Maria Aparecida das Torres

Na semana de celebração do aniversário de 138 anos de um dos municípios matrizes do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, a memória, a história e a cultura de Torres transformam-se em pilares para a identidade local. Uma boa oportunidade para pesquisar e conhecer os museus, o centro histórico e os parques naturais. Passear pelos bairros, participar de atividades culturais e visitar os parentes são momentos oportunos para aprendizagem sobre as nuances da paisagem urbana ou rural e as práticas culturais próprias das comunidades tradicionais. Uma data formal, um feriado municipal que carrega consigo a gênese para reflexão crítica do meio social que nos cerca e fornece elementos imprescindíveis para o exercício da cidadania. Mudanças são exigidas nas esferas de poder e a participação popular aumenta a medida que o cenário político começa a recrudescer apoiado pelos setores mais conservadores da sociedade. O Brasil obrigatoriamente tem que se reinventar e as decisões devem emergir dos anseios das populações historicamente marginalizadas. Um país segregacionista e elitista já se mantem a mais de quinhentos anos e emoldurou o “gigante amordaçado” da atualidade. Há de renascer como uma Fênix, uma nação operária e heterogênea composta pela classe trabalhadora em que seu fundamento seria as glórias de uma educação pública e de qualidade e a valorização da cultura como eixo de desenvolvimento e emancipação humana. Pensar sobre os aspectos da cidade é o trampolim para se pensar em qual país construiremos para os futuros brasileiros e latino-americanos. Não se combate a corrupção com algozes corruptos travestidos midiaticamente de salvadores da verdade e da justiça.

Torres das torres e dos torrenses rurais e praianos, nativos, adotados e passageiros que se reconhecem pelo zelo e carinho pela sua terra. Em uma parcela existe o sentimento de pertencimento e identidade cultural, em outra parcela existe o visível desconhecimento e a própria alienação sobre o lugar onde vivem. Com o passar do tempo, fui me apropriando sobre a produção historiográfica regional e Torres passava a ser um objeto de estudo e pesquisa. Os “clássicos” da perspectiva positivista e tradicional eram leituras obrigatórias. Contudo, um romance histórico foi o que melhor me traduziu o que procurava compreender. Uma discussão filosófica a partir de “A Náusea” do existencialista Jean Paul Sartre (1905-1980) intitulada “Torres em Transe” da intelectual torrense Fernanda Carlos Borges. A perspectiva crítica adotada pela filósofa foi o que me encantou, em que ela revela o diário da protagonista Maria Aparecida escrito em 2008. O livro teve seu lançamento oficial na saudosa Feira do Livro na aprazível Prainha em 2011. Percebo que foi uma abordagem pouco compreendida cujo nível de subjetividade e abstração da história acabou revelando aspectos pouco apreciados entre a comunidade torrense. “Torres em transe” descortina um lugar de passagens e migrações onde tudo é transitório e volátil. O turismo, suas benesses e desarranjos, a vivência rural dos engenhos e dos colonos, o jeito de ser do povo local e suas contradições. Fernandinha se enveredou em terreno tortuoso para entender sua terra, abominando a visão mercadológica do usufruto do território, “os espigões de concreto” e a máfia imobiliária que explora os recursos e a “gente” da terra onde o fascínio pelas belezas naturais e o prisma dos cartões postais ofuscam os problemas cotidianos. Maria Aparecida torna-se o dispositivo catalisador para tratar desses assuntos. No seu diário surgia uma Torres desconhecida, provocante e desafiadora que traz a tona o protagonismo da população local como alternativa de transformação da realidade. A personagem entra em transe buscando respostas para seus questionamentos, dilemas pessoais e identidade mergulhando em suas origens familiares, a cultura do seu povo e o conhecimento de sua terra natal. Num dado momento, no Morro das Furnas a Maria Aparecida desaparece e surge um novo culto baseado no ecletismo religioso no “Paredão”, último local onde ela foi avistada. Sua imagem começa a ser idolatrada como uma Santa Padroeira do povo torrense em contraposição ao Santo oficial São Domingos. Dando sequência ao livro, foi produzido entre os anos de 2013 e 2015 um documentário chamado “O Milagre das Torres” (disponível no Youtube) onde pessoas da comunidade são entrevistadas no intuito de investigar o paradeiro da moça e muitos temas relacionados a vivência e sentimentos dos torrenses e sua conexão afetiva com o lugar são revelados. No desdobramento do projeto, com a colaboração da E.E.E.F Justino Alberto Tietboehl modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) e o I.E.E Marcílio Dias, Fernanda Carlos Borges desenvolve uma pesquisa internacional para transformar essa História num Webdocumentário Participativo com a contribuição dos estudantes.

Essa história ainda vai se desenrolar e temos muito a compreender sobre os aspectos históricos e culturais de Torres. Sob a batuta da Filósofa e da Santinha Padroeira Maria Aparecida das Torres muitos milagres acontecerão!

Pubicado no Jornal A Folha/Torres e Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 19/05/2016
Código do texto: T5640557
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