Sempre Vivo Paulo Freire

Diante dos absurdos anunciados na manifestação burguesa do dia 15/03 fiquei perplexo com as acusações levianas e denúncias infundadas das pessoas que sequer conhecem a obra de Paulo Freire e seu pensamento e resolvi desvelar um pouco da sua história para evitar devaneios que comprometam a dedicação desse erudito na compreensão dos processos pedagógicos e da formação do povo brasileiro. Percebi que em alguns lugares do país, manifestantes esbravejavam e xingavam quando viam faixas que reivindicavam melhorias na educação ou apoio à greve dos professores demonstrando mais uma vez a importância que a Educação tem na formação da cidadania. Fiquei extremamente preocupado, pois as pessoas se acham no direito de falar, se posicionar e opinar sobre as políticas educacionais e as práxis pedagógicas sem ao menos “pisar no chão da escola”. São críticas de gabinete de uma burguesia que perde seus privilégios e atacam veementemente os programas sociais e as populações marginalizadas com discursos de ódio e intolerância. Neste contexto, o pensamento humanista e diálogico de Paulo Freire ganha voz, na utopia do “inédito viável” na humanização e afetividade e na vocação ontológica “ser mais”.

O educador Paulo Freire (1921 – 1997) é oficialmente o Patrono da Educação Brasileira, estabelecido pela Lei 12.612 de 13 de abril de 2012. Um ato de reconhecimento a sua erudição e preocupação com as classes oprimidas e sua proposta pedagógica revelam o humanista Paulo Freire, em sua simplicidade e “boniteza”, ao Brasil, às Américas, à África e ao mundo, um educador comprometido no combate às desigualdades sociais. Sua contribuição nas áreas das humanas e sociais é notável e serve de inspiração aos pedagogos, filósofos, sociólogos, historiadores, antropólogos e ativistas culturais e sociais.

Nascido em Recife no ano de 1921, Paulo Freire viveu profundas experiências familiares na infância, passando por problemas financeiros e, principalmente a morte de seu pai aos 13 anos de idade. Seguiu na carreira do Direito em seus estudos acadêmicos, mas dedicou-se ao magistério com enfoque à alfabetização e educação das camadas mais vulneráveis da população. Sua perspectiva educacional estava atrelada ao contexto sociocultural dos educandos e na análise das “Escolas Formais” e a crítica a “educação bancária” (conceito freiriano que revela uma prática educativa unilateral em que o professor apenas “deposita” os conteúdos nos alunos sem problematizá-los) enquanto instituições elitistas e segregacionistas, percebendo as relações de poder estabelecidas no ambiente escolar.

A militância política de Freire refletia na sua vida pessoal e em suas obras. Em 1963, na cidade de Angicos (interior do Rio Grande do Norte) promoveu a alfabetização de cerca de 300 adultos, aplicando um projeto piloto para os educandos em fase adulta oriundos da classe trabalhadora rural. Esta iniciativa era o embrião dos Programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), entre outros, considerados uma modalidade de ensino na Educação Básica e atendem, em sua grande maioria, educandos com vínculos empregatícios com aulas no período noturno. Freire acreditava que não existiam limites etários para a aprendizagem e, para os trabalhadores uma das alternativas de emancipação política seria a alfabetização em que “aprender a ler e escrever se faz assim uma oportunidade para que mulheres e homens percebam o que realmente significa dizer a palavra: um comportamento humano que envolve ação e reflexão.”

Durante o Regime Militar (1964 – 1985), Paulo Freire produz intensamente no exílio e no seu regresso ao Brasil. Em 1968, escreve Pedagogia do Oprimido enquanto estava exilado no Chile e participou ativamente de programas educacionais na África, Europa, Estados Unidos e países da América Latina. Politicamente ativo, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e foi secretário de Educação do Estado de São Paulo entre 1989 e 1991. Morreu em 1997 vitimado por um enfarto. Entre sua intensa produção podemos destacar as obras Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos, Cartas à Guiné Bissau, Pedagogia da Autonomia, Professora Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar, A importância do ato de ler, a Educação na Cidade, entre outros. O Centro de Referência Paulo Freire de iniciativa do Instituto Paulo Freire disponibiliza um amplo acervo em educação popular e obras completas (acesse http://acervo.paulofreire.org/ .)

Paulo Freire personificou seus ideais e sonhando sonhos possíveis voltou sua Pedagogia para a Libertação dos Oprimidos. Seu pensamento crítico fundamenta as tendências educacionais contemporâneas e sua escrita ensaística serve de estímulo na construção de alternativas aos desafios do cotidiano escolar. O discurso freiriano é atual e direciona a educação ao seu sentido político entre emancipação ou doutrinação, a tênue relação entre teoria e práxis, a ação dialógica entre educadores e educandos, o processo de humanização e o papel socializador da escola. Os fundamentos humanistas da teoria de Paulo Freire sugerem uma “leitura do mundo”, um desvelamento da realidade diante dos sujeitos que pressupõe a análise do “texto e do contexto” imbricando uma estreita relação entre os conhecimentos teóricos e sua efetiva aplicação prática. Uma comunhão entre as pessoas, suas culturas e o meio social em que vivem e convivem. Uma pedagogia de transformação de consciências.

A consciência crítica dos sujeitos históricos no contexto econômico capitalista e a inerente luta entre as classes sociais são elementos fundamentais para situar os educandos no plano político e sua inserção na realidade social. A educação popular no panorama do sistema público de ensino pode contribuir para a reflexão sobre o papel do Estado e a função da escola diante dos desafios da sociedade de consumo. O pensamento e legado desse intelectual brasileiro que atravessou as fronteiras de seu país angariando homenagens em diversos continentes, torna-se a cada dia atual e emergente. Por isso nós trabalhadores da educação alinhados com os pressupostos da Educação Popular clamamos aos ensinamentos do Sempre Vivo Paulo Freire!

Publicado no Jornal A Folha.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 25/03/2015
Reeditado em 25/03/2015
Código do texto: T5182666
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