A Colher de Pau

É recorrente escutarmos o dito popular: “Briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Entre gritos, ofensas e espancamentos as mulheres sofrem abusos de todo tipo e perplexos não sabemos onde enfiamos nossa colher. Ao invés da ineficaz espada que empunha a Justiça, a colher de pau pode amenizar a dor quando há denúncias, seja com os amigos e familiares de confiança ou formalizando as ocorrências na Delegacia da Mulher. Devemos admitir que nossa sociedade é machista e patriarcal e que todos os avanços que tivemos nos âmbitos jurídicos e sociais foram conquistas históricas dos movimentos feministas. As flores em homenagem as mulheres entregues no mês março estão manchadas de sangue e intolerância quando a data ficou na história por uma retaliação a greve das operárias que no mesmo mês quando cerca de cento e trinta trabalhadoras foram vitimadas por um incêndio criminoso na fábrica têxtil onde trabalhavam em Nova Iorque no ano de 1911. Oficialmente, a celebração do Dia Internacional das Mulheres ocorreu a partir da década de 1960 após quase dois séculos de lutas e reivindicações pela igualdade de gêneros. A intenção é trazer à tona o debate para impedir retrocessos e garantir os direitos sociais e civis diante das atrocidades que ainda presenciamos contra as mulheres. Na minha formação humana tive contato com uma forte e combativa retórica feminista no seio familiar. Majoritariamente, na minha família a mulherada “domina” sempre no combate a opressão e mantiveram uma postura independente em suas profissões. Recordo o que minha mãe falava quando a Bisavó Raimunda de 97 anos (in memorian) dava lição nas minhas tias afirmando que o melhor marido que elas poderiam arranjar era um bom emprego, para não ficarem submissas nas relações conjugais. Vovó entendia que a primeira emancipação era a financeira, algo almejado na sua vida simples no sertão nordestino. Essa mulherada “arretada” ensinou aos seus filhos que as atitudes feministas deveriam ser ensinadas no berço dos homens e que as transformações e mudanças nascem nos detalhes e nas ações: a Educação e os valores vêm de casa! No rude pensamento do macho sob forte vigilância ainda reproduzimos os seculares princípios patriarcais de maneira explícita ou por muitas vezes de maneira implícita e discreta. Atualmente, a agressão a condição natural da mulher é violada no desejo pela maternidade com a imposição desenfreada de cesarianas, nos padrões de beleza moldados pela indústria farmacêutica e o mercado de cosméticos financiado pelas grandes mídias. No centro das discussões de gênero e concepção de família está a figura feminina lutando pela sua autonomia diante de seu corpo com a polêmica sobre a legalização do aborto. A todo instante passeando nas ruas da cidade, são alvejadas com olhares maliciosos e piadas vulgares como se fosse uma declaração singela e apaixonada dos antigos galanteadores e as românticas serenatas. É um desrespeito pujante a condição de mães/ trabalhadoras/ estudantes que passam nos espaços públicos. Casos alarmantes de assédio moral, físico e sexual independente da faixa etária revela o distanciamento entre o aparato legislativo e a realidade. A conhecida Lei Maria da Penha (n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006 ) foi um avanço nos direitos das mulheres, mas existe um longo caminho a ser percorrido para sua efetiva prática social, oferecendo possibilidades de proteção e transformação na vida das vítimas. Nos lamentáveis cenários de violência doméstica é comum ameaças dos agressores e traumas irreversíveis nas crianças que presenciam o caos matrimonial. Inocentes são abalados pela crueldade da psique humana e a impunidade amedronta e viola a dignidade. Para rompermos com os grilhões que nos aprisionam podemos abrir mão da “guerra dos sexos” e concebermos a humanidade como uma “família ampliada e universal” como preconiza os “Direitos Humanos” aliados aos fundamentos da “Carta da Terra” que nos alerta para o zelo e cuidados necessários para a preservação do meio ambiente como a riqueza mais valiosa do mundo. Mulheres, homens e transgêneros, todos podemos erguer nossas colheres de pau combatendo toda forma de discriminação e opressão, pois pertencemos ao mosaico global de seres humanos imersos em escolhas, ideologias e princípios onde somos exigidos a tomar atitudes com o peso da obrigação de pavimentar um futuro com mais respeito, ética e justiça com o planeta e seus habitantes.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 06/11/2015
Reeditado em 06/11/2015
Código do texto: T5439469
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