Futebol: Arte, Paixão e Violência

Podemos afirmar que o futebol é um dos esportes mais populares no mundo. Em nosso país se confunde com a cultura brasileira, no gingado dos dribles, na malandragem e na alegre acrobacia com os pés. O futebol- arte tornou-se uma paixão nacional. De origem aristocrática, o foot-ball, se espalhou pelos guetos que re-significaram e transformaram essa prática coletiva. Onde tem uma bola rolando, lá vai uma criança atrás. Numa rua com goleiras improvisadas com pedras e chinelos servindo como traves, a festa está garantida, o jogo rola sem hora para acabar. Uma simples bola, que pode ser uma “bola de meia”, proporciona a felicidade da garotada. Na essência o futebol é um esporte democrático e não precisa de grandes estruturas para acontecer, apenas de pessoas. Na escola, na quadra, na praia e na rua é só convidar: Vamos jogar uma bola? Dentro de campo não existe rico ou pobre, as classes sociais se diluem e sobressaem as habilidades, a raça, o entrosamento e os gols. Depois do jogo, os jogadores cansados suados cumprimentam-se, trocam gozações (a famosa “corneta”) e bebem juntos. Gosto de pensar no futebol como uma manifestação das massas populares.

A paixão pelo seu clube do coração invade as arquibancadas trazendo o colorido e a vibração que empolga os jogadores. O torcedor entusiasmado veste sua camiseta como se fosse entrar em campo, canta e xinga num turbilhão de emoções. Para nós brasileiros é inadmissível trocar de time. É mais fácil trocar de partido político ou de religião. Pela sua complexidade, o futebol torna-se objeto de estudo da História, Antropologia e Sociologia. O lado perverso do futebol está ligado às transações milionárias, preconceitos de todo tipo como o machismo e o racismo e a construção de ídolos medíocres. Quem nunca pensou em ser jogador de futebol? É uma esperança para muitos que vivem na pobreza. Entretanto, os jogadores milionários representam uma parcela mínima entre os futebolistas sendo que a maioria, não ultrapassa sua renda de um salário mínimo. Estes estão jogando nas várzeas ou campeonatos das Séries B, C e D e não tem reconhecimento da maioria da população, cristalizando a ideia do jogador “ostentação” e “fanfarrão”. Hoje em dia, para a população menos privilegiada, é mais fácil seguir a carreira acadêmica com bolsa de estudos até o Doutorado ou emplacar um concurso público do que passar nas “peneiras” dos grandes clubes brasileiros.

Particularmente, me criei num berço gremista e acompanhei meu pai (um dos fundadores do E.C Guarita) nos seus jogos pelas várzeas da cidade e do interior, até uma lesão no joelho o tirar dos campos. Na infância participei de algumas escolinhas de futebol como o extinto Torresmar (coordenado pelo falecido Deda), o Vera Cruz o conhecido campo do Toninho Selau e por anos a fio joguei no Torrense sob a liderança do incansável Mimi. Sempre gostei da vivência com os companheiros de equipe e da bagunça, das amizades, dos treinos, viagens, campeonatos, vitórias e derrotas (apesar do limitado e humilde futebol que apresento). Os esportes têm uma função social imprescindível na formação de cidadãos éticos ensinando pela prática e disciplina entre a frustação e a superação. No jogo coletivo, todos ganham ou todos perdem.

Nos últimos anos, venho defendendo o brasão do São Domingos E.C ao lado do amigo Blanndo, participando de alguns amistosos e torneios regionais. Percebo que o futebol apresenta uma face violenta, em que os jogadores parecem soldados em missão de destruir os adversários, assim exaltados nos cantos e hinos das torcidas. A brutalidade chega ao seu ápice quando as pessoas se agridem por causa de seus times, por estarem com camisetas diferentes esquecem que estão unidos pelo futebol. No campeonato municipal de Futebol de Campo/2014 em Torres, ficamos a mercê da violência entre atletas e arbitragem que saiu do controle, espantando as pessoas que iam assistir os jogos e manchando de sangue nosso consagrado campeonato. Minha indignação vem à tona, quando estávamos jogando pelas quartas de finais do campeonato Praiano/2015 a partida entre Mar Azul e São Domingos. Ganhávamos de um a zero e no empate e uma provocação na torcida há menção de injúria racial ao jogador do Mar Azul. Eu estava afastado do lance, mas supostamente à célebre homenagem aos primatas, (“macaco” neste caso, num tom pejorativo e ofensivo) foi proferido por um senhor que aparentava uns 60 anos. Atletas revoltados saíram de campo juntamente com dezenas de torcedores e foram revidar a ofensa. Pancadaria generalizada no lado de fora da arena e nós atletas, abismados com tamanha violência para casos que tem amparo legal: Racismo no Brasil é Crime! Quem tinha a razão saiu perdendo. O resultado foi um clima tenso, pessoas sangrando e polícia. E mais uma vez, entre a arte e a paixão no futebol a violência saiu ganhando. Lamentável...

Publicado no Jornal A Folha (Torres/RS)

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 19/02/2015
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