Delírios Tipicamente Norte-Americanos V

PRESOS NO LABORATÓRIO SECRETO DOS ANUNNAKI

“Alô, Kepler?”

“Quem é? Quem foi que te passou o número?”

“Deixe de tolices, Kep! Sou eu, o Joe!”

“Joe? Crimson Joe? De onde está falando, homem?”

“Estou aqui.”

“Aqui? Aqui onde?”

“Aqui fora, Kep. Quero entrar.”

“De jeito nenhum. Tive o maior trabalho para conseguir esse emprego. Você não vai ferrar com tudo dessa vez.”

“Já não me desculpei? Eu não imaginava que aquilo não era lixo. Parecia com papel velho, e os ossos, bem... nem mesmo os cachorros quiseram roe-los.”

“Eram textos egípcios, Joe, papiros antigos. E aqueles ossos eram de pedra, estavam fossilizados, nenhum cão em sã consciência ia querê-los. Eram ossos de macaco pré-histórico, ou coisa assim. Fui despedido do museu por sua causa, e ainda tive de escutar um monte de ofensas do curador, que até quis me surrar.”

“Mas já está empregado de novo, não está? Vamos, esqueça o passado, rapaz. Me dê uma chance de provar que estou mudado. Tenho um plano ótimo dessa vez.”

“Um plano? Ainda está com aquela mania de dominar o mundo? E aquele psicólogo que te indiquei, o Dr. Lung? Não resolveu o seu problema?”

“Ele era muito careiro, então tive de analisá-lo eu mesmo. Ensinei-lhe como não extorquir mais o dinheiro suado dos outros.”

“É? E como fez isso, posso saber?”

“Arranquei sua língua. Sem ela, duvido que cobre tanta grana por uma consulta.”

“Você não mudou nada. Certo, Joe... Está aí no portão?”

“Sim, Kep, estou.”

“Está vendo uma pedra cinzenta e comprida, bem próxima do alambrado, onde escreveram com tinta vermelha: 'Nixon loves a lizard'?

“Deixe-me ver... Sim, sim, estou vendo. Tem uma outra ao pedra lado dela, com os dizeres: 'Reagan remains the same'.

“Isso mesmo. Debaixo da primeira tem uma chave que abre o cadeado.”

“Obrigado, Kep. Verá que é por uma boa causa.”

“Está sozinho? A pedra é bem pesada.”

“Não se preocupe. Tenho alguns amigos bem fortes aqui comigo.”

“Não me faça perder o emprego de novo.”

Joe desligou o celular, dirigindo-se para o grupo.

“Rapazes, vocês vieram a calhar. Vamos precisar erguer aquela pedra.”

“Está maluco? Deve pesar umas três toneladas, Joe!”

“Clemens, dê uma boa olhada no físico deles. Parecem até lutadores de telecatch! Vamos nos afastar e deixá-los mandar ver. Aquela ali, estão vendo, garotos?”

“Deixa com a gente, Joe. Não é um pedregulho desses que vai nos meter medo.”

Os Hell Angels rodearam a pedra, e com seus braços poderosos, acostumados a espancar velhinhas indefesas, bufaram um pouco mas conseguiram erguer a pedra.

“Mas que diabos! Vocês ergueram a pedra errada!”

“Desculpe-nos, Joe. Pensamos que fosse essa, não aquela.”

“Joe, veja! Tinha uma passagem oculta debaixo da pedra!”

“Estou vendo, Clemens. Tem até uma escadaria. Onde será que vai dar?”

“O Rot disse que não é bom mexer com essas coisas, Joe. Ele leu em algum lugar que existem túneis escondidos por aqui, que levam a bases subterrâneas secretas dos militares. E que eles mandam bala nos curiosos.”

“Pois se estão com tanto medo dos militares, podem ficar por aqui mesmo. Eu, Clemens e Sam vamos. Não é mesmo, rapazes?”

“Não sei se deveríamos...”

(Silêncio.)

“Pois está decidido. Clemens, pegue madeira e trapos para fazer umas tochas. Precisamos de gasolina para umedecer os panos. Podem tirar um pouco das Harleys?”

“Mas é claro, Joe, tudo que quiser. Só não vamos entrar nesse buraco aí.”

“Não se envergonhem disso, rapazes. Sentir medo é mais do que natural, principalmente quando somos covardes... Tudo pronto, Clemens?”

“Sim, Joe. Mas ainda acho que não devíamos...”

“Ora, deixe de ser maricas! Veja como Sam está se portando. Nenhum medo, não é mesmo, Sam?”

(Silêncio total.)

“Viu? Ande, vamos logo com isso.”

Deixando os Hell Angels na superfície, descem as escadarias. A chama das tochas ilumina as paredes, recobertas de ilustrações indígenas de significado desconhecido. Cavalos, bisões, cruzes e estrelas, círculos e setas, lagartos estilizados.

“Que bonito, Joe! Uma vez li num livro de lendas dos índios que os Hopis haviam saído de cavernas subterrâneas, habitadas por lagartos falantes. Será que estamos invadindo os domínios dessas criaturas?”

“Deixe de ser bobo, Clemens. Você sabe da imaginação tresloucada que têm os índios. Pergunte ao Sam se ele acredita nessas histórias.”

“Não acha isso possível, Sam?”

“Não só é possível, como é a mais pura verdade.”

“Sam, você voltou a falar! Veja, Joe, Sam está falando!”

“Não é o Sam, Clemens. Olhe ao seu redor.”

Encontravam-se cercados de seres pálidos e sibilantes, armados de metralhadoras, com suásticas roxas bordadas em uniformes verde-oliva. Seus rostos eram cobertos de escamas e seus olhos amarelados pareciam com olhos de gato, tendo pupilas negras, finas e verticais. Clemens desmaiou. O Tio Sam continuou em pé, imóvel. Joe perguntou:

“Quem são vocês?”

“Somos os Anunnaki. Já deve ter ouvido falar de nós.”

“Não mesmo.”

“Pois deveria. Temos dominado o mundo já há muitos milênios.”

“Mas não podem fazer isso! Eu é que vou dominar o mundo!”

“Deixe de besteira. Nós, os Anunnaki, é que comandamos tudo.”

“Porra nenhuma!”

Joe lançou a tocha na direção das criaturas e correu. Subiu rapidamente as escadas, procurando pelos Hell Angels. Mas eles já haviam partido. Desesperado, pegou o celular e discou 911.

“Departamento de Polícia... onde poderíamos ser úteis?”

“Socorro! Tem uns lagartos aqui dizendo que já dominaram o mundo!”

“O quê?”

Mas Joe não disse mais nada. O violento impacto da coronha de uma metralhadora em sua cabeça o pôs a nocaute. Quando acordou, estava preso dentro de um enorme tubo de ensaio virado ao contrário. Dezenas de criaturas reptilianas, metidas em jalecos brancos, circulavam balançando as caudas por uma espécie de laboratório. Olhando para os lados, Joe percebeu que Sam e Clemens estavam na mesma situação que ele.

“Clemens, quem são esses tipos?”

“Não sei, Joe. Acho que são alienígenas extraterrestres de outro planeta.”

“Fizeram alguma coisa com você?”

“Não, mas vão fazer. Olhe para aqueles pobres coitados.”

“Cristo!”

Eram os Hell Angels. Estavam picados sobre as bancadas. As criaturas costuravam os pedaços, banhando as suturas com pomadas verdes, vermelhas e amarelas, que tiravam de velhos potes de alabastro. As partes recém-costuradas pululavam, animadas como em filmes de mortos-vivos. Os lagartos bípedes corriam atrás delas, furiosos, recolhendo-as com suas pinças. A cabeça cortada de Rot, ligada pela faringe aos intestinos de Billy, arrastava-se pelo chão como uma lesma repulsiva, emitindo sonoras trepidações flatulentas pela boca, pelas narinas, pelos ouvidos, e até mesmo pelos olhos: PRRRRR!!!

“Precisamos dar um jeito de sair desse pesadelo, Clemens. Não quero acabar meus dias costurado em você, ou tendo meus órgãos internos expostos assim.”

“É verdade. Mas como vamos escapar desses tubos? As paredes são grossas, não quebrarão com facilidade. Acho que estamos liquidados, Joe.”

“Não desanime agora, Clemens. Dê uma olhada ali.”

Um homem vestindo um macacão cinzento limpava a sujeira deixada por Rot no piso, manejando com destreza seu esfregão.

“Ora, Joe! É só um faxineiro!”

“Não é um simples faxineiro. É meu amigo Kepler.”

Joe fez sinal para Kepler, que se aproximou.

“Joe! Que está fazendo dentro desse vidro?”

“Eles nos pegaram, Kep. Precisamos escapar daqui, antes que viremos colchas de retalho. Poderia nos dar uma ajuda?”

“Claro, amigão! Para falar a verdade, já estava ficando cheio desse trabalho!”

Enfiando o cabo do esfregão debaixo do tubo, Kepler o usou como alavanca para libertar Joe. O tubo caiu, produzindo um barulho de vidro quebrado que alertou os reptilianos. Joe correu e livrou Clemens, enquanto Kepler tirava o Tio Sam de sua prisão.

“Sigam-me! Conheço uma saída que nos levará para a superfície!”

Saltaram para dentro de um compartimento cilíndrico, e Kepler acionou alguns botões. O cilindro partiu a uma velocidade impressionante, cortando o interior do planeta em questão de segundos. Saíram em algum lugar do Deserto Mojave, surpreendendo um grupo de turistas que provavam peyote pela primeira vez.

“Nossa, o negócio bateu! Olhem ali, acabam de chegar os intraterrenos!”

“Sem grilo, cara. São humanos como nós.”

“Como podem ser humanos? Vieram das profundezas da Terra!”

“Não sabia? A Terra é oca, cara. Oca como a sua cabeça, e está cheia de pessoas vivendo lá dentro. Ao contrário da sua cabeça, que contém apenas minhocas.”

Joe, Clemens, Kepler e o Tio Sam pegaram uma carona com os turistas, que os deixaram nas proximidades de Laredo. Agradeceram e seguiram a pé, cruzando os lamacentos campos de arroz do Novo México, até chegarem a uma cabine telefônica em Massachusetts. Joe havia perdido seu celular.

“Tem uma moeda, Clemens?”

“Não, Joe. Tudo que temos agora são as barras de ouro que roubamos lá em Knox. Para quem pretende ligar?”

“Para o Coronel Olive. Preciso esclarecer uns pontos nessa história de lagartos.”

“Eu tenho uma moeda.”

“Obrigado, Kep. Depois te devolvo.”

Joe estava nervoso. Aquelas lagartixas gigantes queriam passar por cima dele no domínio mundial, puxar-lhe o tapete. Aquilo não ia ficar assim, mas não ia mesmo. Elas veriam com quem estavam lidando. Nem que fosse a última coisa que fizesse na vida, ensinaria a elas uma boa lição.

COMENTÁRIOS NECESSÁRIOS OU DESNECESSÁRIOS #5

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DA DOMINAÇÃO REPTILIANA

Ligeira explicação sobre os Anunnaki, seus objetivos e planos para a Raça Humana

Muito antes dos filhos de Árias virem de Marte para a Terra, após o desastre de Vênus (que causou a Idade do Gelo), o planeta já havia sido colonizado por uma raça de lagartos inteligentes, proveniente de algum ponto remoto no espaço, provavelmente da constelação de Dragão. Eram os Anunnaki, e haviam chegado em busca de ouro (o melhor dos condutores), diamantes (essenciais para suas ferramentas), e prata (para a confecção de seus trajes espaciais). Mas como não eram muito afeitos ao estafante trabalho de mineração, decidiram que o melhor seria criar geneticamente uma raça de escravos para executar o serviço. Seriam uma espécie de obreiros acéfalos, como abelhas operárias lobotomizadas, e trabalhariam sem férias ou quaisquer outros direitos trabalhistas, o que seria uma vantagem ainda maior. Os cientistas reuniram-se e começaram a estudar a fauna do planeta, buscando os melhores espécimes para um upgrade. Mas a Terra havia produzido apenas exemplares inferiores, a evolução agindo de forma extremamente lenta e os geneticistas draconianos acabaram escolhendo uma espécie de macaco sem rabo, idiota e acostumada a comer vermes de madeira podre, para implantar seus genes e assim forçar o crescimento de seu cérebro minúsculo. Inúmeros testes redundaram em fracasso, os seres resultantes eram por demais indolentes e não abriam facilmente mão de seus hábitos antigos, como trepar nas árvores e ficar berrando. Experiência após experiência foi sendo eliminada pelos cientistas reptilianos, até que enfim chegaram a algo bem próximo do Homo Sapiens. Esse espécime foi obtido através da unificação das células de vários exemplares genéticos anteriores (os mais potencialmente servis dentre os fracassos), insuflados em doses cavalares na corrente sangüínea dos macacos primitivos, o que os fez desenvolver a capacidade de bajular seus senhores, como os cães fazem com seus donos. A raça criada tinha a inteligência mínima para compreender que precisaria trabalhar para comer, e assim os Anunnaki conseguiram alcançar seu intento. A raça foi batizada por eles de Lulu, “aquele que serve para servir”. Os Lulu eram baixos e peludos, e adaptaram-se à servidão a ponto de ficarem tristes quando não trabalhavam, vindo daí o curioso hábito de fazer hora-extra. Mas houve uma dissensão entre os reptilianos: os cientistas achavam que, após tantos séculos de escravidão, já estava na hora dos Lulu evoluírem para algo melhor, com consciência e direitos, digamos, humanos. Outra vertente, a dos aristocratas, achava mais apropriado deixar tudo como estava, pois afinal os Lulu serviam e deveriam continuar servindo apenas para servir. E os grupos começaram a questionar outros pontos de sua agenda, como maiores salários e outras reivindicações do Sindicato dos Geneticistas, e tudo foi resolvido no que ficou conhecido como as Guerras Divinas descritas no Mahabharata. Mas os remanescentes aristocráticos da guerra enfiaram-se em cavernas nas profundezas da Terra depois que os cientistas sobreviventes partiram em suas naves, procurando um local mais sossegado para seus estudos biológicos; pois o planeta Vênus, outrora o terceiro no sistema solar (a Terra era o segundo), foi deslocado de sua órbita pela explosão de Tiamat (o quarto planeta, localizado onde agora está o cinturão de asteróides, entre Marte e a Terra), causada pelas batalhas dos Arianos pela reconquista de Marte. Vênus quase colidiu com a Terra, tendo seu campo gravitacional suprimido de Vênus a maioria do potencial aqüífero desse planeta. E assim a Terra mergulhou na Era Glacial, devido às imensas massas de água que Vênus depositou em sua crosta e ao volume de poeira cósmica que encobriu o brilho e obstruiu o calor do Sol, resfriando sua atmosfera. Os Arianos desembarcaram algum tempo depois, após a destruição dos recursos naturais de seu planeta, e fundaram na Terra suas colônias. Os Lulu sobreviventes agradaram aos Arianos, pois eram obedientes como cães, resignados como ovelhas e trabalhadores como cavalos. E a raça dos Lulu recebeu um novo upgrade, pois “os filhos dos deuses deitaram-se com as filhas dos homens, e produziram filhos”. O tempo passou e os Arianos esqueceram de suas origens. Estabeleceram-se na Terra e viviam como os Lulu, totalmente livres das desgraças da tecnologia, e os híbridos alastraram-se até não haver mais diferenças significativas entre as duas raças. Porém, saída das entranhas do planeta após a renovação climática, a aristocracia Anunnaki retornou para dominar a nova raça, que se estabelecera na região da Mesopotâmia. Com sua mais recente habilidade, a de assumir a aparência humana, infiltrou-se e conquistou com seus códigos morais e religiosos o povo mesclado. E assim, legislando e controlando culturalmente as mentes dos híbridos, seguiram com seu objetivo. Nos dias de hoje, qualquer aristocrata sabe que seu sangue descende dos Anunnaki, que não deve haver procriação entre humanos e répteis (pois a mistura enfraqueceria suas habilidades metamórficas), que todas as religiões predominantes são uma farsa ilusória e que o homem comum, mistura de sangue Lulu e Ariano, ainda serve, como nos velhos tempos, apenas para servir. E Deus salve a América (e o resto do planeta).

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 21/05/2012
Reeditado em 23/05/2012
Código do texto: T3679908
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