Um Prédio Abandonado, um Patrimônio Histórico desvalorizado e muitos aprendizados!

No final do ano passado, tive um encontro com o Delegado da DEFENDER em Ivoti/RS (Defesa Civil do Patrimônio Histórico) e Doutorando em História (PUC-RS) Cristiano Enrique de Brum em visita ao Centro Histórico de Torres/RS. Conversávamos sobre as infinitas demandas em defesa e promoção do patrimônio cultural enquanto caminhávamos entre os casarios centenários e os prédios modernos, ressaltando a lamentável situação que se encontram os bens culturais da cidade. Íamos observando a negligência generalizada que culminou na destruição da maioria dos sobrados e casas históricas, como se a população torrense desconhecesse sua própria História e relegasse ao esquecimento às memórias do passado. Percebemos a intrínseca relação entre a natureza, a cultura e a identidade local imbricada na paisagem urbana, compondo um cenário único na imponência das falésias à beira-mar, o brilho da lagoa do Violão, a sinuosidade do Rio Mampituba, o esbranquiçado dos areais, o verdejante das matas, o contorno da Serra e a imensidão do oceano e do céu. Muitas vezes, nós moradores, necessitamos dessa sensibilidade no olhar dos visitantes para reconhecermos nosso próprio lugar. No caso específico das edificações históricas, os recursos naturais estão explícitos no material das construções: no madeiramento, nos blocos rochosos extraídos dos morros, na argamassa de barro e cal provenientes das conchas que eram processadas nas caieiras, como algumas que existiam na Praia do Cal e na Guarita, inclusive muitas conchas eram extraídas dos Sambaquis da região. Lamentamos que as iniciativas de preservação do patrimônio histórico local se reduza a “fachada” dos casarios, como estão se tornando alguns remanescentes da Rua Júlio de Castilhos (antiga Rua de Baixo), demonstrando nitidamente a deturpação do aparato legislativo de proteção a estes bens e a omissão dos órgãos fiscalizadores como o COMPHAC – Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. Outra preocupação que surgiu foi com o processo de restauração da Igreja São Domingos das Torres que completou 190 anos. Este templo religioso é a única edificação reconhecida legalmente pelo IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado. Há cerca de 5 anos se prolonga a restauração da Igreja e a comunidade torrense continua desinformada sobre as etapas na reconstrução do nosso patrimônio. Subindo o Morro do Farol, o amigo Cristiano demonstra preocupação com o prédio do Grupo Escolar e Colônia de Férias, projeto que se iniciou entre 1937/1938 e com diversas alterações funcionou até 2011 sob a tutela da Escola Cenecista Professor Durban Ferraz Ferreira. O prédio está abandonado servindo abrigo para os moradores e moradoras de rua. Salientamos a importância da edificação para compreendermos os projetos higienistas do Estado Novo de Getúlio Vargas (1930-1945) e seus desdobramentos para a educação influenciando diretamente na arquitetura escolar da época. Fomos adentrando as ruínas do prédio e ficamos fascinados com a estrutura das molduras das janelas e portas, os detalhes no piso, nos ladrilhos, as salas de aula (muitas ainda com os quadros – negros e mobiliários) e alguns vitrais ainda preservados. O piso superior está bastante comprometido e o que nos chamou atenção foi o belíssimo panorama da ilha dos Lobos, da cidade e o contraste entre a lagoa e a Serra Geral. Lá, fizemos um amigo de quatro patas, um cachorro era o zelador do local e como não sabíamos como estava seu humor tratamos de sair de fininho, com um olho onde pisávamos e o outro em nosso amigo. Nesta vistoria, concluímos que havia muita coisa preservada em meio as depredações e entulhos e a urgência de avançarmos no processo de tombamento da edificação e seu entorno, enfatizando que no local em 1777 foi instalado o Forte São Diogo das Torres e possivelmente seus vestígios poderão ser resgatados com um projeto de Arqueologia Preventiva. No mesmo local, temos testemunhos da História Militar e a História da Educação do Estado do Rio Grande do Sul. Entre a caminhada, reflexões e algumas pausas, esta tarde que passei com o amigo Cristiano foi de aprendizados significativos; em que aprendemos que podemos aprender muito mais com a preservação do nosso patrimônio cultural.

Publicado no Jornal Litoral Norte; Jornal A Folha e no site DEFENDER- Defesa Civil do Patrimônio Histórico (www.defender.org.br)

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 06/02/2015
Reeditado em 06/02/2015
Código do texto: T5127827
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