Diário de uma campanha

Diário de uma campanha

Você quando recebe a alcunha de “o candidato”, independente de já estar eleito ou não, invariavelmente cai na rotina do “pede-pede” da população. Basta te verem que começa: me dá isso, me dá aquilo, me dá uma cesta básica, me dá um emprego, me dá dinheiro, me dá uma casa , me dá material de construção, me dá remédio, consegue um exame, consegue uma internação, me dá gás de cozinha que o meu acabou, “deixa uma gelada aí”, me dá ... , me dá ... , me dá ... <...> e por aí vai, fazendo com que os recursos necessários para atender a tamanho “pede-pede” tendem ao infinito.

Além disso, aquele que tenta se eleger, por mais que sejam nobres e reais os sentimentos que o levaram a ser “o candidato”, invariavelmente também acaba caindo na vala comum onde o ditado “só tem político ladrão neste país; vamos pegar o que podemos deles” é a regra, porque a maior parte dos que vendem o voto, não vende só para 1, mas sim para 2, 3, 4 ou mais pessoas com a alcunha “o candidato”.

E, detalhe, a expressão “vender o voto” não se restringe somente à população de baixa renda, morador de comunidade carente, que vende seu voto por R$50,00, não! Tem gente classe média que vende seu voto e “sua fama” por R$10.000,00 ao mês, justificando estar trabalhando para “o candidato”, e tem gente milionária que “vende seu voto” em troca de emprego e salário de R$5.000,00 reais por mês para um “aspone” assecla incompetente!

Assim, institui-se uma relação de consumo onde: primeiro a população rouba “o candidato”, para depois ser roubada por ele(a)!

“O candidato” passa então a ser um cifrão ambulante! Ninguém vê “o candidato” como uma pessoa, mas sim, somente, como uma fonte fornecedora de dinheiro, pois afinal de contas, por princípio, “o candidato” obrigatoriamente tem que ter dinheiro. Danem-se projetos, ideias, conduta, postura, história e histórico! Via de regra, a única coisa que importa é o tal do dinheiro!

Para verificar a veracidade deste corolário que apresento, basta estudar e analisar as chamadas “lideranças comunitárias”! Já notaram que todas, ou a imensa maioria pelo menos, sempre estão bem e empregadas com qualquer governo, independente de quem ganhe!!! Fico me perguntando como tal feito é possível, pois quando você levanta uma bandeira, automaticamente (pelo menos deveria ser assim) deixa de levantar as outras.

Já repararam também como, do nada, surgem pessoas que acabam sendo “agentes de gente – pobre ou não”, prometendo “ao candidato” conseguir x votos, desde que “o candidato” tenha estrutura, ou seja, tenha dinheiro para bancar o “pede-pede” que aquela liderança irá fazer. E a desculpa é sempre a mesma: “já estou cansado de “candidatos” passarem aqui e me enganarem, então tem que pagar para eu trabalhar!”

Existem, com certeza, exceções a esta regra que apresento, mas que acabam sendo engolidas pelo imenso mar de gente que se comporta como aponto acima. Então, estes de boa índole e caráter, acabam ficando isolados e quietos em um canto onde ninguém, preferencialmente, nem lembre que eles existam.

Não posso esquecer-me de destacar que, ainda, tem também a face nefasta da disputa política completa e totalmente desigual, pois existe “o candidato” rico e “o candidato” pobre.

“O candidato” rico é aquele, geralmente já eleito ou ainda “o queridinho do partido”, que a máquina pública funciona para ele, fornecendo escritório, dinheiro, estrutura física, empregos etc.

“O candidato” pobre é, do outro lado, aquele que com seus parcos recursos tenta fazer uma campanha honesta e dentro daquilo que pode, acionando amigos e aqueles que estão no seu circulo de relacionamentos.

“O candidato” rico fica 30 segundos todos os dias da campanha política aparecendo na TV Globo; “o candidato” pobre fica com 3 segundos de vez em quando na CNT!

“O candidato” rico gasta 200 mil reais por mês com a folha de pagamento das suas ”lideranças”. “O candidato” pobre fica endividado até a raiz dos cabelos e depois tem que encarar ligações de cobrança todos os dias, pela manhã, tarde e noite, tirando o SCPC e o Serasa Experian enviando cartinha!

“O candidato” rico fica publicando foto no facebook até do lado do Papa, enquanto que “o candidato” pobre publica no facebook que está mais uma noite sem dormir!

“O candidato” rico tem padrinho milionário, enquanto que “o candidato” pobre tem, no máximo, vizinho(a) chato(a), que fica fuçando tudo, tomando conta de tudo, fazendo fofoca e enchendo o saco com o “pede-pede” local. ... ... ... e, pobre coitado do “o candidato” pobre que resolve pedir ajuda ao amigo(a) do seu circulo de relacionamento que é bem de vida e que gasta R$5.000,00 em uma noite, todas a semana, com bebidas, bagunça e ilusões! Vai ser bloqueado no facebook da pessoa e nunca mais vai conseguir falar seja pessoalmente ou pelo telefone!

Aí... .... ... sem saída... ... ...

... um belíssimo dia “o candidato” pobre resolve pedir uma ajuda ao colega, ”o candidato” rico. Resultado: “o candidato” rico diz que vai fazer e acontecer e depois o que de fato faz? Nada! Continua publicando fotos ao lado do Papa no facebook, de manhã, de tarde e 3x à noite!!!

A grande pena disso tudo é que no final quem acaba levando na cabeça é a população, que nem sabe que faz parte desta relação de consumo onde “o candidato” é o consumidor, os lideres comunitários são os vendedores e a população é o produto!

Resultado: “o candidato”, via de regra, ao ser eleito o que ele faz?? Pega tudo o que tomaram dele, com juros, correção monetária e lucro suficiente para cobrir o “pede-pede” da próxima eleição, com folga!!

E a população o que acontece com ela? Continua sem educação, sem saúde, sem asfalto, andando no xixi e no coco, com ratos, baratas, sapos e lacraias como vizinhos e, detalhe, não pode reclamar de nada porque um dia vendeu seu voto para 5 ou mais pessoas com a alcunha “o candidato”, sem nem saber o porquê estava fazendo aquilo, pois a “liderança comunitária” avisou que aquele dinheiro era pagamento do “trabalho no dia da eleição”!

E “o candidato” que perdeu, o que acontece com ele? Leva a fama de ladrão, fica devendo ao banco, ao vizinho, ao cartão de crédito, se separa da esposa e se afunda em um mar de dívidas e tristeza e, detalhe, nem o cachorro abana mais o rabinho quando chega em casa!

Tudo o que escrevi acima vem da minha experiência como “o candidato” sempre do lado pobre da relação, sendo este um retrato do que vivi e vivo na vida que escolhi, voluntariamente, para mim. Sempre falo que na política não há espaço para amadores, mas a luta está se tornando cada vez mais desigual e simplesmente impossível para candidatos como eu.

Acredito que um dia consiga mobilizar um quantitativo de pessoas suficiente para ajudar-me financeiramente e eleger-me nas urnas e que vejam em mim não mais um “o candidato” que irá enganar a todos para conseguir tornar-se mais um ladrão do dinheiro público.

Espero, por fim, que este texto sirva para ilustrar minimamente a rotina da campanha eleitoral e sirva também pelo menos para abrir uma discussão: até que ponto o regime eleitoral brasileiro é realmente democrático? Deixo aqui este tema para reflexão querido(a) leitor(a).

Obrigado por ter lido meu texto.

Abraços.

André Silva