Delírios Tipicamente Norte-Americanos IX

O PERTURBADOR MISTÉRIO DE UM DESAPARECIMENTO

Quando acordaram, às nove e meia da manhã, o coronel ligou para a recepção e pediu o café. Joe foi ao banheiro, pensando que Clemens havia se levantado e estava lá.

“Ande com isso, Clemens. Quero mijar.”

Não houve resposta.

“Clemens, abra a porta. Estou apertado.”

Joe acionou o trinco, e a porta se abriu. O banheiro estava vazio.

“Onde Clemens se meteu? Alguém aqui o viu sair do quarto?”

Ninguém havia visto. O Coronel Olive opinou:

“Talvez ele esteja lá embaixo, no saguão do hotel.”

Desceram para confirmar. Mas Clemens não estava lá.

“Que inferno! E agora? Sem Clemens não sou ninguém. É meu parceiro, não sou capaz de fazer nada sem ele!”

O coronel tentou tranqüilizá-lo.

“Ele pode ter ido ao cinema, ou ao mercado. Tinha dinheiro com ele?”

“Não, estava liso. Carregava algumas barras de ouro, mas Clemens não é de dar importância a valores materiais. É absolutamente ingênuo.”

“Acho que ele foi abduzido.”

“Do que está falando, Kep?”

“Os draconianos abduzem pessoas, Joe. Quando sentem-se ameaçados por elas, raptam-nas e as desintegram completamente.”

“Mas justo Clemens? Que informações sua mente simplória poderia conter, que oferecesse qualquer risco aos répteis?”

“Ás vezes guardamos segredos de nós mesmos.”

“Então devo aceitar isso? Clemens já era?”

“Penso que é uma alternativa bastante sensata.”

“Não! Não, está me ouvindo? Clemens está vivo, vivo!”

“Aceite o fato, Joe. Aja racionalmente.”

“Ora, seu faxineiro metido a professor! Venha aqui que eu vou...”

O coronel e Frank detiveram Joe, que completamente histérico ameaçava saltar em cima de Kepler, com a clara intenção de esmurrá-lo.

“Acalme-se, Joe. E você, Kepler, não seja insensível. Deixe-o em paz.”

“Em minha revista número 8, houve o misterioso desaparecimento do vendedor de amendoins torrados. Nós o procuramos como loucos durante o dia inteiro. Ele sempre nos dava amendoins de graça. Naquele dia, não comemos nenhum amendoim, pois ele não estava lá. Mas no dia seguinte voltou, e então nos fartamos. A moral da estória é: nem sempre as pessoas estão perto de nós, e devemos aceitar esse distanciamento.”

“Era só o que me faltava! Um esquilo filósofo!”

Joe relutou, mas acabou aceitando a idéia de agir sem Clemens. Subiram para o café, arrumaram as malas e foram para o aeroporto. Ao ver o avião, Frank disse:

“Em minha revista número 22, um esquilo voador...”

Joe o encarou com uma ameaça nos olhos.

“Não quero ouvir suas morais idiotas durante o vôo. Inspire-se em Sam.”

Chegaram em Washington, indo sem demora para o gabinete do Coronel Olive, no Pentágono. Joe ainda estava amuado, e tentava disfarçar as lágrimas esfregando as mãos pelos olhos vermelhos. Seu nariz escorria. Olive deu-lhe um lencinho bordado, e também um cigarro de erva.

“Fume um pouco. A fumaça opera milagres.”

Joe fumou, e logo sentiu-se melhor.

“Acredita que exista alguma chance de Clemens ainda estar vivo, coronel?”

“Tudo é possível, Joe. É preciso acreditar. Se ele estiver bem, voltaremos a vê-lo. Mas temos coisas importantes a decidir. Os draconianos tramam algum plano nefasto contra a Segurança Nacional, e precisamos pensar em como impedi-los.”

“Mas nem sabemos que rumo tomar nas investigações!”

“Está tudo em sua mente, Joe. Há sempre sinais fortuitos nas revelações, detalhes aos quais não se dá importância, mas que cedem pistas básicas, essenciais para a decifração do enigma. Temos um local especial aqui no Pentágono, chamado de Sala de Clareza Mental. Venha, vou levá-lo até lá. Quanto a vocês, se quiserem fumar a cannabis, tem mais naquela latinha. Só não fiquem passeando pelos corredores enquanto estiverem fumando, ou os seguranças os levarão para uma boa massagem no subsolo.”

O coronel guiou Joe através das intrincadas dependências da construção, e algum tempo depois pararam em frente a uma porta com a palavra MECRO em letras negras, grandes.

“É aqui.”

Entraram. A sala era pequena, totalmente pintada de preto, e no meio havia uma pirâmide feita de aço, em armação, no interior da qual estava uma poltrona com suporte para as pernas. A iluminação era fraca, filtrada por um lustre de papel escuro, que deixava apenas algumas réstias escaparem. Quando entraram, uma música ambiente invadiu o cômodo, deixando algo de céltico ser levemente captado em suas notas melodiosas. O conjunto era suavizante, quase embriagador.

“Sente-se na poltrona e relaxe. Vou explicar como a coisa funciona. É o seguinte: dentro dos limites desta pirâmide, suas ondas cerebrais sofrerão uma alteração significativa. Todo o ambiente é montado para obter um relaxamento que predisporá seu cérebro a alcançar um estado de semi-vigília. Estará meio acordado, meio dormindo. A pirâmide agirá como catalizador, fazendo que de seu subconsciente aflorem informações de relevância para a situação que seu consciente está vivendo. Ela o sugestionará a atrair dados obscuros de sua mente para a luz de sua consciência e então você irá rete-los com total clareza, pois o ponto alto da pirâmide é uma metáfora potentíssima, uma espécie de totem que age canalizando os pensamentos como um simulador do real mecanismo por trás da coisa toda. Os antigos sacerdotes egípcios se utilizavam desse estratagema para despertar de forma prática o conhecimento oculto que guardavam dentro de si. Entendeu? É como um buscador de preciosidades visuais colhidas a nível inconsciente, um detetor de tesouros mentais normalmente inacessíveis quando se está desperto.”

Joe já estava sonolento. O efeito da erva, aliado ao balanço da poltrona (que era embalada automaticamente), fazia suas pálpebras pesarem. Percebendo que ele já estava entrando em estado letárgico, o coronel o abandonou, saindo na ponta dos pés e fechando silenciosamente a porta.

As imagens se sucediam na mente de Joe. Como clarões, via pedaços de sua infância mesclando-se a imagens de seus dias como guerrilheiro na Nicarágua. Outras imagens em trechos seqüenciais, e também coisas que havia muito tempo não se lembrava. Então, entre dilúvios de detalhes, reviu a cena onde observava a rodovia. Foi baixando novamente, como antes, e estava defronte ao Rolls-Royce em chamas. Papéis esvoaçavam ao redor do automóvel, alguns queimados, outros não. Havia letras formando palavras naqueles papéis, as palavras formando frases e as frases consistiam em textos completos, que Joe não conseguia entender. Firmou a vista, lutando para agarrar o significado das palavras. Um dos papéis esvoaçantes ficou parado, como se uma pausa no tempo o fizesse estacar, detendo seu movimento. E Joe pôde ler: “Boletim de Superaquecimento Global. Conselho de Guerra Interplanetária dos Estados Unidos da América. Ultra-secreto (Fator de Risco: Seis). Alternativa Um: Greys em franca ofensiva (traição deliberada do Wishbone Pact). Alternativa Dois: Reptilianos em manobras finais de invasão (preparação atmosférica e climática). Alternativa Três: Código Ômega 5 (prenúncio de eminente catástrofe planetária).” Havia mais informações, detalhando cada tópico, mas Joe pôde apenas ler a assinatura de quem confeccionara o relatório: Senador William Lee. O papel voltou a se mover, caindo entre as chamas, onde foi totalmente consumido. As imagens abandonaram seu campo visual. Estava acordado. A porta se abriu, dando passagem ao coronel.

“E então? Viu alguma coisa?”

“Creio que sim. Conhece o Senador William Lee?”

“Conheço. É um velho desconfiado, que anda armado com uma pistola automática e está sempre acompanhado por seis de seus carabineiros pessoais.”

“E os Greys?”

“Os Greys são um mito. Uns dizem que são bons rapazes, outros que são cientistas que agem de maneira fria e calculista. O que sei a respeito deles é que não são de confiança. Abduzem pessoas e fazem testes horrorosos com elas. Mas sempre as devolvem, na maioria das vezes repletas de cortes profundos mas inexplicavelmente cicatrizados, como se as suturas fossem feitas a pontos de solda. Viu um dos Greys?”

“Não, havia apenas uma referência a eles. Sobre uma possível traição.”

“Conte-me tudo que viu.”

Joe informou sobre o que lera no papel.

“Conselho de Guerra Interplanetária? Não sabia que estávamos indo tão longe em nossas relações exteriores. E o que faz um senador nesse conselho?”

“Não deixa de ser um parlamentar. Pode estar agindo como embaixador secreto, ou algo do gênero.”

“Tem razão. Vou tentar obter uma entrevista com ele. Informarei meus superiores da KLW, para ver o que acham da situação. Tome algum dinheiro, e leve os rapazes para comer alguma coisa. Devem estar famintos.”

O coronel passou-lhe uma nota de vinte.

“Só isso? E o que vamos comer com essa mixaria?”

“Comam hot-dogs. Tem um sujeito lá embaixo que capricha na maionese.”

“Seu muquirana.”

Joe desceu com os rapazes, e fizeram uma refeição de salsichas. O homem do carrinho reconheceu Frank, e deu-lhe alguns amendoins confeitados de graça. Tio Sam gentilmente cedeu o seu hot-dog para que Kepler e Joe dividissem. Houve uma certa contenda, mas nenhum ferimento que exigisse intervenção cirúrgica.

COMENTÁRIOS NECESSÁRIOS OU DESNECESSÁRIOS #9

AFINAL, QUAL A RAZÃO DOS SONHOS E DOS PESADELOS?

Pequeno tratado não-científico sobre as visões noturnas, suas causas e seus efeitos

Os sonhos são a linguagem inconsciente dos desejos. Um pesadelo é como um aviso de que algo está errado, e talvez sugira mudanças de comportamento na pessoa que o tem. Um sonho molhado (quem já não os teve!), informa o sonhador de que ele está precisando de sexo. Mas e aqueles sonhos reais, onde tudo é tão vivo e as cores tão intensas, que fica gravado na mente muito tempo depois de despertarmos? Esses seriam os sonhos importantes, que comunicam mensagens de cunho potencialmente essencial para o desenvolvimento psíquico, e mesmo físico do sonhador. Sim, o inconsciente é todo um iceberg submerso pela ignorância consciente. Pobre consciência, quer entender o que está fora quando não faz a mínima idéia do que está dentro! Mas não se desesperem, sonhadores do mundo: um pouco de paciência e conseguirão acessar os mistérios encerrados em seu subconsciente. É uma simples questão de usar o que está em seu poder, ou seja, o inconsciente trabalha com dados simples, combinando-os em enredos cifrados. Tudo que usa é de fácil identificação, pois sempre tenta facilitar a tarefa para o sonhador. Vejamos: uma pessoa sonha que a casa está desabando em cima dela. Desastre? Não, talvez o subconsciente esteja pensando em reformá-la, antecipando esse desejo com a imagem de tal situação de risco. O desejo de reformar a casa, inconscientemente formulado pela pessoa, aparece assim, em caráter de extrema urgência. “Preciso reformar a casa!” E corre para uma loja de ferragens. Outro exemplo: um garoto sonha que seu cachorro é atropelado. Acorda e imediatamente prende o animal na coleira. Então começa a passear com o cão na corrente, e percebe o quanto é bom fazer isso e há quanto tempo não o fazia. Ele havia se esquecido de dar a devida atenção ao cachorro, seu bom amigo, e o inconsciente o comunicou de forma um tanto drástica que estivera sendo relapso com seu bichinho de estimação. Simples, viram? Não é nada complicado. Basta identificar as causas oníricas, e sem perceber estaremos agindo de acordo com a vontade subconsciente, atividade que seria bem definida como: Efeito Onírico sobre Realidade Física. Tudo devidamente encoberto pelo véu da sábia ignorância consciente, que não quer sobrecarregar ninguém com as complicadas artimanhas dos sonhos... Então durmam sossegados, meus caros sonhadores, e aproveitem seus sonhos.

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 23/05/2012
Reeditado em 23/05/2012
Código do texto: T3683497
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