Vera, a veranista das Torres

Todos os anos a família de Vera passava as férias de verão numa casa de aluguel nas proximidades da histórica Igreja São Domingos. Junto com os irmãos, avós, tios e primos ia pescar na Santinha e no Portão na Praia da Cal e costumavam tomar banhos na Lagoa do Violão e no Rio Mampituba. Usufruíam das praias e da calmaria das ruas de chão batido das poucas quadras da parte central da cidade. Na sua mocidade recorda da memorável construção do Prédio da SAPT em 1949 sendo noticiada como um dos mais luxuosos da época. Sua família era associada da Sociedade dos Amigos da Praia de Torres (SAPT) onde Vera aproveitava os bailes, eventos esportivos e ações beneficentes em prol da comunidade local. A SAPT e a influência dos seus associados na esfera política estadual promoveu diversas obras de infra estrutura na cidade. Os ilustrados que vinham veranear no balneário eram os responsáveis pelo desenvolvimento socioeconômico local alicerçados pelo consentimento do poder público que privilegiava seus interesses. Os torrenses nativos eram considerados os serviçais, apenas os que cuidavam, limpavam, cortavam a grama e zelavam pelas casas dos veranistas durante o inverno. Por vezes, eram os pescadores que traziam as iguarias marinhas, “frutos do mar”, peixes e mariscos fresquinhos para alimentar os forasteiros. Vera lembra que no verão de 1959 se apaixonou por um morador, Eusébio que morava no bairro Curtume e vinha de uma tradicional família de pescadores. Seu Otávio, pai de Vera, era de família italiana de Caxias do Sul e gostava de pescar nos paredões do Morro das Furnas onde era conhecido como “Serrano”. Quando soube da paixão súbita de sua filha disse com aspereza: “Não quero mais te ver ao lado daquele marisqueiro!” Foi o que bastou para Vera viver sua primeira decepção amorosa. Já na década de 1980 participou ativamente dos carnavais promovidos pela Associação da sua praia predileta onde cantava sempre: “O melhor Carnaval é na Praia da Cal... O melhor Carnaval é na Praia da Cal...” Tinha uma ligação umbilical com a praia que ficava entre a Torre Norte e a Torre do Meio, local que estava sua residência de veraneio que herdou do seu pai e que na sua aposentadoria seria sua mais nova morada. Vera, a veranista tornou-se moradora na melhor idade buscando melhor qualidade de vida. Testemunhou o crescimento da cidade invadindo o céu com seus “espigões” e aterrando os banhados outrora inacessíveis e inabitados. A cidade das suas tenras lembranças dos ventos quentes do verão estava dando lugar a um horizonte edificado de concreto por todos os lados. Vera abre seu álbum de fotografias e mergulha no passado com nostalgia e traz à tona um pensamento sutil: “Agora só faltava ter um Shopping Center em Torres, seria o fim do mundo. Será que estarei viva para ver? Só Deus sabe...”

Publicado no Jornal A Folha/ Torres e Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 28/07/2016
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