Do Alto das Torres

A singularidade da emancipação político e administrativa do município de Torres, segundo o historiador Ruy R. Ruschel, seria sua dupla outorga sendo criado em 21 de maio de 1878 (extinto em 1887) e recriado em 23 de janeiro de 1890. A Freguesia de São Domingos das Torres tornava-se autônoma de Nossa Senhora Conceição do Arroio (hoje a cidade de Osório) e seus limites eram do rio Tramandaí ao Mampituba e do oceano Atlântico aos contrafortes da Serra Geral. Do alto das Torres revelam-se as riquezas de uma terra que contrasta entre o céu e o mar. Na Serra, o domínio dos abruptos canyons que deram origem as falésias basálticas e a Ilha dos Lobos. Nas areias, as pegadas dos primeiros habitantes que construíam sambaquis, aldeias e paradouros. No mar, uma ligação íntima que se traduz na pesca e na admiração do horizonte. As restingas e banhados tornam-se o habitat dos animais: aves, mamíferos e anfíbios. A Mata Atlântica é o remanescente da biodiversidade do litoral nos contornos do Parque da Itapeva e das Pedras Vermelhas do Curtume. O sítio das Torres, o caminho dos viajantes e tropeiros que passavam pela Guarda e Registro no século XIX sob os auspícios da igreja São Domingos construída em 1824 na suave encosta da Torre Norte. A imigração europeia trouxe os costumes dos italianos e alemães mesclados com o rosto açoriano, indígena e quilombola. Os nativos torrenses, bicuíras (povo das areias), camuflados no ambiente desenvolvendo um modo peculiar de viver. Afrodescendentes, africanos moldados pela escravização, sangue e suor no árduo trabalho nas construções e plantações. A gênese de uma comunidade multiétnica criada e re-criada na tênue linha de fronteira territorial. A região limítrofe sob a enfática presença da fiscalização militar, uma salvaguarda atenciosa no Forte São Diogo das Torres construído em 1777. Exércitos, expedicionários e destacamentos de soldados ou rebeldes, no curso da Revolução Farroupilha (1835/1845) e Revolução Federalista (1893/1895). O povoado da Itapeva e a vivência rural do Faxinal aos recônditos da Pirataba, Pixirica ou Morro do Forno. Diversos povoados da zona agrícola entre a Serra e o Mar cultivam a vida colonial dos engenhos de farinha, açúcar e cachaça. No Rio Mampituba, a Barra dos Molhes e os faroletes, na Torre Norte o Farol e as lagoas do Violão, da Itapeva e do Jacaré pintam o cenário dos mananciais hídricos que fornecem o equilíbrio e qualidade do bem- viver quando existe responsabilidade para sua preservação, zelo e carinho. Do topo dos penedos está esculpida uma teia entre a cultura e a natureza que formatam e impregnam de significados e valores o ser torrense, os habitantes das falésias. Deslizando sobre o Calçadão da Praia Grande, o primeiro Posto de Salva Vidas e o Abrigo da SAPT (1938) revelam a história do Turismo cravejada nos Chalés e Sobrados de veraneio. O antigo Balneário Picoral no fomento da Balneoterapia (turismo de cura) no início do século XX propaga a “vocação turística” que se desenvolve na rede hoteleira durante as décadas seguintes. Da base rochosa da Prainha, um caminho ao sul passa reverenciando a Santinha e chega na olaria e caieiras (fornos de cal) forjada nas áreas de trabalho da Praia da Cal. Nos esconderijos das Furnas, mistérios e estórias, inscrições históricas e o primeiro Datum Altimétrico do Brasil, o Marégrafo de Torres de 1919. O Morro das Furnas, um pesqueiro por excelência, na captura do “pampo” ou da “miraguaia” recheada pelo mexilhão (marisco da pedra). Explosões das dinamites na área de construção do Porto Marítimo de Torres em 1890, vestígios da Primeira República no Brasil. O Parque da Guarita, uma luta do ambientalista José Lutzenberger resguarda a Torre do Meio, a Guarita e a Torre Sul, testemunho geológico, natural, histórico e arqueológico, a verdadeira preciosidade das torres. Uma simpática Vila tornou-se uma cidade verticalizada. Do alto das Torres Naturais, as pessoas e suas bicicletas, trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e pescadores buscam suas referências históricas e necessitam de políticas públicas que visem a preservação do seu Patrimônio Cultural. Sem História e sem memória como é possível celebrar seu aniversário de 137 anos? A maior riqueza de Torres é a cultura popular, as manifestações e aspirações da gente torrense!

Publicado no Jornal Litoral Norte e Jornal A Folha em homenagem aos 137° aniversário do município de Torres-RS (21/05/1878)

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 21/05/2015
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