreitamento, uso figurativo ou desvio. No primeiro caso, podemos observar um aumento de sentido em número com o passar do tempo, que é o caso da palavra salário, que originalmente significava “pagamento em sal a um soldado”, mas que hoje significa “pagamento de qualquer espécie a qualquer pessoa”. No segundo caso ocorre o contrário, uma diminuição em número de sentido, como acontece com a palavra pílula, que antes era sinônimo de “comprimido”, mas que hoje é de “anticoncepcional”. O próximo, que é o mais frequente, e na maioria de suas ocorrências intencional, consiste em um deslocamento do sentido original, o que se dá por meio de processo como: metáfora, metonímia, sinédoque entre outros. O último, desvio, ocorre quando um item lexical continua a existir, só que com significado alterado, mas sem grandes mudanças no campo semântico original. Isso é possível porque, mesmo podendo ver algo de diferentes pontos de vista, nunca o veremos como sendo dois ou mais objetos diferentes.

O fato de uma coisa passar a ter um ou mais significados além do que já tinha originalmente não faz com que esta passe também a ser outras coisas mais além desta coisa: “[...] o sentido ou significado é um querer dizer. Ou seja: um dizer que pode dizer-se de oura maneira” (PAZ, 2003, p. 47). O que há é um enriquecimento e expansão do seu sentido original. Daí surgem as figuras de linguagem, a saber: metonímia e metáfora.